PARTE II - A ORIGEM DA CHAMADA
«QUESTÃO DA LUNDA 1885 – 1894»
2.-
A CRIAÇÃO DO DISTRITO DO CUANGO ORIENTAL
2.1.-
A DELIMITAÇÃO DE FRONTEIRAS NO CONGO E AS ESFERAS DE INFLUENCIAS
Andavam
os comissários dos dois Governos na tarefa da demarcação, sem bem se
entenderem, quando, em 10 de Junho de 1890, HENRIQUE
DE MACEDO PEREIRA COUTINHO,
ministro de Portugal em Bruxelas, chamou a atenção de HINTZE RIBEIRO,
ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, para o «importantíssimo facto político» que acaba de dar-se na Bélgica, qual era o de o
presidente do Conselho de Ministros e ministro da Fazenda, BERNAERT,
ter apresentado na Câmara dos Representantes, na sessão do dia anterior, um
projecto de lei que punha à disposição do seu soberano rei uma quantiosa soma,
que, por certo, iria utilizar para, «a título de exploração cientificas e
antiescravistas, empreender uma activa e enérgica campanha de ocupação e posse
nos territórios da África Central que demoram a leste da parte da nossa
província de Angola, (TRATA-SE DA
LUNDA, MUATIÂNVUA, REGIÃO DO ALTO KASSAI,
etc.)»(11).
O
conde de Macedo tinha razão. O rei dos Belgas deitou-se à obra de ocupar a LUNDA DO MUATIÂNVUA.
No
dia 12 de Agosto de 1890, por telegrama enviado de Londres pelo ministro de Portugal
naquela capital, BORJA DE FREITAS, soube-se em Lisboa que INDÉPENDANCE BELGE,
jornal nitidamente ao serviço do Estado Independente do Congo, dizia que «O TRATADO DE 14 DE FEVEREIRO DE 1885 DESIGNOU O
CURSO DO CUANGO COMO FRONTEIRA RESPECTIVA ENTRE PORTUGAL E ESTADO INDEPENDE DO CONGO, que Muatiânvua formava o duodécimo distrito
administrativo do Estado Independente do Congo, compreendendo os distritos
administrativos do Cassai e Lualaba» (12).
AFFAIRES DU CONGO
«Le siécle a publié hier un
entrefilet disant: qu’il serait question d’attribuer à L’Etat du Congo toule la
region du Haut Kassai connue sous les noms Lunda ou Muta-Yamvo, qui figure sur
les cartes portugaises comme appartenant à la colonie portugaise de Lianda.
Suivant nos renseignemants, la constatation
du siécle ne révélé, a proprement dire, rien de nouveau et il est inexact de présenter comme un
«agranddissement de L’Etat du Congo», L’etat de choses comprenant le territoire
de Lunda, autrement dit le royaume de Mouata Yamvo, dans le teritoire de L’Etat
Libre.
La traité du 14 février 1885,
entre le Portugal et L’Association Internacionale africaine, ayant désigné le
cours du Kouango comme frontiere respective du Portugal et de L’etat Libre du
Congo, L’Etat Libre a toujours considéré la région indiquée par le Siécle commo
comprise dans sa spéhré d’activité.
Et en fait, déjá organisée
administrativement, cette region est devenue, sous le nom de «Kouango
oriental», le douziéme district de L’Etat Libre. Le district en question
s’étend entre le Kouango et les distrits du Kassai et de Loualaba. Le
lieutenant Dhanis, qui avait déjà rempli plusieurs mission au Congo, en est
nommé commissaire.»
A
notícia causou em Portugal justificada perplexidade, mas não inteira sensação.
Com efeito, em Fevereiro deste mesmo ano, VAN
EETVELDE, numa conferencia
que teve com o conde de Macedo, aproposito das negociações para a delimitação
dos territórios onde o domínio efectivo dos dois Estados era reconhecido,
lembrou a este a vantagem de aproveitar «a
presença dos comissários de limites em África e a proficiência especial destes
funcionários e o ensejo da realização da futura convenção de limites que
naturalmente resultaria dos trabalhos destes
(…)» (13), para discutirem «por esta ocasião submetendo-a à
mesma ARBITRAGEM a definição das respectivas esferas de
influências nos territórios adjacentes aos dois Estados, nos quais até então
nenhuma POTÊNCIA EUROPEIA exercia soberania, cumprindo-se ou, para melhor dizer,
aclarando-se assim o preceituado no n.º 8 do artigo 3.º da Convenção de 14 de
Fevereiro de 1885 (14).
Em
apoio desta sugestão, trouxe VAN EETVELDE à lembrança a abertura feita em Lisboa em
Setembro ou Outubros de 1888 por AGOSTINHO
DE ORNELAS a de GRELLE,
ministro da Bélgica em Lisboa, sobre as «vantagens
que para os dois países adviriam da mútua fixação dos seus domínios presentes e
da área da sua futura expansão» (15), «afirmando que apesar de essa abertura ter
encontrado então favorável acolhimento por parte do Rei Soberano, o governo de
Portugal não dera mais andamento» (16).
FONTES:
(11) (12).- Livro Branco sobre
a Questão da Lunda, docs n.º 2 e 3, p.7
(13).- AMNE – Caixa «Limites no
Congo e na Lunda» maço n.º2, oficio reservado n.º 4-A, de 11 de Fevereiro de
1890, do conde de Macedo para o ministro e secretário de Estado dos Negócios
Estrangeiros.
(14).- Ibdem
(15).- Livro Branco sobre a
Questão da Lunda, doc, n.º14, p.18.(No doc n.º 6, p.8, Hintze Ribeiro atribuiu
a iniciativa dessa abertura ao administrador-geral dos Negócios Estrangeiros do
Estado Independente do Congo). É manifesto engano, como declarou (doc, n.º14)
Barbosa du Bocage e como afirmou na segunda sessão da conferência de Lisboa, de
25 de Fevereiro de 1891 (Doc, n.º 27, protocolo n.º2, p. 46) o delegado técnico
do Estado Independente do Congo, Cuvelier.
(16).- AMNE – Caixa «Limites no
Congo e na Lunda, maço n.º2, oficio reservado n.º 4-A, de 11 de Fevereiro de
1890, do conde de Macedo para o ministro e secretário de Estado dos Negócios
Estrangeiros.
O administrador-geral
dos Negócios Estrangeiros do Estado Independente do Congo, insistindo em que
ignorava as disposições do rei Leopoldo acercava do assunto, pediu ao conde de
Macedo que sondasse particularmente a opinião do ministro dos Negócios
Estrangeiros para assim apresentar a questão ao rei dos Belgas.
O conde de MACEDO
prometeu fazer o pedido, e disse-lhe que, no seu modo de ver, e segundo a letra
e claro espirito dos artigos 3.º e 4.º, a Convenção de 14 de Fevereiro de 1885
era única e exclusivamente uma convenção de limites ou fronteiras de
territórios em que cada uma das partes exercia efectiva soberania e não um
instrumento destinado a delimitar áreas ou esferas de influências; que o rio
Cuango, indicado no n.º8.º do artigo 3.º dessa convenção como limite comum das
possessões portuguesas e do Estado Independente do Congo, só podia atribuir-se,
portanto, essa qualidade e título na pequeníssima parte do seu curso, em que de
um lado dele demorava territórios sobre que o soberano do Estado Independente
do Congo exercia soberania, nos termos precisos da demarcação e definição dos
territórios do EIC feitas pela CONFERÊNCIA
DE BERLIM DE 1884-1885.
Acrescentou o conde
de Macedo que tanto do que ele, VAN EETVELDE,
lhe dizia, como de palavras proferidas na Conferência antiescravista (17) por PRIMEZ
2.º plenipotenciário do EIC era fácil
concluir que, na opinião de ambos, o Cuango era, segundo o n.º 8º do artigo 3.º
da Convenção de 14 de Fevereiro de 1885, e em toda a extensão dele, não uma
simples fronteira territorial mas um limite de esfera de influência entre
Portugal e o EICongo.
Para o Estado
Independente do Congo, por isso, qualquer ocupação portuguesa nos territórios
da LUNDA
constituía uma violação dessa Convenção.
E apressou-se a
afirmar-lhe categoricamente que o Governo de Portugal dera mais de uma vez
prova de que não aderia e nunca poderia aderir a tal interpretação. Por
consequência, «qualquer convénio acerca de esferas de respectivas influências
não poderia ser considerado pelo Governo Português como significando execução,
aclaração ou modificação da Convenção de 14 de Fevereiro de
1885
e muito menos como uma cessão de direitos da parte do Governo do Estado
Independente do Congo, senão como um acordo inteiramente novo que por nenhuma
forma derivava de compromissos ou obrigações anteriores (18).
Então, VAN
EETVELDE
porfiou na vantagem de acordar-se neste objecto, que poderia em breve dar lugar
a divergência entre os comissários de limites. O conde de Macedo acudiu,
dizendo que os comissários não tinham cargo nem poderes para interpretar o
alcance da Convenção discutida, senão a mera incumbência de marcar, sobre o
terreno, os limites por ela fixados, sem inquirir se eles eram SIMPLES
FRONTEIRAS TERRITORIAIS OU LINHAS DEFINITÓRIOS DE ESFERAS DE INFLUÊNCIAS,
e lembrou que, sendo a fronteira de que se tratava um rio de curso estudado e
conhecido, os comissários nem dele tinham de se ocupar (19).
De facto, os pontos a
delimitar pelos comissários de limites eram precisos:
«1.º Os territórios de Cabinda
e Molembo, isto é, Ponta Vermelha, confluência do Cula-Cala com o Lucula, Cabo
Lombo e anexas linhas geográficas (Vide Tratado de 14 de Fevereiro de 1885 em
Berlim).
2.º O rio de Uango-Uango e o
paralelo de Nóqui.
3.º O talvegue do rio Zaire.»
(20)
No dia 25 de
Fevereiro do mesmo ano HINTZE RIBEIRO,
em despacho para o conde de Macedo disse:
«1.º Que o Cuango só é limite
dos territórios entre o paralelo de Nóqui e o de 6.º
2.º Que não é também, para o
sul, limite das esferas de influência.
3.º Que queria primeiro ultimar
a demarcação ajustada no terreno pelos territórios nomeados.»
E concluía assim:
«a) Desejamos a definição das
esferas de influências de Portugal.
b) Só nos parece oportuno
tratar esse assunto depois da demarcação.
c) Não julgamos que nas esferas
de influência tenha cabimento a arbitragem internacional.» (21)
Até agosto o assunto
ficou em poisio.
Fontes:
(17).- Protocolo n.º 6, p.92,
linha 20 a 30
(18).- AMNE – Caixa «Limites no
Congo e na Lunda», maço n.º2, oficio reservado n.º 4-A, de 11 de Fevereiro de
1890, do conde de Macedo para o ministro e Secretario de Estado dos Negócios
Estrangeiros.
(19).- Ibidem
(20).- Livros Branco sobre a
Questão da Lunda, doc.n.º 14, pp.19-20. Vid, também doc n.º 6, p.8
(21).- Ibidem
2.2.-
O DECRETO DE 10 DE JUNHO DE 1890, A REAÇÃO PORTUGUESA E A IDEIA DE LEOPOLDO II
DE UM ULTIMATUM A PORTUGAL
Neste
mês (Agosto), porém, o BOLETIM OFICIAL do Estado Independente do Congo publicou no dia 9
o decreto assinado por Leopoldo II em 10 de Junho do mesmo ano de 1890 que
criou «UNE DOUZIÈME
DISTRICT, QUI PORTERA LE NOM DE DISTRICT DU KUANGO ORIENTAL. CE DISTRICT
S’ÉTEND ENTRE LE KUANGO ET LES DISTRICTS DU KASSAI ET DU LUALABA» (22).
Logo
que este decreto foi conhecido em Portugal, o Ministério dos Negócios
Estrangeiros movimentou os seus diplomatas, e, em 23 do mesmo mês, o conde de
Macedo fez entrega na administração do Estado Independente do Congo de uma nota
de protesto «em termos brandos» mas «bastantemente firme, em que sobre a forma
de fundada esperança, formulava, aliás claramente, a exigência de Portugal no
regresso ao STATUS QUO ANTE e na manutenção indefinida deste» (23).
«A
moderação da fórmula e da linguagem em que entendeu dever traduzir o protesto
de Portugal e reclamação teve principalmente em vista não prejudicar, criando
ou aumentando irritações estranhas ao fundo da questão, alguma solução amigável
e pacifica dela entre Portugal e o Estado Independente do Congo do Leopoldo II
(…)» (24).
O protesto português
exasperou LEOPOLDO II, que concebeu logo a
ideia de um ULTIMATUM a Portugal, ao jeito
de como fizera a Inglaterra.
E enviou LIEBRECHTS
às docas de Londres para adquirir, por conta do Estado Independente do Congo,
um Navio de Guerra abatido ao efectivo mas suficientemente armado para trazer a
Lisboa o ultimatum sob a ameaça dos
seus morteiros… (25).
Liebrechts vagueou
pelas docas de Londrinas cautelosamente sem mostrar abertamente o fim da sua
missão.
Ao cabo de oito dias
encontrou nas docas de Poplar (26)
um navio mais ou menos à feição, capaz de dar 14 nós, com armamento e munições,
com uma equipagem completa, podendo aguentar-se no mar durante uma quinzena sem
ser reabastecido.
Liebrechts, apesar de
tudo, julgou-o insuficiente para a aventura, e comunicou para Bruxelas essa sua
opinião. Não obstante, recebeu ordens de comprar o navio. Protestou e foi à
capital belga para se justificar. Teve mau acolhimento, mas o bizarro projecto
foi abandonado (27).
Fonte:
(22).- Livro Branco sobre a
Questão da Lunda, docs n.º 7 e 8, p.9
(23).- Ibidem, doc n.º 11, p.10
(24).- Ibidem, idem, pp.10-11
(25).- CORNET, René J. –
Katanga, pp. 292 e 298
(26).- Liebrechts fala de
Popelear, mas deve querer dizer Poplar
(27).- DAYE, Pierre – Léopold II, pp.229-230
2.3.- A CAMINHO DA
RECONCILIAÇÃO PORTUGAL E LEOPOLDO II
As iras do rei dos
Belgas acalmaram-se, e à reclamação portuguesa que deu lugar o contencioso de
Lisboa sobre a questão LUNDA de 1891 com termino em 1894, respondeu Van
Eetvelde em nota n.º 1117, de 2 de Setembro, teimando na interpretação do
Estado Independente do Congo e lembrando, em abono da sua opinião, a CARTA
DE AFRICA MERIDIONAL, de 1886, da Comissão de Cartografia
Portuguesa, a carta anexa aos protocolos da Conferência de Berlim 1884-1885, as
cartas de KIÉPERT (Berlim 1885, 3.ª
ed.), de JUSTUS PERTHES (Agosto de
1890), EDWARD
STANFORD
(Africa South of the
Equator, Novembro de 1890), ROUVIER
(1887), a última das quais atribuía ao Estado Independente do Congo a fronteira
do Cuango, e as restantes davam este rio como limite de Angola.
(28).
Na mesma nota, Van
Eetvelde alvitrava se submetesse a pendência relativa aos territórios,
mencionados no decreto de 10 de Junho, à arbitragem do Conselho Federal Suíço.
Com este alvitre não
pode o Governo de Portugal concordar, porque «sempre estiveram esses sujeito ao
IMPÉRIO DO MUATIÂNVUA, potentado Africano
que desde longos anos manteve constantemente com Portugal AMIGÁVEIS
RELAÇÕES,
relações estas que haviam sido transformados em TRATADOS DE
PROTECTORADO,
cujo carácter melhor se definiu, e cuja intensidade subiu ao extremo por efeito
da viagem essencialmente politica realizada pelo major do Exército Português Henrique
Augusto Dias de Carvalho, nos anos de 1884 a 1888 – «Expedição
Cientifica Portuguesa a Mussumba do Muatiânvua» - dizia em
29 de Novembro Barbosa du Bocage, então ministro dos Negócios Estrangeiros para
o conde de Macedo (29).
Porque Portugal nunca
teve por incluídos no Estado Independente do Congo os territórios agora em litígio,
não poderia «considerar extensivo a eles o acordo celebrado em 7 de Fevereiro
de 1885 em Berlim (…), para submeter à arbitragem do Conselho Federal Suíço as
divergências que se suscitassem por ocasião de se executarem sobre o terreno os
trabalhos de delimitação das possessões respectivas de Portugal na LUNDA
e do Estado Independente do Congo» (30).
A posição de Portugal
era, portanto, a de que a questão não cabia nos termos do acordo de 7 de
Fevereiro, pois, para tal, «era preciso que ela nascesse e se deduzisse
directamente dos termos da Convenção de 14 de Fevereiro de
1885
entre Portugal e Bélgica e ou o Estado Independente do Congo, até porque a
Conferência de Berlim não havia tratado a situação dos territórios da Lunda,
porque era ainda desconhecido o resultado do trabalho dos exploradores. E, com
efeito, a declaração de neutralidade do Estado Independente do Congo,
comunicada às Potências signatárias do ACTO
GERAL DE BERLIM em 1 de Agosto de 1885, excluía das
suas possessões RIOS E TODA A REGIÃO DA LUNDA
(32).
Fonte
(28).- Livro Branco sobre a
Questão da Lunda, doc n.º13, p.16
(29).- Ibidem, p.17
(30).- Ibidem, idem, p.17
(31).- Ibidem, idem, p.17
(32).- Vid.Cap.VI,pp.197 e segs
OBS:
PARTE III
e final será dedicada a fixação das
fronteiras do Zaire e na Lunda. O rotativismo dos partidos e a sociedade de
geografia de Lisboa, para vermos depois o desenvolvimento da questão da Lunda
1890-1891 – este texto vem a propósito de comentários infundadas, pelas
quais somos as vezes chamados de que os Lundas são tribalistas, racistas,
alguns vão mais ao extremo de que somos separatistas. Certos leitores nunca
leram o acto geral da Conferência de Berlim e emitem comentários que não vão ao
encontro da letra e do espirito da conferência.