segunda-feira, 27 de junho de 2011

O DELÍRIO DE AUTO-ESTIMA


O DELÍRIO DE AUTO-ESTIMA
Carlos Tiago Kandanda

A virtude dos louros reside no facto de que, não se procura. Nem deve ser auto-proclamada. É sim, atribuída. É um mérito reservado; um beneplácito. Noutras palavras, é um Acto do Bem e de Glória. Os feitos dos Homens têm o peso histórico quando são reconhecidos pelos outros através de uma vontade explícita e honesta de tomar uma iniciativa de conferi-los ao Actor sem a sua influência directa ou indirecta. Este procedimento faz parte integral da ética e dos princípios morais que reflecte, de forma profunda, a sensibilidade e o bom senso.

Qualquer manifestação de auto-estima é uma falsa modéstia que tem como propósito provocar apreciações lisonjeiras de outrem. O Povo Bantu é de natureza reservada, humilde, comedido, decente e digno. Reconhece e respeita a sensibilidade e a honra de outrem. Quando fizemos recurso à auto-estima é porque a Obra em causa não cintila o brilho adequado no coração das trevas da noite. É uma partícula que se perde facilmente no deserto. O seu esplendor não pendura no tempo.

A Iniciativa de induzir os outros Estados da Região da SADC para Comemorar o Dia da Batalha do Kuito-Kuanavale, 23 de Março, me parece não ter sido tão oportuna. Por mais significativo que fosse, não teria sido na vigência do Consulado do Presidente José Eduardo dos Santos, um dos protagonistas do conflito armado, que tivesse vindo a terreiro com este Projecto. Teria sido numa outra época, de outro Ministério, que tomasse o protagonismo deste Acto. Na condição normal, esta iniciativa teria sido dos outros Países afectados, como o caso da Namíbia e da África do Sul que ficaram no centro dos acontecimentos. O que acontece neste caso concreto é uma manifestação de auto-estima pessoal. Um delírio das grandezas, que tem sido um carácter marcante do comportamento comum do Regime Angolano em todos domínios da sua Governação.

Por outro lado, é uma pretensão injusta reduzir o colapso do Apartheid, na África do Sul, numa ínfima Batalha do Kuito-Kuanavale, cujo alcance fica relegado à apreciação imparcial, objectiva e realista das gerações vindouras.

A Revolução Sul Africana é a mais complexa da Era contemporânea, tendo em consideração a natureza e a dimensão deste fenómeno. A Luta Sul-africana atraiu atenção de todo Mundo que se engajou nela de forma extraordinária. Ela foi uma Revolução conduzida por Lideres abnegados, íntegros e humildes. Quadros de grande sentido humano, sensatos e providos de rica sabedoria. Estamos perante um Homem imponente cuja estatura política prestou a dignidade humana à uma Sociedade Multirracial do seu País que se encontrava a beira da desintegração absoluta.

Refiro-me precisamente ao Madiba, Nelson Mandela, um Líder que granjeou respeito e admiração do seu Povo e do Mundo inteiro. Um homem generoso sem ódio, sem egoísmo, sem revanchismo e sem arrogância. Uma personalidade de trato fácil; amigo de crianças e educador da humanidade. Um dirigente que sabe congregar e amar intimamente sem excepção, incluindo os seus inimigos, adversários e detractores. Um grande unificador não apenas da Nação Sul-africana, mas sim, de todas raças do nosso planeta terra. Um estadista que apareceu como Messias, anunciando a Boa Nova da dignidade humana contra o desdém e o desprezo em que a Raça Negra ficou submetida há muitos Séculos da dominação e da exploração do homem pelo homem.

Nelson Mandela emergiu da Cadeia como Salvador e foi capaz de incutir a Fé e a Confiança em todos Sul-africanos para a edificação de uma Sociedade justa, pacifica, reconciliada e harmoniosa, em que cada comunidade do País sentiria em sua Casa sem qualquer discriminação. A Palavra de Compaixão, de Fraternidade e de Liberdade é que desceu sobre a Alma e o Espírito dos Sul-africanos e que permitiu a derrota definitiva do sistema de Apartheid. Foi a conjugação de forças de todas Nações do Mundo que nos trouxe a felicidade e amor entre as diversas comunidades daquele País martirizado.

Por isso, sejamos modestos com as nossas ambições desmedidas que sempre nos leva ao ridículo, de traduzir uma Obra desta tamanha à infimidade de uma Batalha do Kuito-Kuanavale. Quem julga assim, sofre da miopia política que ofende a consciência do pan-africanismo que registou o Papel fundamental que os Nacionalistas Sul-africanos desempenharam, com toda bravura e dedicação, no combate contra o Colonialismo Europeu em África. Nós, Africanos, devemos comungar com os nossos irmãos Sul-africanos que têm sido felizes em demonstrar ao Mundo a Qualidade e a Competência de Governação. Abracemos, com humildade, aquilo que é Bom e tirarmos Lições apropriadas para potenciar a nossa curiosidade de modo a sermos um dos melhores do amanha. Pois, isso é um direito inalienável que cabe à cada Nação do Mundo.

Dizia Franz Joseph Strauss, politico Alemão: O Adolfo Hitler foi insensato. Pela potencialidade da Alemanha de altura, em todos domínios, não era necessário fazer a Guerra. Com o tempo, Alemanha ficaria no topo das Nações do Mundo.

Na verdade, por virtudes intrínsecas da Cultura Alemã, apesar da derrota decisiva da II Guerra Mundial, Alemanha foi capaz de ressurgir, em pouco tempo, na Comunidade Internacional como uma Potência económica bastante significativa. Tendo conquistado a Reunificação do País. Ali estará encoberto o nó da ascensão e da queda de uma Nação na sua longa Caminhada de afirmação, em busca do bem-estar social e do desenvolvimento tecnológico, cientifico, económico e cultural.

Deixo uma interrogação no ar: Será que a Batalha do Kuito-Kuanavale foi mesmo desta dimensão que tanto propagámos ao Mundo? Será que foi mesmo uma Vitória decisiva das FAPLA? Ou, afinal foi um retrocesso táctico que não foi capaz de consumar a grande Estratégia traçada no contexto da Guerra-fria? Como é possível ao um Exército vitorioso, que vence a Batalha do Kuito-Kuanavale, é logo derrotado decisivamente na Batalha do Ultimo Assalto, em Mavinga? Nesta altura, o combate ficou unicamente fechado entre as FAPLA e as FALA, sem a intervenção das forças estrangeiras. Afinal, quem venceu a Batalha de Mavinga que visava a tomada da Jamba para se colocar fisicamente na fronteira da Namíbia? Este fenómeno paradoxal não nos transmite alguma realidade oculta que precisa de desvendar?

Se a Batalha de Mavinga, Ultimo Assalto, tivesse sido vencida pelas FAPLA, o cenário teria sido o outro. Os Acordos do Triplo Zero não teriam tido os Pés para andar. Nem haveria os Acordos do Bicesse; muito menos o Protocolo de Lusaka. Pois, a Estratégia global era da tomada da Namíbia que daria acesso à fronteira da África do Sul, a meta estratégica do Bloco Soviético, para o controlo efectivo da Rota marítima do Cabo de Esperança. Se isso tivesse sido materializado, punha em causa o desfecho da Guerra-fria que resultaria na consolidação do Sistema Comunista, do Partido Único, no Continente Africano. A Democracia seria um mero Sonho, bem distante da afirmação prática. Graças à Resistência efectiva da UNITA tornara viável travar a Expansão Soviética em África. Contudo, houve Má Fé e à Traição política por parte das Potências Ocidentais que, no desmoronamento do Império Soviético, assumiram a Estratégia de sacrificar os seus próprios Aliados da Guerra-fria em prol dos seus Interesses Estratégicos de isolar a antiga União Soviética dos seus Aliados do Continente Africano.

Esta postura negativa resultou, através do Conselho de Segurança das Nações Unidas, na aplicação das Sanções injustas, desumanas e indiscriminadas contra a UNITA, que culminaram na decapitação da Direcção do Galo Negro. Este foi o factor decisivo que enfraqueceu a UNITA na última fase da Guerra Civil que terminou em 2002.

Nenhum Exército, por mais potente que seja, é capaz de travar a Guerra com êxito sem a Logística adequada. Neste contexto, através das Sanções punitivas, as Nações Unidas sitiaram e privaram a UNITA de quaisquer acessos ao sistema de Logística para municiar as suas tropas. Foi nesta base que podemos considerar, com propriedade, de que a Guerra Civil Angolana foi efectivamente vencida pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esta Organização multilateral interveio massivamente ao lado do MPLA com seu pessoal e suas estruturas multinacionais na aplicação das Sanções compreensivas. Causando um enorme desequilíbrio político-militar que se faz sentir ainda hoje na correlação de forças, incapaz de sustentar a construção da democracia real em Angola.

Se fossemos honestos, patriotas e realistas, a nossa atenção actual estaria virada para libertar as mentes dos Angolanos dos fantasmas e dos traumas da Guerra. Curar as feridas, sarar as cicatrizes, limpar as lágrimas e unir os irmãos desavindos. Angola, de facto, é um Barril de pólvora, um Vulcão adormecido que pode entrar em actividade a qualquer altura. Logo, não acho que era sensato insistirmos na intoxicação das mentes do Povo Angolano. Exacerbando a divisão e o ódio entre os cidadãos desavindos no passado através da fundação das Associações Sociopolíticas de Batalhas: A, B, C, etc. Gastando avultados somas de dinheiro na construção de Monumentos de uma Guerra intestina de desgaste e estúpida; enquanto o Povo morre da fome e da pobreza extrema.

Este Cântico de Guerra leva consigo uma dose excessiva de exclusão e de discriminação política, social, cultural e económica. O Regime Angolano está fortemente empenhado na construção do sistema político de segregação política, económica, social e cultural, semelhante à situação que prevalece entre os Povos da Palestina e do Israel. Parece que, o Soberano Angolano subestima a profundidade da sua Política segregacionista cujas ervas daninhas estão sendo espalhadas por toda parte. Como diz no adágio popular: Erva ruim não a cresta a geada.

Tenho a impressão forte de que, os factos do Conflito Angolano que estão sendo escamoteados constantemente na opinião pública nacional e internacional, a qual seguiu de perto os acontecimentos do nosso passado recente, devem estar na origem da postura megalómana do Sistema. Não tendo êxito na Governação do País que se mergulhou na corrupção galopante, causando a pobreza extrema, a fome e a miséria, tenta buscar os louros no passado da Guerra fratricida. Afastando constantemente todos os factores necessários para a edificação da Identidade Nacional que constitui um factor decisivo da Unidade Nacional. Tendo como propósito estratégico distrair a atenção do Povo dos problemas real que assola a Sociedade.

Só que, a Consciência do Povo Angolano cresceu de forma fantástica capaz de discernir e desbravar o Caminho acertado ao futuro risonho e próspero para toda gente. Cedo ou tarde a Revolução democrática será uma realidade no País e o seu efeito sentir-se-á na sua plenitude. Será nesta altura que a Historia do Nacionalismo Angolano será consagrada plenamente sem quaisquer distorções e manipulações políticas dos factos reais.

Conecta: http://baolinangua.blogspot.com