DE SERPA PINTO A MENONGUE, O EXPLORADOR AFRICANO PORTUGUÊS
"Assim como só o
homem que, sendo pai, pode compreender a dor pungente da perda de um filho,
assim também só o homem que foi explorador pode compreender as atribulações de
um explorador."
Militar e explorador
africano, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto nasceu
em 1846, em Cinfães (Portugal). Aluno do Colégio Militar, alistou-se na arma de
infantaria em 1863, sendo promovido a alferes no ano seguinte. Participou em
acções em Moçambique, no âmbito das campanhas de ocupação da Zambézia, em 1869,
ano em que se vê promovido ao posto de tenente.
Em finais de 1877, já
capitão, integrou com Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens
(autores das obras "De Angola à Contra-Costa" e "De Angola às
Terras de Iacca"), a supracitada expedição científica, autorizada pelo
ministro da Marinha e Ultramar, José de Melo
Gouveia,
e subsidiada com um crédito de 30 contos de réis. Os encargos da missão eram
vários: observações quanto à topografia, sistemas fluviais e clima,
agricultura, zoologia, costumes e raças dos povos indígenas. De tudo isto fez
Serpa Pinto registo, como homem do seu tempo, figurando na obra que nos deixou
vários mapas e desenhos.
Portugal pretendia
confirmar os direitos de soberania sobre as terras onde, há séculos, exercia
efectivo domínio, valorizando-as, assim como aos povos que as habitavam. O
interior de Angola e Moçambique passou a interessar os vários governos que,
para além de desejarem conhecer a fronteira exacta dos nossos domínios, temiam
a ambição estrangeira sobre esta zona.
A verdade é que
Portugal queria para si os territórios compreendidos entre Angola e Moçambique
(o
célebre projecto do Mapa Cor-de-Rosa que os
ingleses acabariam por destruir com o seu ultimato de 1890, crise que ajudou ao
descrédito da monarquia) e olhava apreensivo para um
Livingstone, calcorreador da zona dos Grandes Lagos, descobridor da nascente do
rio Congo, um Stanley, que lhe seguia as peugadas ("Dr. Livingstone, I
presume?"), percorrendo o mesmo rio até à foz e muitos outros estrangeiros
que "mordiscavam" a zona por Portugal pretendida. A consciência portuguesa
despertou, então, para o perigo que rondava as possessões africanas. Graças ao
entusiasmo de alguns bravos, nomeadamente, Luciano Cordeiro,
fundou-se a Sociedade de Geografia de Lisboa, destinada a defender os interesses
de Portugal em África, foi sob os seus auspícios que partiu a expedição dos três
homens.
A
bifurcação da expedição
Os três exploradores
rumaram para Angola munidos de boa aparelhagem científica adquirida em Paris e
Londres e de grandes do ses de quinino. Chegaram a Luanda no dia 6 de Agosto
de 1877, no vapor "Zaire". Os três decidiram começar por fazer o
reconhecimento dos sertões, apesar de, ao longo de toda a viagem, sofrerem
inúmeros problemas com os carregadores. Em Cabinda, avistaram Stanley, explorador
anglo-americano, ao serviço do terrível Leopoldo II da Bélgica, o qual acabara
de descer o Zaire: "Foi comovido que apertei a mão de
Stanley, homem de pequena estatura, que a meus olhos assumia proporções de
vulto colossal"
As viagens portuguesas na África Austral, na 2ª
metade do século XIX
Reconhecendo a
impossibilidade de subir o curso do rio, optaram por Benguela como via de
penetração para o Bié, a primeira grande etapa da viagem. Antes de chegarem ao
Bié, os exploradores com as tarefas divididas - Ivens
encarregado dos trabalhos geográficos, Capelo
de meteorologia e ciências naturais, e Serpa Pinto
do pessoal auxiliar da expedição - passam por Quilingires e Caconda, registando
Serpa Pinto dados curiosos: "Nos Quilengues, o
adultério é coisa de grande estimação para os maridos, sendo que por lei fazem
pagar ao amante multa que se traduz em gado e água-ardente. A mulher que não
tem cometido algum adultério é mal vista do marido, que não aumenta o seu haver
por esse meio."
Em Caconda, fica
decidido que Serpa Pinto partirá para o Huambo, com a finalidade de obter
carregadores. Durante o percurso, recebe uma carta dos companheiros que o deixa
angustiado: "Diziam-me que tinham resolvido seguir sós ( ... ) Só o pouco
ou nenhum conhecimento do sertão africano que então tinham os meus companheiros
podia desculpar um tal proceder. ( ... ) Que seria de mim, logo que se soubesse
que toda a minha força consistia em dez homens? ( ... ) Devia seguir avante?
Tinha o direito de arriscar as vidas dos dez homens que me cercavam e que
dormiam tranquilos junto de mim?"
O intrépido
explorador decidiu avançar e, depois de 20 dias sofridos, Serpa Pinto chegou ao
Bié, onde, na povoação de Belmonte, se instalou na casa de Silva Porto. Aí
reencontra os seus companheiros de viagem: "Eles, confirmando o que me
tinham escrito, disseram-me que iam continuar sós e que me deixariam uma terça
parte de fazendas e material, salvo as coisas indivisíveis que
guardariam."
Coberto de
sanguessugas, Serpa Pinto achou-se muito melhor e, enquanto Ivens e Capelo
seguem para o Norte, explorando a zona do Cuango
e procedendo ao levantamento de toda a região Entre-Os-Rios Zaire e Zambeze,
ele dirige-se para sul, insistindo na travessia de África de modo a alcançar a
costa oriental, essa sim, importante para o reconhecimento da soberania
portuguesa entre as duas possessões. I vens e Capelo, com muita dificuldade,
vão até às nascentes do Cuanza, encontram o rio Lucala e atingem a Fortaleza do
Duque de Bragança. A sua primeira expedição termina na terra de Iacca.
A falta de meios e as
condições adversas impedem-nos de atingir a meta por eles estabelecida (a
segunda expedição de Capelo e Ivens realizou-se em 1884-85 e destinou-se à
tentativa de ligar Moçâmedes a Quelimane). Serpa Pinto lá se
dirigiu para o Zambeze, anotando no seu diário, a par dos registos científicos,
o dia-a-dia de um explorador.
Rumando para o Sul
Mais uma vez, a
doença (paludismo)
e as febres altas acometem Serpa Pinto, esmorecendo-lhe o ânimo. São as cartas
de Silva Porto que o animam: "Estou velho, mas rijo e forte; se o meu
amigo se vir num desses trances, vulgares no sertão, em que a esperança se
perde, faça-me chegar às mãos uma carta sua porque no mais curto espaço
possível eu serei consigo e comigo irão todos os recursos, todos os
socorros".
Restabelecido, Serpa
Pinto lançou-se à aventura, prosseguindo por caminhos difíceis, através do Alto
Cuanza e do Alto Cuango. Chegou ao Zambeze muito doente e,
não podendo continuar pelo curso do grande rio, que o levaria à costa
moçambicana do oceano Índico (a sua meta), rumou pelo Calaári, ladeando o lago
Makarikari, até Pretória. Daí, foi completar a viagem em Durban, onde chegou a
19 de Março de 1879. Uma travessia de quatro mil quilómetros chegava ao fim,
embora também ele tivesse falhado, uma vez que não conseguira estabelecer a
ligação entre Angola e Moçambique. Contudo, a sua odisseia foi acolhida em
Portugal com grande entusiasmo, pois muitos julgavam-no morto.
Transformado em herói
de Portugal, Serpa Pinto é solicitado pelas Sociedades de Geografia europeias a
conferenciar sobre a sua experiência em África. Nomeado cônsul português em
Zanzibar, aí permanece pouco tempo. Em 1889, comandou uma missão científica ao
Alto Chire, a fim de preparar a implantação de uma via-férrea que estabelecesse
a comunicação entre o lago Niassa e o oceano Índico, através do Chire e do
Zambeze. Os ingleses não suportam Serpa Pinto naquelas paragens, acusando-o de
ter atacado as tribos de Macolos (rebeldes apoiados e
armados pela Inglaterra) e, no seu ultimato de 1890, exigem a
retirada do major Serpa Pinto do Chire, assim como a retirada de toda e
quaisquer forças militares portuguesas. Caso contrário, ameaçam, Portugal teria
de se haver com o poderio militar dos "velhos aliados"... Portugal
sofreu um grande choque, aproveitado pelos republicanos para desacreditarem a
monarquia.
Serpa Pinto mereceu
as mais altas condecorações nacionais Portuguesas e foi ainda ajudante de campo
do rei D. Carlos. A sua popularidade começou a declinar, sobretudo entre os
meios republicanos, mas hoje, volvidos 100 anos sobre a sua morte, o grande
explorador oitocentista é lembrado pela tenacidade com que atravessou, ainda
que doente e com poucos carregadores, o inóspito continente africano. Como ele
próprio escreveu: "Vencer as suas paixões indómitas,
vencer os seus hábitos materiais e morais da vida civilizada, são os dois
grandes trabalhos do explorador. Aquele que o conseguiu atingirá o seu fim,
cumprirá a sua missão." E Serpa Pinto cumpriu a sua.
Um portuense em África
António Francisco
Ferreira da Silva acrescentou ao seu nome o apelido
Porto, aos 18 anos, por ter sido a cidade onde nasceu. Silva Porto terminou os
seus dias no Bié, justamente no ano do ultimato inglês. Este "velho
sertanejo", como lhe chamava Serpa Pinto, foi o
fundador da povoação de Belmonte, em 1847 (depois chamada
Silva Porto e actual Cuito, capital da província angolana do Bíé).
Percorreu os mais "longínquos sertões africanos, tendo de sustentar
cruento combate com um gentio ávido de rapina", a ele se ficou a dever um
melhor conhecimento do Bié. Também Silva Porto tentou uma travessia para
alcançar a costa oriental africana, acompanhando mercadores árabes.
Durante a viagem,
encontrou o Dr. Livingstone, com o qual
trocou informações. O portuense acabou por desistir da travessia quando se
encontrava no Alto Zambeze. No entanto, pombeiros seus (chefes dos
carregadores) atingiriam Moçambique.
Regressou a Portugal
mas a saudade fê-lo voltar a África, constatando que um grande incêndio lhe
tinha destruído todos os seus haveres. Sozinho, sem os apoios da Sociedade de
Geografia ou do rei D. Luís, aos quais pedira ajuda, reconstruiu as instalações
de Belmonte. Já capitão-mor do Bié, uma revolta de indígenas contra os colonos
portugueses levou-o ao desespero. Não conseguindo demover os chefes da
rebelião, envolveu-se na bandeira nacional portuguesa, sentou-se em cima de um
barril de pólvora e fê-lo explodir. Um estranho suicídio de um sertanejo
determinado, explorador destemido e autor de vários relatos, nomeadamente
"Apontamentos
de um Portuense em África".
Foi nomeado
cônsul-geral para o Zanzibar em 1885 e governador-geral de Cabo Verde em
1894. Tanto o Rei D.Luis I, como o seu filho Carlos I de Portugal, nomearam-no
seu Ajudante de Campo e o segundo concedeu-lhe, em duas vidas, o título de
Visconde de Serpa Pinto [1899].
A vila de Menongue da
Lunda do sul ou KUNGANGUELA
no sudeste de Angola, foi chamada Serpa Pinto até 1975 em alusão a este
explorador. E assim se escreve a história sobre o conhecimento das terras da
Nação Lunda Tchokwe.