quarta-feira, 1 de junho de 2011
UM ROSTO: DOIS MANDATOS - por Carlos Tiago Kandanda
Vem ai as Eleições Gerais, previstas para o ano de 2012, que serão realizadas à luz da nova CONSTIUIÇAO, promulgada a 5 de Fevereiro de 2010. Pela quarta vez, desde independência, os Angolanos serão chamados às urnas a fim de eleger os Mandatários do Poder Legislativo e do Poder Executivo.
Em 1975, as primeiras eleições, à luz dos Acordos de Alvor, teriam sido realizadas antecipadamente a fim de proporcionar o Presidente da República e o Parlamento que teriam a incumbência no dia 11 de Novembro de 1975 proclamar solenemente a Independência de Angola da Potência Colonial Portuguesa. Infelizmente, isso não ocorreu devido a eclosão das confrontações militares entre os três Movimentos de Libertação (FNLA, MPLA e UNITA) Nacional. Não obstante os grandes esforços desenvolvidos de alcançar o rapprochement entre os três Beligerantes.
Em 1992 as Eleições Presidenciais não foram conclusivas; faltava a realização da segunda volta de modo a apurar o vencedor ao Cargo do Presidente da República. Duas Personalidades (Dr. Jonas Malheiro Savimbi e Eng. José Eduardo dos Santos) ficaram apuradas na primeira volta para este efeito. Infelizmente, este passo conclusivo, do processo eleitoral, não foi materializado. O País ficou outra vez sem o Presidente eleito formalmente.
Em 2008 realizou-se as Eleições Legislativas, com a perspectiva de efectuar as Eleições Presidenciais logo a seguir em 2009. Isso não veio acontecer; verificou-se manobras políticas que adiaram sine die a realização das Eleições Presidenciais, de capital importância, para a normalização do Poder instituído. O Pais voltara de novo ao status quo, da ilegalidade jurídica, sujeito ao Poder arbitrário, antidemocrático e autoritário.
Pelos vistos, as Eleições Gerais serão realizadas no próximo ano, em 2012. Só que desta vez os eleitores terão o dilema de decidir, com exactidão, com o mesmo sentido do Voto, eleger dois Órgãos de Soberania de Estado, isto é, o Parlamento e o Presidente da República. O mesmo Rosto, o Cabeça de lista, servirá para o Cargo de Deputado e do Cargo do Chefe de Estado. É o sistema atípico, um puzzle, uma quebra cabeça, que aglutina duas Decisões essenciais num único sentido de Voto.
Trata-se de um processo altamente simulado, de grandes manobras politicas, destinado a confundir o eleitorado. O eleitor terá uma mente indecisa na Cabina da Urna para decidir se estará a votar no Deputado ou no Presidente da República. Por conseguinte, as competências de cada Cargo são distintas, com um grau de responsabilidade bastante altíssimo. Com a agravante da natureza dos Círculos eleitorais cujos Assentos são eleitos cumulativamente. Cada Circulo eleitoral provincial tem Cinco Assentos, eleito colectivamente. Isso torna-se difícil ao votante seleccionar (dos 5 mandatos) os Candidatos da sua preferência deste Circulo eleitoral. Pois, os vários Candidatos não podem reunir as mesmas qualidades que cada eleitor deseja eleger.
Nessas circunstâncias, o votante é obrigado, contra sua vontade, expressar um voto abstracto, de carácter alienatório, concedido aos Cinco Candidatos dum Partido, que compõem a lista daquele Distrito eleitoral. Se o sistema fosse uninominal, cada eleitor teria a margem de escolher de cada lista partidário um candidato da sua preferência. Noutras palavras, se cada província fosse dividida em Cinco Círculos Eleitorais, facilitaria aos eleitores escolher, na base individual, os Cinco Candidatos de sua preferência para representar a Província.
No nosso sistema eleitoral, os eleitores não votam, como tal, num Candidato na base do mérito individual. Votam, sim, no Partido, como um conjunto, que encarna a responsabilidade política sobre os Mandatários. Não existe uma responsabilização individual de cada Mandatário ao Parlamento. Ele não responde nem perante o Partido que o nomeou, muito menos diante dos eleitores. A partir da altura que é inserido numa lista eleitoral e eleito abstractamente, o Partido perde a Autoridade jurídica sobre o Mandato.
O Deputado, abstractamente eleito, se torna o detentor legítimo do Mandato. Só nas circunstâncias de renúncia da militância do Partido é que poderá perder o Mandato a favor do Partido. Portanto, a responsabilização dos Deputados, neste sistema eleitoral, é muito limitado e frágil. O paradoxo deste sistema de lista reside no facto de que, apesar do Partido ser a unidade fundamental da distribuição das Cadeiras no Parlamento, ele não é o detentor legitimo, de pleno direito, dos Mandatos.
A questão que se coloca, na situação actual do nosso País resume-se no seguinte:
a) Será que o sistema eleitoral mais apropriado é que permite a representação das opiniões da sociedade expressas (de forma abstracta) pelos Partidos Políticos?
b) Ou, o propósito fundamental do sistema eleitoral devia ser de assegurar a representação das opiniões individuais, com uma responsabilização directa do Mandatário, tanto pelo Partido quanto pelos eleitores que o elegeram? Não seria, neste caso, mais representativo e proporcional se os eleitores tivessem a mais ampla possibilidade de escolha não só dos Partidos, mas, de seus representantes individuais?
O sistema de representação proporcional tem duas variantes, sendo: 1) O voto único transferível e o sistema de lista. O voto único transferível tem como propósito garantir que as opiniões relevantes da sociedade (abrigadas ou não nos Partidos) estejam no Parlamento. 2) O sistema de lista procura distribuir as Cadeiras do Parlamento utilizando os Partidos como unidade fundamental.
No primeiro caso é calculado uma quota de Votos que cada Candidato deve atingir para obter o Assento no Parlamento. No segundo caso, é calculado uma quota (o quociente eleitoral) que cada Partido deve atingir. No primeiro caso há margem de manobras aos Partidos (grandes ou pequenos) Políticos conseguirem Mandatos em vários Círculos do País. Ao passo que, no segundo caso o quociente eleitoral é bastante elevado que prejudica imensamente os Partidos médios e pequenos cujos votos (sobras) são extraviados em beneficio dos Partidos grandes. No nosso caso específico, o Pais tem apenas Dezanove (19) círculos eleitorais, sendo:
Noventa (90) Mandatos estão distribuídos pelas 18 Províncias, cada uma com Cinco Mandatos. Os restantes dos 130 Mandatos estão concentrados no Circulo Nacional. Os Cinco Mandatos de cada Província são eleitos cumulativamente. Se um Partido não alcançar o quociente definido, mesmo se tivesse a possibilidade de obter um Assento, perde tudo. Os seus votos (sobras) são entregues ao Partido mais votado. O quociente eleitoral para o Circulo Nacional, que compõe 130 Assentos, é muitíssimo alto. Isso, de partida, elimina os Partidos menos votados, perdendo uma boa parte dos seus votos expressos em diversas Assembleias de Voto.
Um Circulo eleitoral populoso, de cerca de 3.8milhoes de habitantes, como Luanda, o seu quociente eleitoral é mais elevado que das Províncias com uma densidade populacional baixa como o caso das Províncias do Moxico, da Lunda Sul, da Lunda Norte, do Cunene, de Namibe, etc. Na base do nosso sistema eleitoral, os Partidos pequenos são mais vulneráveis em Luanda onde correm o risco de ser eliminados no escrutínio preliminar.
Feitas as contas, de cada Círculo Provincial, são números votos que são roubados neste processo. Os Votos dos Círculos Provinciais têm o reflexo enorme sobre o escrutínio do Circulo Nacional que possui uma fatia de 130 Assentos. Pois, os Partidos pequenos encontram maiores obstáculos em recuperar os seus votos espalhados pelos círculos eleitorais. Na maior das hipóteses estar já afastados pelo escrutínio dos Círculos Provinciais.
Este sistema eleitoral tem uma carga pesada dos efeitos mecânicos e psicológicos sobre os eleitores e os Partidos Políticos da Oposição que estão privados de acesso adequado e do controle efectivo dos mecanismos da Gestão dos Processos Eleitorais. Noutras palavras, o efeito mecânico consiste na tendência de os sistemas eleitorais (como o nosso) darem um bónus aos Partidos mais votados e sub-representarem os Partidos menos votados. Enquanto, o efeito psicológico (pela injustiça do sistema eleitoral) afecta o comportamento dos Eleitores e dos Dirigentes partidários diante os processos eleitorais. Nesta matéria, há uma tendência crescente, em África, da descredibilização dos Processos Eleitorais, que tem sido origem de instabilidades políticas e de convulsões sociais pós eleitoral.
Considerando a acumulação de todos Poderes de Estado na Pessoa do Presidente da República, que é cumulativamente Chefe de Estado, titular do Poder Executivo e Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas; a eleição deste Cargo, tão poderoso, devia ser feita de forma explícita, directa, transparente, honesta e distinta. Não ficaria implícita no mesmo voto da eleição dos Mandatários ao Parlamento. A CONSTITUIÇAO vigente confere poderes absolutos a este Órgão de Soberania do Estado, sem qualquer comparação com outros sistemas presidencialistas dos Países democráticos.
O nosso sistema político não tem contrapoderes eficazes que pudessem equilibrar os demasiados poderes do Chefe de Estado. O sistema Americano, por exemplo, tem o Senado e o Congresso, duas Câmaras poderosas com os quais a Casa Branca dialoga permanentemente em busca do Consenso. As Câmaras em referência estão munidas de Poderes suficientes capazes de travar a Casa Branca no caso de exceder as suas competências ou de tentar introduzir uma Política que ponha em causa os interesses vitais da Nação Americana. Ao passo que, em Angola, o Presidente da Assembleia Nacional é designado pelo Chefe de Estado. O Parlamento sujeita-se ao Executivo. Na hierarquia do Poder situa-se no terceiro grau. Não possui o poder de Veto efectivo em relação ao Chefe do Estado.
Neste sistema eleitoral (nosso) dá-nos entender que, o Conceito da representatividade, da proporcionalidade, da responsabilização e da fiscalização não está reflectido, nem tão pouco expressa a vontade legítima do Povo que é o fundamento da Autoridade dos Poderes Públicos, consagrados na Lei. O dilema da nossa CONSTITUIÇAO consiste precisamente no Artigo 109º que priva o Povo de decidir livre e conscientemente na eleição directa e honesta do Presidente da República. Uma batotice de má-fé que visa esquivar-se do Crivo directo do Eleitorado. Estando, assim, omisso de qualquer responsabilização e fiscalização perante o Povo no exercício do seu Consulado.
A excessiva carga de concentração dos Poderes numa Entidade Executiva eclipsa e desactiva, de modo decisivo, os Direitos e Liberdades fundamentais contidos nesta CONSTITUIÇAO, cuja eficácia estará à mercê do Presidente da República – todo-poderoso.
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