Presidente de Angola continua
cerco à família de Eduardo dos Santos. Burla ao BNA gera ‘comissão’ de 24 milhões de dólares em Portugal
Recuperados os 500 milhões de
dólares que haviam sido transferidos de forma fraudulenta do Banco Nacional de
Angola (BNA) para uma conta do Credit Suisse em Londres, a atenção das
autoridades angolanas vira-se agora para Portugal, para resgatar 24.085.000
dólares depositados na conta PT50 0033 0000 4550 4527 4810 5 do Banco
Millennium a favor da Mais Financial Services (MFS).
Este foi o veículo de fachada
criado pelo filho mais velho do antigo Presidente angolano, José Filomeno dos
Santos, e liderado pelo sócio José Pontes, para alegadamente levar a cabo a
tentativa de burla que agora culminou na constituição de ambos e do antigo
governador do BNA, Valter Filipe, como arguidos, com termo de identidade e
residência e interdição de saída de Angola.
Aquele montante foi disponibilizado
em três tranches, sendo que uma delas, de 2,43 milhões de dólares, se refere “à
prestação de serviço para elaboração de um estudo exaustivo da realidade
económica e financeira do país”, acabou por ser alvo de um duplo pagamento. Uma
outra tranche, de 11.725 milhões de dólares, destinava-se a pagar “o serviço de
apoio técnico à constituição de um Fundo de Reserva Estratégico”.
“O dinheiro transferido não
representa senão uma comissão sobre serviços que nunca foram executados”, disse
ao Expresso um alto funcionário do Ministério das Finanças de Angola.
A operação foi encaminhada para a
conta nº 4008 7159 6300 de um banco correspondente do BNA, o Comerzbank, de
Frankfurt, que por sua vez transferiu aqueles montantes para o banco português.
“Há um consórcio de escritórios de
advogados ingleses e portugueses a encetar todas as diligências junto das
autoridades portuguesas e em breve esperamos chegar a um acordo para teremos
também esse dinheiro de volta”, garante fonte do Conselho de Ministros.
Disposto a não deixar a culpa
morrer solteira, o Presidente João Lourenço, regressado ao país após uma visita
privada aos Estados Unidos, deu de imediato instruções ao Ministério das
Finanças para divulgar um comunicado em que implica, de forma demolidora, o
papel de José Eduardo dos Santos em todo este esquema.
“É um claro aviso de que não está
para brincadeiras e de que pretende ir até ao fim com esse processo”, adverte
uma fonte do gabinete de João Lourenço.
Mas os avisos do Presidente
angolano não se circunscrevem a esta milionária tentativa de burla que atingiu
em cheio os cofres do BNA. E, apesar de a recuperação dos 500 milhões de
dólares, segundo alguns juristas, poder vir a atenuar a sanção pelo crime, o
fim do caso continua a não deixar dormir descansados alguns dos seus
protagonistas.
Perante o descaminho de parte dos 5
mil milhões de dólares aplicados pelo Estado no Fundo Soberano de Angola, que
era dirigido desde 2012 pelo filho do antigo Presidente, João Lourenço decidiu
na semana passada estender o cerco às ilhas Maurícias.
Neste território, Jean-Claude
Bastos de Morais, empresário suíço-angolano e sócio de José Filomeno dos
Santos, montou uma intrincada engenharia financeira à volta daquele dinheiro.
Para o sucesso desta cruzada, o ministro angolano das Relações Exteriores,
Manuel Augusto, foi portador de uma carta assinada por João Lourenço para o
primeiro-ministro Pravind Jugnauth em que aquele solicita o congelamento de
várias contas pertencentes a Jean-Claude Bastos.
Estimadas em 206 milhões de
dólares, estas contas estão sustentadas com recursos que terão sido
alegadamente desviados do Fundo Soberano a partir do momento em que aquele
empresário passou a ser o gestor da instituição através do seu grupo Quantum
Global.
“Mandatado por José Filomeno dos
Santos, transformou-se no dono e senhor absoluto do Fundo, e com o decorrer do
tempo trocou as voltas ao sócio, que lhe perdeu completamente o rasto”, diz a
mesma fonte do Ministério das Finanças.
Com base na Lei da Recuperação de
Ativos das ilhas Maurícias, o congelamento das contas resulta de uma ordem
judicial emitida pelo juiz do Supremo Tribunal Chan Kan Cheong, na sequência de
um pedido do procurador-geral Nursimloo Agi.
A diligência encetada agora ao mais
alto nível do Governo angolano surge na sequência de sucessivas recusas de
Jean-Claude Bastos em deixar de movimentar as contas domiciliadas naquela ilha
depois de ter recebido uma notificação da nova administração do Fundo.
“Ao remeter de forma sobranceira o
assunto para os seus advogados, Jean-Claude tem assumido uma atitude que
representa uma verdadeira afronta ao Estado”, disse ao Expresso fonte
governamental.
Novos embaraços judiciais parecem,
entretanto, esperar outro dos arguidos do “caso dos 500 milhões de dólares”: o
antigo governador do BNA.
Na Procuradoria-Geral da República,
segundo apurou o Expresso, correm processos que indiciam a alegada participação
de Valter Filipe e de outros antigos administradores do BNA em ilícitos
referentes a operações de importação de bens, sobrefaturação na compra de
residências para a instituição e transferência de divisas resultante de
operações que deveriam ser executadas em moeda nacional. “Tudo não passava de
um esquema de ladrões que, aqui ou nas ilhas Maurícias, tinha inevitavelmente
de acabar na Justiça”, denuncia o jornalista e ativista Rafael Marques.
O Expresso contactou Jean-Claude
Bastos de Morais e Valter Filipe mas não obteve resposta até ao fecho desta
edição.