quarta-feira, 30 de março de 2011

Manifestações e contramanifestações: o rescaldo


Só hoje fiquei disponível para tentar satisfazer o desejo dos meus amigos, no Facebook e em outros sites que têm feito o obséquio de difundir os meus solilóquios, para me pronunciar sobre o rescaldo das badaladas manifestações do mês de Março.

Não serei detalhado, não tanto por razões de disponibilidade de tempo, que por vezes me impedem de aparecer por aqui, pelo meu sítio, mas especialmente porque tenho para mim que no texto “A Tunísia, o Egipto e quejandos …” foram feitas, antecipadamente, afirmações que, devidamente adaptadas ao pós-manifestações, seriam o meu rescaldo.

Com efeito, numa das afirmações eu referia, um tanto quanto nas entrelinhas, que era precipitado considerar que a Angola actual, com o seu regime, que um dia considerei de “fechadura sorridente”, reproduzisse já um cenário semelhante ao dos estados da África magrebina e quejandos, onde decorrem os movimentos revolucionários a que assistimos. Aqui, já para não falar de muitos aspectos, a maioria esmagadora das pessoas, no seu bom senso, sabe que apesar do inusitado de injustiças flagrantes (como o impedimento de manifestações por causas justas, o desalojamento arbitrário e desumano de populações em nome de um desenvolvimento forçado a favor de grupos seleccionados, a destruição do património histórico-cultural em nome de tal desenvolvimento, todos estes e outros aspectos salvaguardados pela nova constituição formal alardeada pelo próprio regime), não há nada melhor do que descansar um pouco da guerra e de tantas guerras que tivemos até 2002.

Aqui gente avisada, sabe que o slogan “Um só povo e uma só nação” foi lançado pelo político e proeminente pensador Dr. Agostinho Neto, com o consciente propósito de que se tratava de um projecto e não ainda de uma realidade. Aqui, as pessoas avisadas sabem, que nestas circunstâncias, qualquer apelo demagógico ao tribalismo, no seu sentido mais negativo, seria o multiplicar, por tantas vezes, do número de vítimas em relação ao que terá acontecido na Tunísia e no Egipto, que são nações de formação milenar.

Não estou a dizer mal dos que, na boa intenção, apareceram e foram detidos, felizmente, sem grandes consequências. Conversei com alguns deles. E aproveito para repetir o que disse a uma jovem jornalista que me perguntava se, com tanta intervenção pública, eu não deveria louvar o governo por ter libertado os prisioneiros cabindenses de consciência: aqui não há favor nenhum pelo tratamento devido a cidadãos pelas instituições públicas: são seus direitos, no caso dos presos de Cabinda, repostos tardiamente.

O que posso aproveitar é encorajar os jovens polícias de todas as cambiantes a continuar a tomar consciência de que, independentemente das ordens superiores que devem cumprir, a dignidade humana está acima de tudo; e que pensem que defendem o Estado e seus cidadãos e a segurança física de seus legítimos dignitários e não interesses particulares (pessoais ou partidários), estranhos às nomas constitucionais e legais.

Quanto a “manifestação branca”, eu poderia chamá-la de “salazarista” ou até de fantasmagórica. Em que altura foram feitas as t.shirts daquele adulatório “déjà vu”? Ter-se-á concretizado uma das minhas hipóteses, a da possibilidade de a coisa ter sido planeada para ver quem levanta a cabeça, e que as macas com os carros do Dr. David Mendes não terão sido mera coincidência? Mas, não a chamarei de “salazarista”, por várias razões, sendo que a mais importante é que tenho a certeza de que muitos dos participantes (muitos deles arrastados, comprovadamente, com ameaças veladas de prejuízo para suas carreiras profissionais) e até organizadores de segunda linha (ou até mesmo de primeira, quem sabe?) estavam lá com a melhor das intenções. Por outro lado, moderado e construtivo como me considero, não me preocupo tanto com o estrondoso dos epítetos mas, com a procura dos caminhos para o conforto de todos nós, que o merecemos. Neste sentido repito aos que me têm acompanhado: havemos de encontrar as veredas para a consolidação de uma paz sustentada e para a construção de uma sociedade aberta e progressiva, sem recurso à violência. Todos os dias eu sinto e vejo estes bons sinais.

O meu amigo William Tonnet entrevistou o tal “de fantasma Agostinho Jonas Roberto dos Santos”, com as suas ameaças a intelectuais que como eu, não concordam com mais jogos do esconde-esconde, neste país de obstinada cultura clandestina, em coisas do foro público. Esta cultura de clandestinidade foi herdada do tempo da PIDE colonial que não deixava os angolanos, de todas as origens, falar abertamente dos seus assuntos fundamentais. Ela foi reforçada no tempo do partido único e da guerra fratricida. Agora, sem outros extremismos, estamos condenados a erradicá-la, se quisermos melhorar as nossas vidas, com dignidade. A este propósito não me venham repetir que eu, Marcolino Moco, não tenho direito de falar assim porque também andei no partido único. Nós, no MPLA, com a compreensão de toda a sociedade, desmantelamos o sistema de partido único porque chegamos à conclusão que aquilo não servia para Angola. Nunca acompanhei e nunca acompanharei os que parecem ter compartilhado aquilo só para alguns dias.

Tenho a dizer ao fantasma entrevistado pelo amigo Tonnet no Folha 8 da semana passada, que ele só difere do fantasma “Justino Justo” do jornal de Angola porque ainda não está no poder, enquanto o outro está nos seus dias de glória, só que anda todo cheio de medo. O fantasma “Justino Justo”, de tão amedrontado que anda, ficou assustado até com a perspectiva fantasiosa de que as inocentes e rotineiras manifestações da UNITA e FNLA, pelos seus respectivos dias (13 e 15 de Março), fossem transformados em endiabrados dias do teimoso e inamovível colega, Sª Ex.ª o Sr. “Fantasma Agostinho Jonas Roberto dos Santos”.

Eu que pela idade e experiência em justeza de causas, já me desembaracei deste tipo de medos, no outro dia, aqui no belo e ajardinado Largo Kussi da cidade do Huambo, onde passo alguns dias; com a sua linda, frondosa e florida acácia no meio, conversava com um vizinho e perguntava porque é que o seu cão ladrava sempre para mim, quando faço o meu matutino, deixando toda as outras pessoas passar em paz? A resposta não tardou. Não é que o cão pensasse que eu fosse um velho feiticeiro, não (risos)! O problema é que eu passava sempre de chapéu de abas largas e de óculos escuros. Moral da história: nem os bichos apreciam opacidades, quando se trata de coisas da praça pública; ou, quem andar a meter medo aos outros (como o cão pensava que eu o estivesse) andará sempre a borrar-se de medo.

Para terminar, sómais um recadinho, para o sr. fantasma Agostinho dos Santos: se ele for tão cristão quanto o meu amigo William Tonnet que eu sei que o é, devia lembrar-se que viemos a Terra para viver até que o Criador decida sobre as nossas vidas; e que Jesus Cristo mandou perdoar: não sete vezes, mas, setenta vezes sete. É o que falta a muitos políticos africanos, fantasmas ou não: saber perdoar-se a si próprios (porque todos somos pecadores), perdoar os outros e deixar os povos a que pertencem viver em paz.

Marcolino Moco
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