sábado, 28 de agosto de 2010

Dossier LUNDA VIII - Auto de eleição do embaixador a enviar a Luanda a solicitar a


Auto de eleição do embaixador a enviar a Luanda a solicitar a
Ocupação e a soberania de Portugal na Lunda
CARVALHO, Henrique A. D de – A Lunda, pp 197-202
Aos doze dias do mez de Junho do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e oitenta e seis no Acampamento do Muatiânvua eleito, Ianvo vulgo Xa Madiamba, situado dois kilometros a leste da povoação do Chibango na margem esquerda do rio Chiumbue, no logar das audiências gerais estando reunidos os Muatas de lucano: Bungulo Anzovo, Chibango Cacuruba senhor da terra, Muzooli Mucanza sobrinho e herdeiro do assassinado Mucanza governador de Mataba, Tambu de Cabongo chefe dos Turubas entre os rios Chiumbue, Cassai e Luembe; e também os representantes de Muene Dinhinga, de Xa Cambuji, dos Muatas Cumbana, Caungula, de Muitia, de Muene Panda e outros e muito povo; o Muatiânvua eleito sentado na cadeira de espaldar dourada debaixo do docel e devidamente fardado annunciou que chamara os quilolos áquella reunião para se despachar a embaixada que ia seguir para Loanda segundo as deliberações tomadas na ultima audiência por elles quilolos, mas era preciso antes que todos ouvissem o que se escreveu na mucanda (auto) e firmassem com o seu signal para se provar a Muene Puto que eram desejos de todos o que se pedia na mucanda.
Mostraram todos a sua adhesão ao que dissera Muatiânvua batendo palmadas e proferindo as palavras do uso.
Estava sentado á esquerda do Muatiânvua o Chefe da Expedição portugueza sr. Major Henrique Augusto Dias de Carvalho e em bancos de pequena altura seguiam-se os interpretes eu António de Bezerra e Augusto Jayme, mais pessoas presentes por parte da Expedição: os empregados José Faustino Samuel e Adolpho Ferreira, o cabo da força militar n.º 18 do Batalhão de Caçadores n.º 3 de Ambaca Jorge José, e soldado do mesmo batalhão n.º 54 Adriano Annanias, o Ambaguista João da Silva com honras de alferes, Mona Congolo, com honras de capitão, e os carregadores António Angonga, Negrão, Xavier, Gambôa, Manuel pequeno, Casimiro, Sarrote Ferreira, etc.
O Chefe da Expedição disse: que tendo sido procurado pelo Muatiânvua e os principais quilolos para fazer constar a SUA MAGESTADE FEDELISSIMA o desejo que todos teem que o Governo do mesmo Augusto Senhor faça encorporar nos domínios da sua coroa as terras do Estado do Muatiânvua; escreveu no sentido em que lhe fora feito o pedido e ordenou que eu interprete António Bezerra de Lisboa lhe fizesse comprehender na sua língua o que estava escrito.
Depois de algumas explicações e demoradas considerações do Muitia e do Muata Bungulo, deliberou-se que fosse representado o Muatiânvua por seu sobrinho Muteba porém por causa de força maior o Cacuata Capenda é substituído pelo Cacuata Noeji e como particular de Muteba irá o Caxalapoli de confiança do Muatiânvua Tanda Ianvo e determina-se a Caungula que dê um representante seu e peça a Muata Cumbana para apresentar um delle os quaes se encorporarão aos que daqui partem.
O Muatiânvua e todos os grandes do Estado da Lunda representados pelos que firmam este auto reconhecem a Soberania de Portugal e pedem ao seu Governo que torne effectiva a ocupação da Lunda como terras portuguezas conservando entre os indiginas o que tem sido de seu uso e não importe embaraços á administração portugueza, e mantenha a integridade dos territórios como propriedade do antigo ESTADO DO MUATIÂNVUA.
É abolida a pena da morte logo que a autoridade portugueza junto do Muatiânvua resgate a vida dos sentenciados e faça seguir estes debaixo de prisão para as terras de Angola.
Fica proibida para fora das terras a venda ou troca de gente por artigos de commercio e nas terras não se pode tal transação fazer sem ser ouvida a auctoridade portugueza que tem preferência porque lhes dá a carta de alforria, e como seus tutellados os educa no trabalho.
Todas as pendências entre Lundas do Muatiânvua são resolvidas pelas auctoridades e as desses com Quiocos ou quasquer povos de outra tribu ou com europeus serão resolvidas pela auctoridade portugueza ouvindo as allegações dos Chefes dos indivíduos em demanda.
Comprometteu-se o MUATIÂNVUA e todos os senhores de terras a auxiliar as auctoridades portuguezas na segurança dos caminhos para os indivíduos extranhos ás povoações; facilitar aos portuguezes ou indivíduos que viajam com guias firmadas por auctoridades portuguezes, a passagem ou permanência nas povoações protegendo os estabelecimentos que venham a crear.
Em quanto as autoridades portuguezas não possam dispor de recursos indispensáveis para serem devidamente educados os menores com direito á SUCESSÂO ao poder no Estado do Muatiânvua e nos estados em que elle se subdivide, as mesmas auctoridades proporcionam os meios de os fazer educar nas terras portuguezas em que não faltam recursos para esse fim.
O Muatiânvua depois de tomar posse da governação do Estado, comprometteu-se a validar todos os Tratados e nomeações feitas pelo Chefe da Expedição portugueza o Sr. Henrique Dias de Carvalho em terras da Lunda sem distinção de tribus; e desde já os quilolos que formam o seu séquito se obrigam a sujeitar-se á arbitragem do mesmo Chefe nas pendências a resolver com MONA QUISSENGUE chefe principal dos quiocos entre os rios de Chicapa e Luembe de modo que nesta região fique bem firmada a paz entre as tribus sob o domínio do Muatiânvua e as sob o domínio d’aquelle.
Pedem o Muatiânvua e os representantes da corte ao Governo de SUA MAGESTADE FIDELISSIMA, auctoridades portuguezas, força de soldados brancos para distribuir pelos paizes do Estado (LUNDA), mestres de officios, padres, médicos, lavradores, industriaes e negociantes.
Encarrega-se o seu embaixador além desta pedição, ainda a de pedir ao Sr Governador o que vae exposto na nota junta.
E como todos os potentados e mais indivíduos presentes nada mais tinham a acrescentar ao que fica exposto, passou-se ás cerimónias da nomeação do embaixador que consistiram no seguinte:
Chamado MUTEBA veiu agachado collocar-se á frente do estrado sobre que estava collocada a cadeira e ahi ficou agachado. O Muatiânvua estendendo o braço direito sobre a cabeça delle disse umas palavras do rito que se resumem: em annunciar que o vae representar na longa jornada e tomará o seu nome e honras e nessa qualidade falará com o representante do grande Muene Puto em Loanda e por ter confiança nelle o escolhera e tudo que lhe disser é dito pelo próprio MUATIÂNVUA e tome muita conta no que ouvir para de tudo dar conhecimento ao Estado, lembrando-se que vai preparar um melhor futuro para este. Depois recebendo de um prato que lhe apresentou muene Casse, mestre de cerimonias, um envolucro com pó vermelho dum lado, e branco do outro; ora tomando pitadas dum ora do outro fez-lhe cruzes na testa, hombros, peito, costa e braços pela parte interior, falando sempre: - que esperava não encontrasse, difficuldades no caminho, marchasse muito bem, que os maus espíritos andassem sempre longe delle etc.
Em seguida cuspiu-lhe na palma da mão esquerda, o que o agraciado sorveu dum trago e depois passando os dedos da mão direita pela palma da mão direita do Muatiânvua dava um estalido com os dedos e repedindo isto três vezes terminou por bater três palmadas com as suas mãos , o que repetiram todos os circumstantes gritando ChiNoeji, Muatiânvua, na lá ni eza, echu aosso imanei, Zambi umutalei. ( Pelo grande dos grandes, estas feito Muatiânvua, vae e volta, nós todos te esperamos. Deus te vigie).
E como nada mais houvesse a tratar com respeito ao assumpto, determinou o Chefe da Expedição que se encerrasse este auto que vae ser assignado pelos principais, fazendo uma cruz ao lado dos seus nomes, os que não sabem escrever e a todos eu secretario que escrevi reconheço pelas cathegorias que representam. – Acampamento do Muatiânvua na margem esquerda do Chiumbue, 12 de Junho de 1886.- (ass.) Henrique Augusto Dias de Carvalho, major do Exercito, Chefe de Expedição Portugueza ao Muatiânvua.