segunda-feira, 15 de setembro de 2014

PARTE II - “A QUESTÃO DA NAÇÃO LUNDA TCHOKWE 1885 – 1894” Do conflito entre Portugal e a Bélgica de 1890 á convenção de Lisboa de 1891 sobre a LUNDA

“A QUESTÃO DA NAÇÃO LUNDA TCHOKWE 1885 – 1894”

Do conflito entre Portugal e a Bélgica de 1890 á convenção de Lisboa de 1891 sobre a LUNDA




A QUESTÃO « DE DIREITO»

Mudando de assunto, Édouard de Grelle achou por bem que a Conferência se ocupasse da interpretação da Convenção de 14 de Fevereiro de 1885, e afirmou que ela, « no seu texto e no seu espirito, teve por fim fixar como limites entre o Estado Independente do Congo e Portugal todo o CURSO DO CUANGO, e que o decreto do Rei Soberano de 10 de Junho de 1890 não era senão a confirmação dos direitos que a convenção reconhecia ao ESTADO DO CONGO».


E não razões por que Portugal protestava contra o decreto.


Carlos Roma du Bocage argumentou com o facto de o Estado do Congo ter celebrado com outras Potências convenções que lhe marcavam o Cuango até ao paralelo 6º de latitude sul, tal como depois, em 1 de Agosto de 1885, ele tinha expressado na sua DECLARAÇÃO DE NEUTRALIDADE.


Édouard de Grelle observou que a Declaração de Neutralidade não podia ser tida como « uma constituição de território».


Leopoldo II, então, apenas queria assumir os encargos dela decorrentes onde ela pudesse tornar-se efectiva.


O DELEGADO PORTUGUÊS TROUXE EM SUA DEFESA AS CARTAS QUE ACOMPANHARAM OS ACTOS DIPLOMÁTICOS COM A FRANÇA E COM ALEMANHA, AS QUAIS LIMITAVAM O ESTADO DO CONGO PELO CUANGO. LEMBROU LOGO DEPOIS QUE «TODAS AS EXPEDIÇÕES COMERCIAIS E CIENTIFICAS QUE NA LUNDA TIVERAM LUGAR FORAM ACOMPANHADAS POR GUIAS PORTUGUESES E SERVIDAS POR RECOMENDAÇÕES DAS AUTORIDADES DE PORTUGAL», E QUE «A EXPEDIÇÃO DO MAJOR HENRIQUE AUGUSTO DIAS DE CARVALHO, EM 1884, (...) FOI ORGANIZADA COM O FIM DE TORNAR ESSES CONTACTOS EM LAÇOS DE SOBERANIA EFECTIVA». SE PORTUGAL NÃO TINHA FALADO EM BERLIM DESSA EXPEDIÇÃO, FOI PORQUE O SEU RESULTADO NÃO ERA AINDA CONHECIDO, MAS ELA, NA VERDADE, PROLONGADA ATÉ 1888, ERA UMA PROVA DE QUE O GOVERNO PORTUGUÊS NÃO CONSIDERAVA O CUANGO COMO LIMITE DA PROVINCIA DE ANGOLA.



O plenipotenciário do Estado Independente do Congo recordou os nomes de Wissman, Von François, Muller, Braconnier e Dhanis, que foram à Luanda por conta de Leopoldo II para contrabalançar a expedição de Major Henrique de Carvalho na Lunda.


E Cuvelier, delegado técnico, acorreu com a opinião de que o plenipotenciário de Portugal não devia seguir no terreno das explorações nos territórios em lítigio, porque a Conferência se tinha reunido nos termos do ACORDO de 31 de Dezembro para procurar de comum acordo a interpretação da convenção de 1885.



E para aclarar a Convenção e explicar a Declaração de Neutralidade, julgou que devia trazer à Conferência certos factos.



A Associação Internacional – continuou – tinha, de facto, celebrado tratados análogos com a Alemanha (8 de Fevereiro de 1884) e com a França ( 5 de Fevereiro de 1885).



Na carta anexa à convenção alemã, os territórios da Associação, eram limitados pelo paralelo de Nóqui, prolongado até Cuango, e na Carta da convenção Francesa, pelo paralelo 6º de latitude sul de uma e outra parte do Cuango.



E isto porque, por um lado, era justo que a Associação deixasse toda a liberdade de acção civilizadora à Alemanha para leste deste rio, onde tinham sido Buchner, Schutt, Wissman e Pogge, por outro, «era notório que Portugal não tinha na época qualquer pretensão sobre estes territórios interiores.



Como prova desta última afirmação, aduziu a celebração do Tratado de 26 de Fevereiro de 1884 com a Inglaterra, embora não ractificado, onde Portugal pretendia fosse reconhecida a sua soberania sobre a parte da costa ocidental de Africa entre os paralelos 8º e 5º 12’ de latitude sul, até Nóqui sobre o Congo, e até às fronteiras das tribos fixadas sobre a costa e nas margens do rio.



O motivo por que a DECLARAÇÃO DE NEUTRALIDADE – prosseguiu Cuvelier – fixava no Cuango as fronteiras do Estado Independente do Congo, explicava-se pela situação especial em que ele se achava perante a Alemanha de não fazer «prevalecer, ao olhar das Potências, logo na sua declaração de neutralidade, todos os direitos territoriais que lhe reconhecia o conjunto das suas convenções».



Demais, a declaração de neutralidade era um acto unilateral, e um TRATADO INTERNACIONAL não pode ser modificado por uma simples decalaração de um dos contratantes.



Nesta declaração o Estado Independente do Congo programava em que territórios aplicavam o regime da neutralidade, «mas limites destes territórios neutros não os reproduziu na notificação da sua constituição onde se referiu à sua constituição territórial tal como foi estabelecida pelos tratados».


A Cuvelier respondeu Roma du Bocage, afirmando que tinha estado na conferência de BERLIM e conhecia quais as regiões de que se quis compor o Estado Independente do Congo. Nunca estivera no pensamento da Alemanha e da França atribuirém-lhe a LUNDA.


«Quando Portugal concluiu o TRATADO DE 1885 com a Associação do Congo pelo qual ele reconhecia o curso do Cuango como limite dos territórios da dita Associação, supunha implicitamente, como era conhecido dos actos anteriores, que se deveria entender esta fronteira no sentido em que tinha sido definida por estes actos, isto é, entre o paralelo 6º e o paralelo de Nóqui.


De Grelle, sem contestar o valor da opinião pessoal de Roma du Bocage, notou, porém, que o barão Lambermont era de opinião contrária. Mas passou à frente para dizer que o mapa COR-DE-ROSA, de 1886, não compreendia a LUNDA na esfera de influência portuguesa, o que provava que, nessa época, Portugal não passava nesses territórios.



Roma du Bocage, ao modo por que se defendera o delegado técnico do Estado Independente do Congo, acudiu dizendo que, no pensamento de Portugal, aquando da convenção com a ALEMANHA, esta era a única potência que tinha pedido reivindicar a LUNDA e essa convenção exprimiu justamente esse sentimento…Logo de Grelle lhe perguntou se, no caso de a Alemanha ter reivindicado a LUNDA, Portugal teria abandonado em seu favor as suas próprias reivindicações.



O plenipotenciário português respondeu que o Governo de Portugal nunca desistiria dos territórios do MUATIÂNVUA nem perante a Alemanha nem perante a França, e recorreu em seguida ao mesmo subterfúgio que servira ao delegado técnico do Estado Independente do Congo, de dizer que este, «na sua convenção com a Alemanha, não tinha reivindicado o território do MUATIÂNVUA porque lhe convinha respeitar as pretenções da Alemanha».



Este discorrer do plenipotenciário de Portugal não agradou a CUVELIER, que tomou a palavra para dizer que não era exacto o sentido que ele atribuía à sua intervenção. Ela simplesmente significava que, aquando da declaração de 1 de Agosto de 1885, o Estado Independente do Congo pôde, por razões de que só ele era soberano para apreciar, não invocar todos os seus direitos territoriais.


Roma du Bocage não deixou fugir a ocasião para resumir os meandros por que corria a politica do Estado Independente: « no espirito da Associação Internacional do Congo os seus territórios teriam duas fronteiras, uma alemã, outra Portuguesa». E foi com a contestação desta conclusão de Roma du Bocage por Cuvelier que se encerrou a primeira sessão da conferência ou a convenção de Lisboa sobre a LUNDA. Foram duas horas e meia de discussão animada.



A SEGUNDA SESSÃO. A QUESTÃO «de direito»


No dia 23 de Fevereiro voltou a conferência a reunir-se. Presentes os plenipotenciários e os delegados técnicos procederam-se à leitura do protocolo da sessão anterior, não sem algumas reservas depois feitas por Cuvelier sobre a sua redação.


De Grelle concordou que o status quo não tinha nada que ver com os actos de ocupação praticados antes dele, e Roma du Bocage, confirmando esta interpretação, acrescentou que o essencial era que as ordens dadas pelos dois Governos fossem idênticas e que o estabelecimento do stutos quo não implicasse a apreciação de qualquer acto anterior.



E voltou-se de novo à interpretação da convenção de 14 de Fevereiro de 1885. Cuvelier trouxe em sua ajuda o testemunho de alguns exploradores, geógrafos e escritores como GOTHA, KIEPERT, RAYNIER, PETERMANN, STIELER…que davam ANGOLA terminada no Cuango.



Citou a carta das possessões Portuguesas publicadas em 1862 pelo VISCONDE DE SÁ BANDEIRA e pelo coronel Costa Leal.


Voltou as explorações na LUNDA por conta da Associação Internacional antes e depois de 1885, neste caso, em seu entender, no prosseguimento da execução da Convenção de 1885. Falou da abertura, atrás indicada, para a delimitação das esferas de influências, cujo desaire atribuiu, ele mesmo, à atitude de intransigência do Estado Independente como de quem tem consciência de um direito exclusivo que lhe pertence (). Falou da lista das estações oficiais… que Portugal apresentou na Conferência de BRUXELAS como suas na LUNDA, e do protesto com que se saiu logo o Estado Independente, e, em seguida e finalmente, voltou-se para a questão de direito:a convenção de 1885, na sua letra e no seu espirito, fixava como limites das possessões respectivas dos dois Estados em África todo o curso do Cuango; depois de 1885, o Estado do Congo não fez mais do que permanecer fiel a esta maneira de ver.


____________.
(..) Atrás ficou exposto que os factos se passaram de modo diverso… Com efeito, Conde de Macedo, em Novembro de 1890, tinha apresentado na conferência de BRUXELAS a lista das estações oficiais que Portugal possui em Africa, que, em relação à LUNDA, indicava as do Cuango, Lóvua e Calanhi. A conferência limitou-se a registar este documento, por ele não ser objecto da sua competência, e os plenipotenciarios do Estado Independente do Congo formularam sobre ele expressas reservas (Livro Branco sobre a Questão da Lunda, doc.n.º 27, protocolo n.º2, p.46; Doc. n.º 30, protocolo n.º5 p.76)



______________.
Afirmou que a favor desta interpretação estavam a carta Africana Meridional Portugueza, de 1886 (da Comissão de Cartografia), a carta de Rouvier, publicada em 1887 e editada pelo Ministério das Cólonias e da Marinha de França, a carta inglesa Africa South of the Equator, de 1889, de EDWARD STANFORD…; que, se nunca o Estado Independente modificou este seu modo de ver, Portugal, por seu lado, nunca sustentou a tese que defendia agora.


De resto, as declarações feitas em nome do Governo Português, por ocasião da conclusão das suas convenções de 1886 com a França e com Alemanha, mostravam – seu entendimento – que Portugal estava bem longe de considerar a LUNDA ESPAÇO EFECTIVO DEANGOLA, e nem tão-pouco a reserva para sua zona de influência.



Na sessão anterior, já o plenipotenciario português se tinha explicado sobre o motivo por que Portugal então excluirá a LUNDA.



Mas Cuvelier não se contentou com essa explicação, pois o Governo Português, a não reivindicar em BERLIM a LUNDA por não conhecer o resultado da expedição do major Henrique Augusto Dias deCarvalho, fazia valer os seus direitos de exercer a sua influência politica e estender o seu PROTECTORADO sobre os territórios entre Angola e Moçambique, porque neles, só por assim dizer, tinham penetrado viajantes e comerciantes portugueses, só Portugal ali exercia influência, justamente o mesmo título que agora invoca para a LUNDA.



Se Portugal, na convenção com a Alemanha, tinha excluido a LUNDA para não contraria suas possiveis pretensões a leste do Rio Cuango, agora, ao reivindicar esse território, mostrava-se convicto de que ela não pensava em estender-se nessas bandas.



Mas « c´était l’occasion la plus propice pour lui de faire état de ses prétentions sur le LUNDA, si réellement il ne gardait le silence à ce sujet que par considération pour les convenances de l’Allemagne»…



Roma du Bocage respondeu a Cuvelier com o argumento repisado de que a interpretação da convenção de 1885 era inseparável dos outros tratados que definiram os limites da Associação Internacional do Congo.



///continuação///...


OBSERVAÇÂO:
Veja a Convenção de 14/02/1885, Publicada neste BLOG dia 29 de Julho de 2010.

Fontes – AMNE – Caixa «Limites no Congo e na Lunda, maço n.º2, oficio reservado n.º 24 – A, de 24 de Agosto de 1890, de Conde de Macedo para o ministro e secretario dos NE.