domingo, 12 de junho de 2011

O Regresso ao Passado de José Eduardo dos Santos (III) - Luís do Nascimento

1. No primeiro texto da rubrica, “O Regresso ao Passado de JES”, caracterizei como a mais grave irresponsabilidade cometida por JES, no seu discurso de 15 de Abril ultimo, a ordem dada aos seus zelosos subordinados e apoiantes de “desmascarar os oportunistas, os intriguistas e os demagogos”, ordem que a ser interpretada em sentido lato, como foi aquele slogan pós 27 de Maio de 1997 “Não haverá perdão para os traidores”, pode, uma vez mais, enlutar dramaticamente o pais.


2. Ilustrei igualmente que já no passado com o “Malhar no ferro enquanto está quente”, o Jornal de Angola, no seu Editorial do dia 16 de Abril, com o título “Denunciar a desordem”, posicionou-se na linha da frente da resposta ao apelo de JES precisando que os oportunistas, intriguistas e demagogos teriam a resposta adequada, mas não dos poderes públicos (órgãos que asseguram a Ordem Pública e a protecção e o asseguramento policial do País, no estrito respeito pela Constituição e pelas leis, bem como pelas convenções internacionais de quem Angola seja parte) mas sim directamente “dos angolanos que lutam corajosamente pela reconstrução da pátria”, talvez, instituídos em “tribunal popular revolucionário”, um poder paralelo, oficioso e clandestino, cujos membros não disponham de símbolos do Estado de Angola, para que JES e seus apaniguados possam lavar as mãos como Pilatos às atrocidades que esta “nova força” (?) anti-confusão possa vir a desencadear pelo trabalho sujo que está incumbido de realizar.



3. Ora, a notícia veiculada, designadamente pelo Jornal de Angola, na sua edição de 3 de Junho, sob o título DO “MATA FRAKUXZ”, Jovens reclamam pagamento de dívida, segundo a qual um grupo de jovens se insurgiu contra o rapper angolano Luaty Beirão, também conhecido por “Brigadeiro Mata Frakuxz”, em frente à residência dos seus pais, na Vila Alice, por alegadamente este não os ter pago kz. 500. 000, 00 (Quinhentos mil kuanzas) por participarem na Manifestação de 25 de Março (!) parece assentar que nem uma luva, nesta especial forma de “resposta adequada” a ser aplicada aos “intriguistas e oportunistas”, defendida pelo Jornal de Angola, constituindo o rapper a primeira vítima desta estratégia macabra. De resto, não parece ter sido, pelo ocorrido, mero acaso, o facto do cidadão Luaty Beirão ter sido classificado pelo ainda Jornal de Angola “como um dos mentores da Manifestação” (de 2 de Abril último), na sua edição de 3 de Abril de 2011, pois, esses ataques presumem-se ser selectivos e visar os activistas e políticos mais empenhados.



4. Mas o caricato desta forma de “resposta adequada” encontrada, é o facto dos zelosos subordinados e apoiantes dela, procurarem realizar os seus intentos através do mesmo meio, que o utilizado pelos novos “inimigos do regime” para exercício dos seus direitos cívicos e políticos, a Manifestação. Manifestação essa, sim, que pode realizar-se “sem necessidade de qualquer autorização”, enquanto aquelas outra manifestações são amiúde proibidas sem que a autoridade competente se digne fundamentar a sua decisão, os seus promotores humilhados com detenções arbitrárias, sem mandato de prisão, as entradas em suas casas são feitas, sem o seu consentimento, através do arrombamento e escalamento, submetidos a revistas e buscas genéricas ilegais, ao furto dos objectos apreendidos, violências desnecessárias, etc.
Perante a radicalização do regime é imperioso que as forças progressistas e progressivas definam o seu espaço como sendo estritamente o espaço do “Estado Democrático de Direito”, nos termos da sua definição constitucional que estabelece uma ordem que é emanação do Contrato Social, e não do livre arbítrio do Príncipe. Por outro lado é preciso trazer o poder para este espaço, sem concessões de princípio, mas com profundo sentido de reconciliação. Não podemos ter complexos que nos empurrem para uma oposição de terra queimada. Os pacifistas, as Organizações da Sociedade Civil, os Partidos Políticos da Oposição e os cidadãos em geral, perante a radicalização do regime precisam e devem pensar numa forma de se autodefenderem, accionando um sistema de emergência cada vez que isso aconteça.



5. A radicalização do regime a que nos referimos acima, no domínio do exercício do direito de reunião e de manifestação tem-se saldado amiúde no impedimento abusivo do exercício desses direitos por parte das principais autoridades competentes na matéria, os Governos Provinciais e os Comandos Provinciais da Polícia Nacional, mas abrange igualmente os órgãos de comunicação social do sector público e começa a contar com a condescendência de certos opinion makers, como o Deputado João Melo.


Ao ler “Manifs” à Angolana do ilustre Deputado João Melo, no Novo Jornal, na sua rubrica “Palavras à solta”, fiquei com a sensação que para o ilustre Deputado, o direito de reunião e de manifestação parece ter sido consagrado apenas de “forma inovadora” com a aprovação da Constituição Angolana de 2010, o que não corresponde minimamente a verdade. Há 20 anos que, a Lei n.º 16/91, de 11 de Maio – Lei Sobre o Direito de Reunião e Manifestação —, no seu artigo 3.º, estipula que “Todos os cidadãos têm o direito de se reunirem e manifestarem (…) independentemente de qualquer autorização…” E tenho essa sensação pelo facto de João Melo, 20 anos depois da consagração do direito de reunião e manifestação no ordenamento jurídico angolano, considerar como natural que as autoridades tenham revelado no início (após a aprovação da Constituição 2010), uma certa dificuldade em entender que no nosso ordenamento jurídico-constitucional a realização de uma manifestação não depende de qualquer autorização administrativa propriamente dita. Por outro lado, o Deputado João Melo parece ater-se sobretudo à letra da Lei. Assim diz, com razão, que a Constituição exige que “as reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente”. Por seu turno, o art. 6.º da Lei n.º 16/91 prescreve que “a informação escrita (comunicação) presente à autoridade competente deverá ser assinada por 5 (cinco) dos promotores, devidamente identificados pelo nome, profissão e morada ou, tratando-se de pessoas colectivas pelos respectivos órgãos de direcção”.



O Deputado João Melo diz que discordar desses preceitos nada tem de democrático: é apenas sugerir a confusão. Esta é opinião do Deputado, que respeito, mas não partilho. Em meu entender, nas questões legais, salvo se tratar de uma questão submetida a apreciação e discussão para aprovação ou submetida a referendo, concordar ou discordar com uma Lei ou norma legal, é irrelevante. Quanto à Lei é frequente o uso da máxima latina dura lex sed lex, a lei é dura mas tem que ser acatada. Ora, o que é relevante no caso que nos interessa, liberdade de reunião e de manifestação, é se determinado comportamento (acção ou omissão) constitui ou não crime previsto e punido na Constituição e na Lei n.º 16/91.



6. No parecer LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DIREITO À LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO - Positivação constitucional em Angola, de 9 de Junho de 1996, inserto na REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADO, ANGOLA, Ano I, Número 1, 1998, o então docente da Faculdade de Direito e investigador da temática da positivação constitucional dos direitos, liberdades e garantias, o Prof. Dr. Rui Ferreira, actual Venerando Juíz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, defende que “A omissão (propositada ou despropositada) ao cumprimento do dever de comunicação da realização de manifestação não é de per se criminalizada e punida pela letra dessa lei (…) Essa omissão (ela em si) não foi criminalizada sobretudo por três ordens de factores:


— Em primeiro lugar porque, em abstracto, dessa omissão não pareceu resultar a afectação teorética de outros direitos ou bens constitucionais de igual ou mais valia;


— Em segundo lugar, porque tal comunicação não é elemento constitutivo do direito constitucional à liberdade de manifestação;


— Em terceiro lugar, porque o exercício desse direito não depende, não está vinculado, a prévia autorização de autoridades estaduais.


Admitir tanto a exigência de prévia autorização como a criminalização da falta de comunicação seria contrasenso dogmático e jurídico face às opções de fundo do nosso legislador constituinte em matéria de alcance, regime e garantias dos direitos fundamentais e liberdades individuais plasmados na Lei Constitucional.



Assim e por força do princípio mullum crimen sine lege não é ter-se como crime a falta ao cumprimento do dever de comunicação da realização de uma manifestação.



Essa falha constitui de facto uma omissão que viola a lei. Porém, para o nosso legislador não decorrem daí consequências penais. A não ser assim não teriam cobertura legal algumas típicas de exercício do direito de manifestação, nomeadamente as manifestações públicas espontâneas e relâmpagos tão usuais entre nós.



A única sanção penal que é possível fazer decorrer das manifestações que não tenham sido previamente comunicadas resulta do art.º 14.º, n.º 5: os seus organizadores e participantes respondem pelos «abusos» que sejam cometidos durante ou por causa da manifestação, desde que tais abusos configurem autonomamente elementos constitutivos de tipos legais de crime ou, nos termos gerais, façam incorrer em responsabilidade civil.



Porém, a punição civil e criminal destes ditos «abusos» não é específica das manifestações sem prévia comunicação. Ela é extensível aos abusos cometidos em toda a sorte de reuniões e manifestações (cfr art.º 14.º, n.º 5).





7. Os Pareceres valem o que valem. De resto, já me aconteceu que, baseando-me num Parecer da 1.ª Comissão da Assembleia Nacional relativamente aos direitos de deputação de Deputado eleito por coligação, ter o então Presidente da Assembleia esclarecido que se havia um Parecer favorável ao Partido que eu representava ele pediria um outro Parecer desfavorável. Sinceramente acho que não será esta a posição do Deputado João Melo. Relativamente a actual Constituição, o facto da mesma consagrar expressis verbis que “as reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos da lei e para os efeitos estabelecidos por lei”, desacompanhado de qualquer alteração à Lei Sobre o Direito de Reunião e Manifestação, que desconheço, torna o Parecer do Prof. Dr. Rui Ferreira actualíssimo. Por isso, ou há já criminalização da falta ao cumprimento de dever de comunicação da realização de uma manifestação e consideramos, portanto, nada inovadora a forma como a Constituição Angolana regula o direito dos cidadãos à manifestação (A Constituição da República Portuguesa de 1976 prescreve que “os cidadãos têm o direito de se reunir (…) mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização”) ou o ilustre Deputado terá de ser mais complacente, não para com as autoridades que fazem com que os nossos direitos e deveres fundamentais, consagrados na Constituição, sejam penas letra morta, pois, depois de 20 anos de vigência da lei, nem a sabem interpretar quanto mais aplicá-la, mas para com os promotores das manifestações que ao quererem exercer um seu direito constitucional, ao quererem realizar a Constituição, quase que enfrentam desnecessariamente um “Estado de sítio” não declarado. De resto, o ilustre Deputado, para falar com propriedade, não devia fiar-se apenas no que é relatada por certa imprensa. Dizia-se antigamente que para ser ter direito à palavra era preciso investigar. Ora, dizer que a informação dos promotores da Manifestação de 25 de Maio não apresentava a identificação devida dos promotores não é inteiramente verdade, pois, eles apresentaram duas informações: uma a 28 de Abril onde a identificação era sim de figuras fictícias e outra, corrigida, recepcionada no Governo Provincial de Luanda, à 6 de Maio último. Quanto a não indicação da morada, este facto não impediu que o GPL, sem saber o endereço informático dos subscritores, os contactasse via Internet e tendo obtido a resposta deles!!! Segundo informação do Director do Gabinete Jurídico.




Por último, o Deputado diz não estranhar que se tenham escutado, na manifestação “apelos à morte de todas as pessoas que apoiam o MPLA”, o que não parece corresponder a verdade, o que não parece também corresponder a verdade, pois, o que diz ter-se escutado é o que vem escrito num Panfleto, que foi feito e distribuído uma semana antes do dia da Manifestação, com vista a desmobilizá-la, e que a TPA, segundo os manifestantes, por manifesta má fé, no sentido de diabolizar os manifestantes perante a opinião pública, ter divulgado a notícia completamente falsa, segundo a qual a Polícia Nacional impediu uma Manifestação violenta de jovens que queriam promover a guerra, matar gente, assaltar bancos, atacar igrejas, escolas e todos os que estão a favor do Governo. Ora a TPA não conseguiu apresentar nem sinais de guerra, nem uma pessoa ferida, nem um banco assaltado, nem uma capela vandalizada, nem um vidro de carro partido ou carro queimado, nem sequer um manifestante a ser detido por distribuir tais panfletos. Porquê?


Luís do Nascimento
(Coordenador da Comissão de Informação e Comunicação do Bloco Democrático)