segunda-feira, 13 de junho de 2011

Dedicação aos povos Lunda Tchokwe

O antropólogo Vicente Martins fala da sua vida e obras dedicadas aos povos Lunda Tchokwe de Angola.

«Os Tutchokwe de Angola» é um estudo sobre um dos maiores grupos étnicos matrilineares do Leste de Angola e constitui a tese de doutoramento do professor Doutor João Vicente Martins.

Com 447 páginas, 9 mapas e 103 fotografias, a obra editada pelo Instituto de Investigação Científica Tropical, com os patrocínios da SEP (Sociedade Portuguesa de Empreendimentos ex-Companhia de Diamantes), da Fundação Luso-Americana e do Instituto de Cooperação Portuguesa, foi lançada a 22 de junho 2001. Sobre os povos da Lunda João Vicente Martins já publicou várias comunicações e cinco livros nomeadamente “Subsídios Etnográficos para a História dos Povos de Angola”, “Idade dos Metais na Lunda”, “Contos dos Quiocos”, “Elementos da Gramática da Língua Utchokwe (quioca)”, “Crenças Adivinhação e Medicina dos Tutchokwe de Angola”. Este ano pretende lançar, em Abril, a segunda edição do livro “Contos, Fábulas e Lendas dos Tutchokwe do de Angola” Na época colonial, os tutchokwe ocupavam quase toda a região da Lunda e parte das províncias do Moxico, Bié e Cuando-Cubango, excluindo pequenos grupos que se espalharam por outras províncias, habitando a República do Zaire, desde as fronteiras leste e norte de Angola até ao paralelo 5º de latitude sul, assim como os que habitavam a parte nordeste da Zâmbia.

Professor universitário, sócio correspondente da Associação dos Arqueólogos Portugueses, sócio da Associação dos Amigos dos Castelos e membro 2515 da Sociedade Portuguesa de Autores, Vicente Martins é acima de tudo um homem que dedicou a sua vida aos estudos e colocou parte do seu saber ao serviço de um povo que como afirma «estava esquecido, agora fica recordado para sempre». Viveu com uma mulher da Lunda, teve filhos e trouxe-os consigo.

A apetência pelo saber transformou Vicente Martins num aventureiro, um homem de sete ofícios e um autodidacta pluridisciplinar. Nasceu na aldeia portuguesa de Moimenta, numa família de poucos recursos e só aos 43 anos conseguiu realizar um grande sonho: estudar para ter uma licenciatura «Só quando ganhei dinheiro, tive que organizar o ensino para adultos na Lunda para também eu pudesse estudar».

Em 1962 Vicente Martins recebeu o diploma de técnico de topografia, com a categoria de topógrafo e prospector, e em 1969 concluiu o 7º ano do Liceu de Malange. Ele recorda «Em miúdo o médico da minha aldeia era o único que sabia responder as minhas perguntas, tinha uma grande admiração por ele por isso quis ser médico, mas para estudar era preciso descender de uma família abastada. Conclui a instrução primária e aos doze anos tive que ir trabalhar para Espanha».

Na vizinha Espanha Vicente Martins, trabalhou em agricultura, como paquete, aprendeu castelhano, não conseguiu estudar acabou por voltar a terra natal a qual dedicou a sua dissertação de Mestrado em Ciências Antropológicas, a publicação «Moimenta da Raia, uma Aldeia em evolução e Mudança».


A sua ambição sempre foi aprender o máximo possível, e como não pôde ser médico quis uma licenciatura, escolheu antropologia por estar relacionada com a origem do homem e das raças, «comecei a interessar-me pela tribo onde trabalhava vi que tinham muitas coisas que deviam ser preservadas».

Vicente Martins aprendeu várias outras línguas incluindo o chiluba e utchokwe que fala fluentemente, estudou árabe porque constatou a sua grande influência sobre algumas línguas do leste de Angola. A língua proporcionou-lhe uma melhor pesquisa antropológica, entre os trabalhadores das equipas de prospecção que dirigiu. «Quando comecei o meu primeiro trabalho acerca dos provérbios que reuni, deparou-se-me o problema de não ter uma gramática para puder classificar as palavras da língua utchokwe.

Vi-me obrigado a coligir e estudar um certo número de vocábulos e achei a estrutura gramatical tão interessante que resolvi escrever». Não imaginava quão árdua era a tarefa, nem os milhares de horas de trabalho que iria necessitar para conclusão deste trabalho que muitas vezes pensou em abandonar «as vezes fartava-me, atirava os papeis desordenadamente para todo lado e ia-me deitar. O cozinheiro Mwamezanza é que no dia seguinte os apanhava e arrumava em cima da minha mesa de trabalho» conta.

Antes de seguir para Angola Vicente Martins ainda entrou para a tropa como aprendiz de música para conseguir estudar, mas Salazar acabou com os aprendizes de música, não antes do nosso entrevistado concluir o 2º Curso das Escolas Regimentais equivalente ao primeiro ciclo do liceu. Já fora do Exército estudou francês, inglês, italiano, esperanto, latim e grego e fez o curso prático de contabilidade numa escola particular à noite. Concluiu por correspondência o Curso de Contabilidade da Escola de Comércio e ciências Económicas do Rio de Janeiro (Brasil). Por conta própria também estudou pesquisas minerais e minas, mineralogia, geologia e topografia.

Trabalhou como prospector de mineiros em Monte Alegre, Chaves, Vila Real, Amarante, no Alentejo. Sob contrato da empresa de diamantes portuguesa que na altura era uma sociedade de capitais belgas, americanos, sul-africanos e ingleses, seguiu para Angola dia 3 de Abril de 1943 num barco a vapor, a fim de integrar os quadros da Diamag.

Na actividade como topógrafo prospector de diamantes Vicente Martins modificou um concentrador de diamantes, o feito foi recompensado com um louvor e um prémio pecuniário pela Diamang que o convidou em 1959 para frequentar um curso de Arqueologia em Livingstone (ex-Rodésia), a fim de lhe entregar a organização do Museu do Dundo.

A par deste trabalho dedicou-se ao estudo etnográfico-linguístico, económico e social dos grupos étnicos do nordeste de Angola. O livro sobre crenças, adivinhação e medicina dos tutchokwe é o resultado de 15 anos de investigação, passaram-se mais vinte até conseguir publicar, estava na tipografia mas quando se deu o 25 de Abril foi-lhe devolvido.

Entre Angola e Portugal, e com o apoio da Companhia de Diamantes, em 1969 Vicente acabou o sétimo ano. Chorou de alegria quando se matriculou no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas em Lisboa. Em 1986 concluiu o mestrado em Ciências Antropológicas.

Os 28 anos passados em Angola tiveram um interregno entre 1949 e 1954 altura em permaneceu em Portugal a organizar o Arquivo e a Biblioteca da Sorefame “De Bragança à Lunda dos Diamantes” é o nome da autobiografia onde este estudioso, romanceia as memórias da sua vida errante, o seu primeiro quarto século de vida, os anos que viveu em Angola, e o que viveu após regressar a Portugal em 1975. A poesia também o atraiu vai publicar um volume denominado “No Tempo da Meditação e do Amor”.

Por publicar tem dois volumes (cerca de 800 páginas) sobre cerâmica arqueológica do nordeste de Angola, e sobre povos antropófagos do nordeste de Angola. «Os bakongo, ou tukongo», como lhes chama Vicente Martins «eram povos antropófagos», sustenta. Estes livros estão há mais de um ano na Imprensa Nacional Casa da Moeda.


Sílvia Milonga