quarta-feira, 7 de maio de 2014

A Partilha da Ucrânia – Por Carlos Kandanda



Luanda - Por natureza histórica e por localização geográfica, a Ucrânia tem sido o factor de equilíbrio, de influência e de contenda politica. Ela situa-se entre a Europa, a Rússia e o Médio Oriente, na bacia do Mar Negro, que dá acesso ao Mediterrâneo. O Mediterrâneo é uma região aquática vasta, e transitória, altamente estratégica, que liga a Europa, a Africa e o Médio Oriente. Tendo, paralelamente, o Canal do Suez que liga ao Mar Vermelho que se desagua no Oceano Indico, e a Estrada de Gibraltar que dá acesso ao Oceano Atlântico, que divide a Europa e Africa do Norte por um fio de água.

Fonte: baolinangua.blogspot.com
Postura do Kremlin: Invadir, ocupar e anexar a Crimeia


O escoamento do Comércio Internacional e do Petróleo do Golfo da Pérsia passam por essas vias marítimas, em torno do Cabo de Esperança, que liga o Oceano Indico e o Oceano Atlântico, numa convergência de diversas culturas e civilizações milenares, que fizeram a Historia da Humanidade, num ambiente conflituoso, de disputa de interesses e de partilha de esferas de influência.

A Ucrânia, na sua estrutura étnico-cultural, é composta por 78% de ucranianos, 17% de russos e o restante 5% representa vários grupos étnicos, nomeadamente: Romenos, Bielorrussos, Tártaros, Burgáros, Húngaros, poloneses, Judeus, Arménios e Gregos. O último censo de 2001 revelava que, 67,5% da população da Ucrânia falam a língua ucraniana e 29,6% expressam-se em russo, como primeira língua. Muita gente na Ucrânia domina as duas línguas. Porém, nas cidades da Ucrânia oriental e meridional é dominada pela língua russa. Ao passo que, a Ucrânia ocidental e central são dominadas pela língua ucraniana.

A Ucrânia é o celeiro da Europa, tendo terras bastantes férteis. Em 2011, o país era o terceiro maior exportador de grãos do mundo, com uma colheita muito acima de média. A Ucrânia é uma das 10 regiões mais atraentes para a compra de terras agrícolas no mundo. Acima disso, tem um sector de manufactura bem desenvolvido, sobretudo na área de aeronáutica e de equipamentos industriais.

A Ucrânia viveu etapas difíceis de fragmentação desde o Século XIII; invadida, governada e dividida por uma variedade de povos. Uma República Cossaca surgiu e prosperou durante os Séculos XVII e XVIII, mas a Nação permaneceu dividida até sua consolidação em uma República Soviética no Século XX. A Ucrânia vinha tornar-se um Estado-Nação independente apenas em 1991, com o desmoronamento do Império Soviético, no rescaldo da Guerra Fria.

A História da Ucrânia, no ponto de vista geopolítica, está ligada a Crimeia, uma bacia do Mar Negro, que dá acesso ao Mar Egeano, um estuário que flui ao Mediterrâneo. Este curso de água, na entrada do Istanbul (Turquia) e Aténs (Grécia), permite a Rússia o acesso à região estratégica do Mediterrâneo. A Guerra da Crimeia (1853-1856) ocorreu entre o Império Russo, de um lado, e a França, o Reino Unido, o Império Otomano e o Reino da Sardenha, no outro.

A Rússia e o Império Otomano entraram em Guerra em Outubro de 1853 pelos direitos alegados pelos russos de proteger os Cristãos Ortodoxos sob o domínio otomano. No desenrolar do conflito, em Março de 1854, a França e a Grã-Bretanha decidiram alinhar-se com o Império Otomano contra a Rússia. O objectivo estratégico era de controlar o Mar Negro com vista a impedir o acesso da Rússia à região Mediterrânea, o que vinha terminar na derrota da Rússia. Em Março de 1856 foi assinado o Acordo em Paris, que ditou a desmilitarização do Mar Negro, e proibia a manutenção dos Navios de Guerra da Rússia nesta região. Na altura da celebração dos Acordos de Paris, a questão da religião, evocada pela Rússia, como pretexto da Guerra, já tivera sido ultrapassada.

A importância estratégica da Crimeia, no contexto desta região, vê-se nitidamente pela sua escolha de servir de local da Cimeira de Yalta, em 1945, para definir os termos do fim da II Guerra Mundial, na partilha do mundo em esferas de influência entre o Ocidente (capitalista) e o Oriente (socialista). Na Conferência de Yalta (entre 4 e 11 de Fevereiro de 1945) estivera presente as potencias aliadas, contra Alemanha-Nazi, na pessoa de Franklin D. Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos da América, Winston Churchill, Primeiro-ministro do Reino Unido, e Josef Stalin, Presidente da União Soviética.

Convém destacar o facto de que, a Cimeira de Yalta, não só dividia o mundo em dois Blocos Ideológicos, numa clara Bipolarização do Planeta Terra, mas sim, afirmara uma «nova ordem mundial», dividida entre o sistema capitalista e o sistema socialista. Este sistema político-económico bipolarizado prevaleceu até no fim da guerra-fria, que marcou o desmoronamento do Império Soviético e a queda do Muro de Berlim. Em consequência disso, emergia gradualmente o Multilateralismo assente na economia do mercado, nos valores de boa governação e no estado democrático e de direito, consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada formalmente no dia 10 de Dezembro de 1948, pós-guerra-mundial II. 

O fim da bipolarização do mundo deu lugar ao sistema político trilateral, constituído por Estados Unidos da América e a União Europeia, sob a égide da OTAN; A Aliança Sino-soviética; e os BRICS. Embora os EUA e a UE sejam aliados históricos e ideológicos, mas na configuração actual do mundo, em certa medida, cada uma tem alguns interesses específicos que lhe identifica. A Rússia e a China possui igualmente uma aliança estratégica, mas na sua visão mundial, buscam interesses específicos e divergentes. Os BRICS, que representam a Asia, Africa e América do Sul, servem de contrapeso em relação as potências ocidentais. Alias, estão sob uma influência enorme da China e da Rússia, como Potências Asiáticas, que defrontam as Potencias Ocidentais.

Convém ter em consideração o facto de que, o colapso do Império Soviético desmembrou uma boa parte dos países da Europa do Leste, que faziam parte da URSS, e que incorporaram-se na União Europeia, sob a égide da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Esta alteração geopolítica da Europa do Leste, que servia de «zona-tampão» à Rússia, não só reduzira o seu espaço geográfico, mas sim, estendia, em grande escala, as linhas de defesa da OTAN para mais próximo do território russo. A Ucrânia, neste contexto, é tida como um «estado-tampão», e um bastião onde está estacionada a Frota russa, na Crimeia, com as forças estratégicas, marítimas, aéreos e terrestres, bem assentes no Mar Negro, viradas para a região mediterrânea. 

A incorporação da Ucrânia na União Europeia significaria a presença física da OTAN junto da fronteira russa e a desarticulação das forças russas estacionadas na Crimeia, um ponto estratégico, de relevo, nesta vasta região, que divide a Asia da Europa e que dá acesso ao mediterrâneo, isto é, ao Norte da Africa e ao Sul da Europa. Isso, sem dúvida nenhuma, constitui uma preocupação muito grande para o Kremlin, que procurava as melhores formas de manter a Ucrânia dentro da esfera de sua influência.

No contexto da URSS, a Crimeia tivera sido concedida à Ucrânia no dia 19 de Fevereiro de 1954, por Presidente da União Soviética, Nikita Khruchev, natural da Ucrânia, que era o Secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética. Embora os contextos sejam diferentes, mas da mesma forma que o Khruchev anexara a Crimeia à Ucrânia, sua terra natal, é do mesmo jeito que Viktor Yanukovitch, Primeiro-ministro da Ucrânia, da etnia russa, do leste do país, procurou introduzir a Ucrânia na esfera soviética, gorando o Acordo da integração da Ucrânia na União Europeia.

A verdade é que, a economia da Ucrânia está muito ligada à Rússia, com uma dependência acentuada sobre o gás e o petróleo deste país vizinho e irmão. Internamente, a integração da Ucrânia na Rússia viria realçar o domínio da etnia russa, que representa 17%, contra a etnia maioritária ucraniana, composta por 78%. Talvez isso fosse um dos factores que estejam na origem da actual crise que se desenrola entre a Rússia e a Ucrânia, que resultou na desvinculação da Crimeia e nas acções sistemáticas de destabilização da região oriental e meridional da Ucrânia, com fim de integrá-la na Federação Rússia.

Os factos revelam que, a estratégia do Kremlin, a princípio, não visava apenas desmembrar a Crimeia da Ucrânia, mas sim, de impedir este país integrar-se na União Europeia. A etnia ucraniana, composta por 78% da população, percebeu-se do Plano do Viktor Yanukovitch, Primeiro-ministro, em conluio com Kremlin, de integrar o país na República Federativa da Rússia, que daria uma vantagem a etnia russa da Ucrânia, em exercer o seu domínio sobre a maioria. O derrube do Regime Yanukovitch, em Kiev, precipitou o Kremlin invadir a Crimeia sob o pretexto de proteger a etnia russa da repressão da etnia ucraniana.

A História repete-se, de tal forma que, na guerra da Crimeia de 1853-1856, entre o Império Russo e o Império Otomano (Turquia), a Rússia evocava a protecção dos cristãos ortodoxos. Hoje, neste conflito, o Kremlin evoca a protecção da etnia russa da repressão do Kiev, um facto que não se confirma no terreno. O que passa na verdade, é o uso desmedido de força por parte da Rússia, impondo um referendo na Península da Crimeia com um aparato militar de tropas terrestres, apoiado por tanques, aviões e barcos de guerra. Numa clara demostração de força, que sempre caracterizou o Império Soviético, na sua expansão permanente.

A tomada da Crimeia está inserida na doutrina militar de recuperar os territórios perdidos no fim da guerra-fria, fixar-se na bacia mediterrânea, implantar-se no Médio Oriente e no Norte da Africa, no sentido de envolver a Europa do Sul, e controlar as vias marítimas em torno do Cabo de Esperança, que liga o Oceano Atlântico e o Oceano Indico.

A presença da Rússia no Médio Oriente já é um facto consumado. Ela já opera, em força, a partir do Irão e da Síria, de onde está a influenciar os acontecimentos na região, sobretudo no Líbano, no Egipto e no Iraque. De facto, a situação da Crimeia, de certo modo, está estreitamente ligada à guerra-civil na Síria, onde a estratégia diplomática da Rússia, ditou a salvação do regime do Bashar Hafez Al-assad, em detrimento dos rebeldes pró-ocidentais, traídos por seus aliados, e que se encontram numa situação bastante difícil – a beira da ruptura. De facto, foi um erro de cálculo por parte de Barack Obama de deixar-se cair na armadilha do desarmamento e destruição de armas químicas em troca de não intervenção militar da OTAN a favor dos Rebeldes anti- Al-assad, que se opunham à expansão russa nesta região. Conforme está a correlação de forças na região, neste momento, a Rússia está em plena vantagem, quer no Mar Negro quer no Médio Oriente. Os EUA vão pagar bem caro com a sua ingenuidade politica.

Alias, no fim da Guerra-fria, Os EUA fizeram a mesma coisa com os seus aliados em Africa, sobretudo em Angola, e hoje enfrentam situações difíceis de humilhação e de progressão acelerada da China e da recuperação dos espaços estratégicos perdidos pela Rússia, no fim da guerra-fria.

Voltando ao assunto, a implantação da Rússia no Mediterrâneo alterar-se-á todo o contexto da geopolítica das potências ocidentais em Africa, no Médio Oriente e na Europa do Sul, com implicações sérias à OTAN. Haverá transformações profundas na correlação de forças Israelo-árabe, no contexto do conflito Israel-palestina; com repercussões profundas sobre o Líbano, o Canal de Suez, o Mar Vermelho, o Egipto e o Golfo da Pérsia.

A questão que se coloca é se de facto a Rússia tem a capacidade económica de fazê-lo, face às sanções ocidentais? Com quem apoios e alianças que ela esteja a contar, na execução desta estratégia, de grande envergadura? Será que, o Ocidente está suficientemente coesa e determinada em aplicar efectivamente as sanções punitivas contra a Rússia, face ao volume de negócios com este país e a dependência acentuada da Europa sobre o gás desta, tendo em consideração a crise económico-financeira, que assola a União Europeia? Estará a China disposta, neste momento, arriscar a confrontação com as potências ocidentais, numa altura em que ela está em plena expansão no mercado internacional, como a 2ª economia do mundo, atrás dos EUA?

É difícil encontrar respostas devidas sobre essas interrogações, entrosadas como uma teia de arranha. Contudo, uma coisa é certa. A URSS fracassou durante a guerra-fria devido os factores económicos, que fizeram com que não tivesse recursos suficientes para manter-se na corrida acelerada à guerra-de-estrelas, da tecnologia de ponta, que requeria investimentos avultados.

O período que separa o fim da guerra-fria e a época actual, é bastante curta para uma recuperação adequada das suas estruturas económicas, dum país tao vasto, como a República Federativa da Rússia, debilitada pelo desmoronamento do Império. A Rússia ainda revela debilidades profundas no seu sistema político, na transição complexa da economia centralizada e planificada do socialismo, ao sistema capitalista, da economia do mercado, assente nos valores democráticos. Ela não revela ainda a vitalidade suficiente para concorrer com a China e os EUA no mercado internacional, onde a influencia das economias emergentes é bastante significativa e crescente.

Por outro lado, seria uma ingenuidade política se a Rússia, de facto, contasse com a aliança e o apoio da China, que sempre apresentou-se como seu arco-rival, na Asia. Além das divergências e disputas territoriais ao longo da sua longa fronteira comum, a China adoptou a política de “soft-move-strategy”, que consiste no seguinte: Andar seguramente; de forma prudente e silenciosa; expandindo-se gradualmente no mundo; sem entrar em choque com as potências ocidentais; endividá-las com seus recursos financeiros; comprometê-las economicamente; utilizá-las como veículos da sua penetração e do desenvolvimento sustentável da sua economia; abrindo espaço de cooperação com o Ocidente no sentido de obter delas as novas tecnologias de ponta. Este processo está em marcha e está dar frutos tangíveis, e o Pequim não aceitará interrompê-lo devido os caprichos do Kremlin.

Além disso, a China tem a vocação do poder global e nunca irá submeter-se à liderança da Rússia, nem facilitá-la construir o seu poderio económico e militar, que venha pôr em causa a segurança da sua longa fronteira comum, e travar a ambição da China de se transformar na maior potência do mundo. A própria economia da Rússia, em grosso modo, depende da China, que representa a 2ª economia do mundo, com a tendência forte de suplantar os Estados Unidos da América, nos próximos tempos. Na vida há coisas que acontecem com a percepção dos factos na consciência de muita gente. Mas o desleixo, inerente da pessoa humana, leva a gente a ignorar a realidade. Quando despertar-se do perigo já é tarde de mais para remediar a situação. Acontece que, a II guerra mundial era previsível. A postura do Adolfo Hitler e suas ambições desmedidas eram patentes na mente de muitos dirigentes ocidentais. Nada fizera, na antecipação, para prevenir-se de suas aventuras e mandá-lo parar, antes que o mundo estivesse mergulhado na maior deflagração de sempre, que ditou a II guerra-mundial e que ceifou centenas de milhões de vidas inocentes.

Hoje, estamos perante a situação semelhante, da postura do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, cuja postura e actos, são anómalos. Na época contemporânea, da globalização, não é concebível um Estado, da dimensão da República Federativa da Rússia, embarcar-se numa invasão, ocupação e anexação de um território vizinho, em flagrante violação das normas universais, que regulam o direito internacional, ignorando as deliberações do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O etnocentrismo e o neo-imperialismo, do Vladimir Putin assemelham-se ao arianismo, a raça pura, da filosofia do nazismo. A postura do Vladimir Putin, na Ucrânia, contraria a ordem actual da Comunidade internacional e ameaçam a multirracialidade e o multietnismo, que asseguram a coexistência pacífica entre os povos, a dignidade humana, a igualdade, a estabilidade e a segurança mundial, que é já delicada.

Os países africanos, afectados pela porosidade das suas fronteiras comuns, definidas arbitrariamente pelas potencias coloniais, em Berlim, sem consideração das divisões territoriais dos povos e das nações prevalecentes, do então, não podem caucionar, nem devem alinharem-se com uma situação desta.

Angola, por exemplo, tem a problemática do Enclave de Cabinda (sem fronteira física com Angola); do Reino do Congo (estende-se aos dois Congos e ao Gabão); do Protectorado da Lunda-Chókue (estende-se na RDC e na Zâmbia); e do Reino Cuanhama (engloba uma boa parte da Namíbia). Em termos étnico-linguístico e geopolítica, numa analogia, qual seria a diferença entre estes e a Crimeia, tendo em consideração, no caso especifico de Cabinda, o Tratado de Simulambuco?

Este Tratado, de Simulambuco, foi assinado no dia 1 de Fevereiro de 1885 por duas partes, sendo, de um lado, o Representante do Governo Português, Guilherme Augusto de Brito Capello, então Capitão Tenente de Armada e Comandante da Corveta Rainha de Portugal; por outro lado, os Príncipes, Chefes e Oficiais do Reino de N´Goyo. O Tratado conferira a Cabinda o estatuto de “Protectorado Português”, e não de uma Colonia, como tivera sido o caso dos Reinos a Sul do Rio Congo, que vinham transformar-se numa Província Ultramarina, que se chama hoje, Angola. O Tratado do Simulambuco foi celebrado na mesma altura em que ocorria a Conferência de Berlim, que marcara efectivamente a partilha da Africa em Colónias e Protectorados das Potencias Europeias.

Em função disso, achei estranho, nesta época, a condecoração e atribuição de uma medalha ao Ministro da Defesa Nacional, na cidade alta, pela delegação militar russa, no esforço de reactivar a aliança antiga, da guerra-fria. Um acto que tivera sido interpretado como uma expressão de solidariedade do Governo Angolano da tomada da Crimeia pela Russa e sua incorporação arbitrária na República Federativa da Rússia. De facto, isso representa uma ingenuidade política deliberada, numa região que se encontra mergulhada em conflitos interétnicos e transfronteiriços, nomeadamente: Os Grandes Lagos, a República Centro Africana, o Mali, a Guiné Bissau, a Cote d´Ivoire, o Senegal, o Mozambique, etc.

Nós, os Africanos, precisamos de bom senso e de prudência, quando definirmos as nossas políticas externas, salvaguardando os interesses dos nossos povos e da estabilidade interna do Continente. Caso contrário, a arquitectura da paz, que tanto almejamos, virá desmoronar-se diante dos nossos próprios olhos. Diz na gíria, quem tem telhados de vidro não deve atirar pedras aos dos vizinhos.

Para dizer que, o multilateralismo, assente no equilíbrio político, com organizações regionais e intercontinentais, que servem de contrapesos, evita a bipolarização do mundo em blocos ideológicos, que condicionam a soberania de outros Estados e a liberdade dos seus povos. Além disso, o multilateralismo, que se apoia nas Nações Unidas, como mecanismo central de interacção das relações internacionais, equilibra o poder dos Estados soberanos e amortece a hegemonia das potências mundiais. Para que se reforce os mecanismos das organizações multilaterais, que convergem nas Nações Unidas, como mecanismo central, é preciso as políticas externas dos Estados soberanos manter-se firme e equidistante da órbita das superpotências. Opondo-se ao neo-imperialismo, ao expansionismo, ao militarismo, à lei da selva e à arbitrariedade. Por isso, é preciso multiplicar e equilibrar as esferas de cooperação e das relações internacionais.

A Africa deve pautar pela política externa de equilíbrio e de equidistância, consolidando a estabilidade interna dos seus Estados, cujos povos (na maior parte dos casos) são transfronteiriços, de Nações desmembradas pelos impérios coloniais europeus, na altura da partilha da Africa, na Conferência de Berlim, realizada entre 19 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885.

Portanto, é condenável e inaceitável a postura do Kremlin em invadir, ocupar e anexar a Crimeia, parte integrante da Ucrânia, protegida pelo direito internacional, e reconhecida formalmente por todo Estados Membros das Nações Unidas. É um mal exemplo, praticado por uma potência mundial, da dimensão da República Federativa da Rússia.


Mesmo se a Ucrânia estivesse sido incorporada na União Europeia, a Rússia tinha instrumentos diplomáticos junto da União Europeia e do Conselho de Segurança das Nações Unidas, negociar os termos da presença da sua Frota que se encontra instalada na Crimeia, conforme foi possível em 1856, nos Acordos de Paris. Não justifica este procedimento militarista, que teria mergulhado o mundo na III guerra-mundial, se não tivesse havido uma postura forte de contenção por parte dos Estados Unidos da América e dos seus Aliados da União Europeia.