quinta-feira, 10 de março de 2011

HRW: Campanha de Intimidação Para Parar Protesto Contra o Governo Angolano


(Nova Iorque) - O governo angolano levou a cabo uma campanha de intimidação relacionada com uma manifestação anunciada contra o governo inspirada pelos eventos no Egito e na Tunísia, anunciou hoje a Human Rights Watch.

O governo avisou, durante as semanas que antecederam o protesto, anunciado para 7 de março de 2011, que qualquer pessoa que participasse seria punida por incitar à violência e tentar que o país regressasse à guerra civil. A polícia deteve vários manifestantes e jornalistas na noite anterior ao evento. A manifestação anunciada não teve lugar.

A Human Rights Watch também expressou preocupação em relação a ameaças de morte anónimas contra políticos da oposição e advogados defensores dos direitos humanos, detenções arbitrárias de jornalistas e ativistas, e o abuso dos mídia estatais para fins político-partidários. Funcionários do governo e do partido no poder serviram-se de alegações infundadas de possível violência, incluindo o risco iminente de uma guerra civil, para dissuadir as pessoas de participarem no protesto, afirmou a Human Rights Watch.

A 7 de março, a polícia de Luanda deteve quatro jornalistas do semanário privado Novo Jornal quando estes se preparavam para cobrir eventos relacionados com a manifestação, que havia sido convocada por um grupo anónimo, através da Internet, em fevereiro. Ana Margoso, jornalista do Novo Jornal, contou à Voz da América que agentes da polícia a puseram numa cela isolada e a interrogaram durante toda a noite, colocando-lhe repetidamente as mesmas questões sobre as suas supostas ligações pessoais com os políticos da oposição.

A polícia também deteve um grupo de 17 jovens músicos de rap no mesmo local, no centro da cidade de Luanda, que estavam a ler poemas e a distribuir panfletos em que diziam que pretendiam participar nos protestos que decorreriam mais tarde nesse dia.

Foram todos detidos nas instalações da polícia de investigação criminal e libertados na manhã seguinte sem quaisquer explicações. O porta-voz da polícia de Luanda, Jorge Bengue, disse mais tarde que os rappers tinham sido detidos para evitar potenciais conflitos com um grupo não identificado de residentes que alegadamente se dirigiam para o mesmo local.

Na cidade de Cabinda, a polícia deteve quatro alegados manifestantes, todos eles antigos ativistas da associação cívica de Cabinda, Mpalabanda, banida em 2006. A Human Rights Watch também recebeu relatos da comunicação social de detenções arbitrárias no Dundo, na província de Lunda Norte, a 5 de março.

A 28 de fevereiro, um número de pequenos partidos da oposição - o Partido Popular (PP), os Partidos da Oposição Civil (POC) e o Partido Democrático para o Progresso de Aliança Nacional Angolana (PDP-ANA) - anunciaram que iriam participar na manifestação. Disseram que queriam expressar a sua preocupação com a exclusão social e económica da maioria da população angolana, a corrupção, intimidação e falta de liberdade de expressão.

O governador de Luanda, José Maria Ferraz dos Santos, proibiu ilegalmente a 1 de março uma vigília pacífica planeada pelos mesmos grupos da oposição, marcada para 6 de março, sob pretexto de que apenas grupos religiosos têm permissão para organizar vigílias e que o POC não estava oficialmente registado como coligação. A constituição de Angola garante o direito de reunião pacífica e não exige autorização oficial para uma manifestação pública ou atividade semelhante.

Os órgãos de comunicação do Estado, os únicos com alcance a nível nacional, e que são controlados pelo partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), reiteraram, no período que antecedeu os protestos, os avisos à não-participação. Não deram qualquer oportunidade aos partidos da oposição de explicarem os seus pontos de vista e os motivos da sua convocatória ao protesto.

"Sem a possibilidade de debate político nos meios de comunicação social nacionais, a única forma que nos resta de transmitir a nossa mensagem à população é o envio de mensagens de texto por telemóvel e a distribuição de panfletos na rua", disse um político da oposição à Human Rights Watch.

Jornalistas em Luanda e Benguela disseram à Human Rights Watch que receberam várias mensagens de texto anónimas, que tiveram ampla difusão, que avisavam as pessoas para não participarem nos protestos antigovernamentais e que afirmavam que os protestos pretendiam arrastar o país para a anarquia e a guerra civil.

O partido no poder convocou uma "marcha da paz" pró-governo em Luanda e várias cidades provinciais a 5 de março. A Human Rights Watch recebeu vários relatos credíveis de que funcionários do governo e do partido no poder obrigaram professores e funcionários públicos em Luanda e várias capitais provinciais a participar. Os professores foram ameaçados com despedimentos ou cortes salariais e obrigados a pressionar os seus alunos a participarem, ameaçando-os com "problemas" caso ficassem em casa.

Residentes de Luanda contaram à Human Rights Watch que o partido no poder utilizou autocarros e comboios públicos para transportar pessoas da periferia de Luanda para a marcha de 5 de março no centro da cidade.

Altos funcionários do partido no poder reiteraram repetidamente nos mídia estatais a mensagem de que a marcha era uma obrigação patriótica para todos os cidadãos. O porta-voz do partido no poder, Rui Falcão, numa conferência de imprensa a 4 de março, serviu-se de um incidente que alegadamente envolvia um carregamento ilegal de armas, que rapidamente se revelou infundado, para sugerir que o principal partido da oposição e antigo grupo rebelde, a União Nacional pela Independência Total de Angola (UNITA), estava a planear uma violenta revolta. A declaração pareceu ter sido concebida para desacreditar a participação na manifestação planeada para 7 de março, apesar de a UNITA ter há muito recusado publicamente a participação nos protestos. A UNITA dissera que faltava credibilidade política ao protesto visto ter sido convocado por um grupo anónimo com uma agenda desconhecida.

"O partido angolano no poder não devia assustar as pessoas com uma nova vaga de violência para as dissuadir de expressarem livremente as suas opiniões", disse Daniel Bekele, diretor da divisão África da Human Rights Watch. "Um tal desrespeito pelas liberdades políticas fundamentais não é um bom prenúncio para as próximas eleições legislativas, em 2012".

A 4 de março, os líderes dos três partidos da oposição decidiram não participar no protesto de 7 de março. Disseram à Human Rights Watch que tinham recebido ameaças de morte anónimas pelo telefone e mensagens de texto. Manuel Fernandes, da coligação partidária POC, disse que os seus familiares tinham sido visitados por desconhecidos que os avisaram de que este podia vir a ser morto caso continuasse "a incitar à rebelião contra o presidente". Sediangani Bimbi do PDP-ANA disse ter recebido chamadas telefónicas e mensagens de texto anónimas a ameaçá-lo de que "qualquer coisa lhe iria acontecer" caso não ficasse em casa. As ameaças continuaram após os políticos terem cancelado a manifestação.

O advogado e destacado defensor dos direitos humanos, David Mendes, líder do Partido Popular e presidente da organização de direitos humanos Mãos Livres, disse à Human Rights Watch que recebeu várias ameaças de morte anónimas pelo telefone e mensagens de texto e que ficou particularmente preocupado na última semana após desconhecidos terem incendiado um carro pertencente à sua organização no Huambo e de lhe terem assaltado o carro, estacionado em sua casa. Esta semana, desconhecidos incendiaram o carro de outro célebre advogado da Mãos Livres, André Dambi, em sua casa. A Mãos Livres presta assistência legal e tem vindo a defender vítimas de abusos oficiais por todo o país.

"As ameaças de morte politicamente motivadas contra políticos da oposição, advogados e defensores dos direitos humanos são motivo de gravíssima preocupação", disse Bekele. "O governo de Angola deve explicar publicamente que tais ameaças constituem um crime e adotar todas as medidas necessárias para proteger os alvos das mesmas".

Human Rights Watch