“A QUESTÃO DA NAÇÃO LUNDA
TCHOKWE 1885 – 1894”
Do conflito entre
Portugal e a Bélgica de 1890 á convenção de Lisboa de 1891 sobre a LUNDA
A
QUESTÃO « DE DIREITO»
Mudando de assunto, Édouard de Grelle achou por bem que
a Conferência se ocupasse da interpretação da Convenção de 14 de Fevereiro de
1885, e afirmou que ela, « no seu texto e no seu espirito, teve por fim fixar
como limites entre o Estado Independente do Congo e Portugal todo o CURSO DO CUANGO, e que o decreto do Rei
Soberano de 10 de Junho de 1890 não era senão a confirmação dos direitos que a
convenção reconhecia ao ESTADO DO CONGO».
E não razões por que Portugal protestava contra o
decreto.
Carlos Roma du Bocage argumentou com o facto de o
Estado do Congo ter celebrado com outras Potências convenções que lhe marcavam
o Cuango até ao paralelo 6º de latitude sul, tal como depois, em 1 de Agosto de
1885, ele tinha expressado na sua DECLARAÇÃO
DE NEUTRALIDADE.
Édouard de Grelle observou que a Declaração de
Neutralidade não podia ser tida como « uma constituição de território».
Leopoldo II, então, apenas queria assumir os encargos
dela decorrentes onde ela pudesse tornar-se efectiva.
O DELEGADO PORTUGUÊS TROUXE EM SUA DEFESA AS CARTAS QUE
ACOMPANHARAM OS ACTOS DIPLOMÁTICOS COM A FRANÇA E COM ALEMANHA, AS QUAIS
LIMITAVAM O ESTADO DO CONGO PELO CUANGO. LEMBROU LOGO DEPOIS QUE «TODAS AS
EXPEDIÇÕES COMERCIAIS E CIENTIFICAS QUE NA LUNDA TIVERAM LUGAR FORAM
ACOMPANHADAS POR GUIAS PORTUGUESES E SERVIDAS POR RECOMENDAÇÕES DAS AUTORIDADES
DE PORTUGAL», E QUE «A EXPEDIÇÃO DO
MAJOR HENRIQUE AUGUSTO DIAS DE CARVALHO, EM 1884, (...) FOI ORGANIZADA COM O
FIM DE TORNAR ESSES CONTACTOS EM LAÇOS DE SOBERANIA EFECTIVA». SE PORTUGAL
NÃO TINHA FALADO EM BERLIM DESSA EXPEDIÇÃO, FOI PORQUE O SEU RESULTADO NÃO
ERA AINDA CONHECIDO, MAS ELA, NA VERDADE, PROLONGADA ATÉ 1888, ERA
UMA PROVA DE QUE O GOVERNO PORTUGUÊS NÃO CONSIDERAVA O CUANGO COMO LIMITE DA
PROVINCIA DE ANGOLA.
O plenipotenciário do Estado Independente do Congo
recordou os nomes de Wissman, Von François, Muller, Braconnier e Dhanis, que
foram à Luanda por conta de Leopoldo II para contrabalançar a expedição de
Major Henrique de Carvalho na Lunda.
E Cuvelier, delegado técnico, acorreu com a opinião de
que o plenipotenciário de Portugal não devia seguir no terreno das explorações
nos territórios em lítigio, porque a Conferência se tinha reunido nos termos do
ACORDO de 31 de Dezembro para
procurar de comum acordo a interpretação da convenção de 1885.
E para aclarar a Convenção e explicar a Declaração de
Neutralidade, julgou que devia trazer à Conferência certos factos.
A Associação Internacional – continuou – tinha, de
facto, celebrado tratados análogos com a Alemanha (8 de Fevereiro de 1884) e
com a França ( 5 de Fevereiro de 1885).
Na carta anexa à convenção alemã, os territórios da
Associação, eram limitados pelo paralelo de Nóqui, prolongado até Cuango, e na
Carta da convenção Francesa, pelo paralelo 6º de latitude sul de uma e outra
parte do Cuango.
E isto porque, por um lado, era justo que a Associação
deixasse toda a liberdade de acção civilizadora à Alemanha para leste deste
rio, onde tinham sido Buchner, Schutt, Wissman e Pogge, por outro, «era notório
que Portugal não tinha na época qualquer pretensão sobre estes territórios
interiores.
Como prova desta última afirmação, aduziu a celebração
do Tratado de 26 de Fevereiro de 1884 com a Inglaterra, embora não ractificado,
onde Portugal pretendia fosse reconhecida a sua soberania sobre a parte da
costa ocidental de Africa entre os paralelos 8º e 5º 12’ de latitude sul, até
Nóqui sobre o Congo, e até às fronteiras das tribos fixadas sobre a costa e nas
margens do rio.
O motivo por que a DECLARAÇÃO
DE NEUTRALIDADE – prosseguiu Cuvelier – fixava no Cuango as fronteiras do
Estado Independente do Congo, explicava-se pela situação especial em que ele se
achava perante a Alemanha de não fazer «prevalecer, ao olhar das Potências,
logo na sua declaração de neutralidade, todos os direitos territoriais que lhe
reconhecia o conjunto das suas convenções».
Demais, a declaração de neutralidade era um acto
unilateral, e um TRATADO INTERNACIONAL não pode ser modificado por uma
simples decalaração de um dos contratantes.
Nesta declaração o Estado Independente do Congo
programava em que territórios aplicavam o regime da neutralidade, «mas limites
destes territórios neutros não os reproduziu na notificação da sua constituição
onde se referiu à sua constituição territórial tal como foi estabelecida pelos
tratados».
A Cuvelier respondeu Roma du Bocage, afirmando que
tinha estado na conferência de BERLIM e conhecia quais as regiões de que se
quis compor o Estado Independente do Congo. Nunca estivera no pensamento da
Alemanha e da França atribuirém-lhe a LUNDA.
«Quando Portugal concluiu o TRATADO DE 1885 com a Associação do Congo pelo qual ele reconhecia
o curso do Cuango como limite dos territórios da dita Associação, supunha
implicitamente, como era conhecido dos actos anteriores, que se deveria
entender esta fronteira no sentido em que tinha sido definida por estes actos,
isto é, entre o paralelo
6º e o paralelo de Nóqui.
De Grelle, sem contestar o valor da opinião pessoal de
Roma du Bocage, notou, porém, que o barão Lambermont era de opinião contrária.
Mas passou à frente para dizer que o mapa COR-DE-ROSA, de 1886, não compreendia a LUNDA na esfera de influência
portuguesa, o que provava que, nessa época, Portugal não passava nesses
territórios.
Roma du Bocage, ao modo por que se defendera o delegado
técnico do Estado Independente do Congo, acudiu dizendo que, no pensamento de
Portugal, aquando da convenção com a ALEMANHA,
esta era a única potência que tinha pedido reivindicar a LUNDA e essa convenção exprimiu justamente esse sentimento…Logo de
Grelle lhe perguntou se, no caso de a Alemanha ter reivindicado a LUNDA, Portugal teria abandonado em seu
favor as suas próprias reivindicações.
O plenipotenciário português respondeu que o Governo de
Portugal nunca desistiria dos territórios do MUATIÂNVUA nem perante a Alemanha nem perante a França, e recorreu
em seguida ao mesmo subterfúgio que servira ao delegado técnico do Estado
Independente do Congo, de dizer que este, «na sua convenção com a Alemanha, não
tinha reivindicado o território do MUATIÂNVUA
porque lhe convinha respeitar as pretenções da Alemanha».
Este discorrer do plenipotenciário de Portugal não
agradou a CUVELIER, que tomou a
palavra para dizer que não era exacto o sentido que ele atribuía à sua
intervenção. Ela simplesmente significava que, aquando da declaração de 1 de
Agosto de 1885, o Estado Independente do Congo pôde, por razões de que só ele
era soberano para apreciar, não invocar todos os seus direitos territoriais.
Roma du Bocage não deixou fugir a ocasião para resumir
os meandros por que corria a politica do Estado Independente: « no espirito da
Associação Internacional do Congo os seus territórios teriam duas fronteiras,
uma alemã, outra Portuguesa». E foi com a contestação desta conclusão de Roma
du Bocage por Cuvelier que se encerrou a primeira sessão da conferência ou a
convenção de Lisboa sobre a LUNDA. Foram duas horas e meia de discussão animada.
A SEGUNDA
SESSÃO. A QUESTÃO «de direito»
No dia 23 de Fevereiro voltou a conferência a
reunir-se. Presentes os plenipotenciários e os delegados técnicos procederam-se
à leitura do protocolo da sessão anterior, não sem algumas reservas depois
feitas por Cuvelier sobre a sua redação.
De Grelle concordou que o status quo não tinha nada
que ver com os actos de ocupação praticados antes dele, e Roma du Bocage,
confirmando esta interpretação, acrescentou que o essencial era que as ordens
dadas pelos dois Governos fossem idênticas e que o estabelecimento do stutos
quo não implicasse a apreciação de qualquer acto anterior.
E voltou-se de novo à interpretação da convenção de 14
de Fevereiro de 1885. Cuvelier trouxe em sua ajuda o testemunho de alguns
exploradores, geógrafos e escritores como GOTHA,
KIEPERT, RAYNIER, PETERMANN, STIELER…que
davam ANGOLA
terminada no Cuango.
Citou a carta das possessões Portuguesas publicadas em
1862 pelo VISCONDE DE SÁ BANDEIRA e
pelo coronel Costa Leal.
Voltou as explorações na LUNDA por conta da Associação
Internacional antes e depois de 1885, neste caso, em seu entender, no prosseguimento
da execução da Convenção de 1885. Falou da abertura, atrás indicada, para a
delimitação das esferas de influências, cujo desaire atribuiu, ele mesmo, à
atitude de intransigência do Estado Independente como de quem tem consciência
de um direito exclusivo que lhe pertence (). Falou da lista das estações
oficiais… que Portugal apresentou na Conferência de BRUXELAS como suas na
LUNDA, e do protesto com que se saiu logo o Estado Independente, e, em seguida
e finalmente, voltou-se para a questão de direito:a convenção de 1885, na sua letra e
no seu espirito, fixava como limites das possessões respectivas dos dois
Estados em África todo o curso do Cuango; depois de 1885, o Estado do Congo não
fez mais do que permanecer fiel a esta maneira de ver.
____________.
(..) Atrás ficou exposto que os factos
se passaram de modo diverso… Com efeito, Conde de Macedo, em Novembro de 1890,
tinha apresentado na conferência de BRUXELAS a lista das estações oficiais que
Portugal possui em Africa, que, em relação à LUNDA, indicava as do Cuango,
Lóvua e Calanhi. A conferência limitou-se a registar este documento, por ele
não ser objecto da sua competência, e os plenipotenciarios do Estado
Independente do Congo formularam sobre ele expressas reservas (Livro Branco
sobre a Questão da Lunda, doc.n.º 27, protocolo n.º2, p.46; Doc. n.º 30,
protocolo n.º5 p.76)
______________.
Afirmou que a favor desta interpretação estavam a carta
Africana Meridional Portugueza, de 1886 (da Comissão de Cartografia), a carta
de Rouvier, publicada em 1887 e editada pelo Ministério das Cólonias e da
Marinha de França, a carta inglesa Africa South of the Equator, de 1889, de
EDWARD STANFORD…; que, se nunca o Estado Independente modificou este seu modo
de ver, Portugal, por seu lado, nunca sustentou a tese que defendia agora.
De resto, as declarações feitas em nome do Governo
Português, por ocasião da conclusão das suas convenções de 1886 com a França e
com Alemanha, mostravam – seu entendimento – que Portugal estava bem longe de
considerar a LUNDA
ESPAÇO EFECTIVO DEANGOLA, e nem tão-pouco a reserva para sua zona de
influência.
Na sessão anterior, já o
plenipotenciario português se tinha explicado sobre o motivo por que Portugal
então excluirá a LUNDA.
Mas Cuvelier não se contentou com essa explicação, pois
o Governo Português, a não reivindicar em BERLIM
a LUNDA por não conhecer o resultado
da expedição do major Henrique Augusto
Dias deCarvalho, fazia valer os seus direitos de exercer a sua influência
politica e estender o seu PROTECTORADO sobre os territórios entre
Angola e Moçambique, porque neles, só por assim dizer, tinham penetrado
viajantes e comerciantes portugueses, só Portugal ali exercia influência,
justamente o mesmo título que agora invoca para a LUNDA.
Se Portugal, na convenção com a Alemanha, tinha
excluido a LUNDA para não contraria suas possiveis pretensões a leste do Rio
Cuango, agora, ao reivindicar esse território, mostrava-se convicto de que ela
não pensava em estender-se nessas bandas.
Mas « c´était l’occasion la plus propice pour lui de faire
état de ses prétentions sur le LUNDA, si réellement il ne gardait le silence à
ce sujet que par considération pour les convenances de l’Allemagne»…
Roma du Bocage respondeu a Cuvelier com o argumento
repisado de que a interpretação da convenção de 1885 era inseparável dos outros
tratados que definiram os limites da Associação Internacional do Congo.
///continuação///...
OBSERVAÇÂO:
Veja a Convenção de 14/02/1885, Publicada neste BLOG
dia 29 de Julho de 2010.
Fontes – AMNE – Caixa «Limites
no Congo e na Lunda, maço n.º2, oficio reservado n.º 24 – A, de 24 de Agosto de
1890, de Conde de Macedo para o ministro e secretario dos NE.