Luanda - Para um balanço sobre os 35 anos de independência de Angola são obrigatórios dividir as fases históricas do processo de construção da nação e do Estado em três momentos facilitados pelas reformas constitucionais que deram lugar às três repúblicas desde 1975.
Obrigatório ainda é determinar que o processo de conquista da independência sofresse uma das maiores vicissitudes que pesa sobre os angolanos que hoje surge na veste de intolerância política demandando uma verdadeira política de reconciliação nacional. Essa vicissitude é sem dúvidas o desentendimento operado entre os principais movimentos de libertação nacional: FNLA, MPLA e UNITA, tendo causado todas as guerras civis que os angolanos conheceram até aos dias de hoje com fortes sequelas em cada cidadão.
PRIMEIRA REPÚBLICA
Surgida com independência de 1975, a I República caracteriza-se como um projecto de sociedade forçado sobre uma plataforma de conflitos políticos em que o MPLA, partido proclamador da independência, se vê obrigado a afastar a UNITA e a FNLA do Governo de Transição, proposto pelos acordos de Alvor assinado pelos três movimentos armados, como mecanismo de organização e preparação das primeiras eleições livres em Angola depois da colonização portuguesa. Pressionado pelas potências ocidentais, o MPLA-PT prefere governar sozinho submetendo o povo a um regime totalitarista promovendo no Estado nascente uma opção política fundamental de cariz socialista pro-comunista integrando desta feita o bloco socialista no contexto da guerra fria que promoveu a “cortina-de-ferro” contra o bloco capitalista. Com o Governo revolucionário do MPLA-PT, instala-se um ambiente legal, policial e político extremamente repressivo e os direitos, liberdades e garantias fundamentais são suprimidos ao mínimo. O cidadão não é uns elementos de plenos direitos constitucionais e como tal vê a sua soberania absolvida pelo partido-Estado que a exerce directamente na legitimação dos órgãos de soberania do Estado. A sociedade civil como tal é inexistente.
Apenas o trinómio Estado, partido e povo podem ser configurados dentro do sistema social emergente, embora sejam autorizadas representações de organizações internacionais como as nações Unidas. A economia é estatalizada com toda a propriedade privada transferida para o domínio público e apenas os indivíduos ligados ao sector público têm acesso a salário e ao fornecimento regular em bens de consumo mediante atribuição de cartões de abastecimento. Várias empresas estatais prestando desde serviços básicos aos mais complexos são criadas, muitas sobre património de empresas coloniais nacionalizadas.
Há então uma economia informal próximo da evolução artesanal que absorve os indivíduos “marginalizados” pelo sistema por falta de certos requisitos, nomeadamente falta de cumprimento do serviço militar obrigatório, certo grau de ensino geral concluído, documentos de cidadania nacional, etc., que sustenta maioritariamente os cidadãos regressados de países vizinhos (Zaíre, Zâmbia, etc.) por virtude do fim da colonização e dos últimos conflitos produzidas por ela. Após o massacre de 27 de Maio que dizima milhares de angolanos no seio do partido-Estado reforçado com a guerra desencadeada pelos desentendimentos no processo de independência pela FNLA e UNITA e seus parceiros estrangeiros, nasce um ambiente de suspeição generalizada no seu do MPLA-PT que leva o seu Presidente a proclamar mais tarde uma política nacional de clemência visando descomprimir o ambiente de medo entre os angolanos pelo perdão generalizado a todos aqueles que figuravam como “inimigos da pátria” (mormente do Estado socialista). O que proporcionou a rendição progressiva de números significativos de integrantes das forças militarizadas que desenvolviam a guerrilha pela UNITA ou pela FNLA, esta praticamente substituída no terreno militar pela FLEC-FLAC.
Nos finais dos anos oitenta, o projecto de Estado socialista, desgastado pelas guerras civis e por inimigos internos e externos do MPLA-PT era praticamente declarado falido, com os seus múltiplos programas sociais e económicos cronicamente disfuncionais para além do não acatamento efectivo de slogans e palavras de ordens (“o mais importante é resolver os problemas do povo”, “ao inimigo nem um palmo da nossa terra”, etc.) pela consciência colectiva frustrada pelo regime social e económico vigente. As empresas dirigidas maioritariamente por “gestores-guerrilheiros” (indivíduos da confiança do partido com curriculum e experiência duvidosa neste domínio) eram mantidas em situação técnica de falência (não tinham rendimentos) sustentada por “plafonds” desgastantes para o Orçamento Geral do Estado.
O lançamento do Programa de Saneamento Económico e Financeiro (SEF) bem como das “campanhas” de reforma empresarial do Estado pela política de redimensionamento e privatização são dos últimos argumentos na tentativa de salvar um sistema social gravemente atingido pela inoperância económica. Em 1991 os ideais de reforma política convencem o MPLA-PT que admite a democracia pluripartidária forçada pela UNITA e pelas circunstâncias internas do Estado, as conversações para os acordos de paz têm início e em 1992 – com as primeiras eleições livres – é enterrado o sistema social trazido pelo MPLA-PT e com ele desaparece a I República. O balanço é apenas positivo no que toca a admissão da reforma social e económica pelo MPLA sendo catastrófica no que tange as perspectivas de desenvolvimento social e económico. Afinal, o comércio é inoperante e a indústria é inexistente. A actividade informal de cariz artesanal sustenta grande parte da população angolana, o povo está empobrecido carregando consigo problemas sociais gravíssimos misturados com altas taxas de analfabetismo, mortalidade infantil entre outros problemas. Há quem, no desespero, prefira o regresso à colonização portuguesa. O sonho da independência inspirado pelo Primeiro Presidente da República (Dr. António Agostinho Neto) é já uma névoa nas esperanças dos angolanos e os rostos desenham a necessidade de uma salvação política diferente.
SEGUNDA REPÚBLICA
Em 1992 nasce a II República com a cessação dos conflitos armados protagonizados pela UNITA e o MPLA, por força dos acordos de Lusaka em que as duas forças entenderam lançar um país de vocação democrática assente no primado das leis. Mas Angola está destruída pelas guerras e enfraquecida pelos graves problemas sociais. As eleições livres acontecem num clima de suspeições, não produzem os efeitos esperados pelo povo e a frustração das partes leva ao reinício das guerras civis para o desespero de todos os angolanos. Como consequência, as previsões constitucionais de um regime social e económico aberto a participação do indivíduo e à livre concorrência são “arquivados” e o povo vai enfrentar ainda o fantasma do partido-Estado com o MPLA procurando reformar os seus velhos hábitos de gestão da coisa pública. O país mergulha numa economia de concorrência selvagem onde a corrupção e o clientelismo são palavras de ordem para os “novos-ricos”. Há uma confusão nas estruturas sociais onde a permissão de uma economia de livre concorrência é misturada a uma ditadura política persistente desde a primeira República, e como tal a economia privada não nasce ante a um conjunto de constrangimentos políticos.
Contudo, há um Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN) que junta partidos da oposição ao MPLA na governação do Estado configurando um “cocktail político dos diabos” em que os que acusam de má governação podem ser vistos a participar dela, sendo contudo uma experiência muito válida para a manutenção de um clima de esperança para dias melhores. Em 2002 está claro que a guerra faz parte do passado, com a morte do líder da UNITA e rendição de todas as suas forças militares. Durante 16 anos as eleições democráticas não aconteceram e o clima de relativa paz vai levar o MPLA a organizar e a realizar as segundas eleições legislativas em 2008 vencendo-a esmagadoramente.
Nesta II República, os momentos relevantes são notáveis desde 2002 em que a consolidação do processo de paz iniciado em 1992 é nota dominante e pela primeira vez na história da Angola independente o MPLA dirige sem guerras civis de abrangência nacional (há a descontar as operações militares da FLEC-FLAC em Cabinda). Porém, a situação social requer reformas urgentes e profundas. José Eduardo dos Santos dá então um passo significativo: contrai empréstimos volumosos da República Popular da China para acelerar a corrida contra o subdesenvolvimento, embora os seus termos em muito sejam contestáveis. O crescimento económico proporciona está ousadia e temos então Angola a caminhar para algum lado depois de 1975, mesmo quando persistem os profundos problemas sociais herdados da primeira República.
TERCEIRA REPÚBLICA
Com os últimos resultados eleitorais, a Lei constitucional sofre um duro golpe procedimental dando lugar a uma nova reforma precipitando a III República. O MPLA quer uma direcção isolada (sem o GURN ou sombras de fortes partidos de oposição) para começar a corrida ao desenvolvimento numa estratégia em que privilegia a dimensão económica (infra-estruturas técnicas e sociais) em detrimento das políticas sociais de emergência e sustentáveis. Há uma atenção virada para a reconstrução nacional que inclui áreas não vocacionais como a construção do parque imobiliário residencial e o relançamento do sector empresarial do Estado em áreas de plena concorrência com o sector privado. Os volumosos recursos aí mobilizados não permitem um programa de saúde e educação que inspire novos ânimos. Com a reestruturação do Governo, nasce uma dinâmica que inspira uma acelerada reforma jurídico-legal sobretudo no plano infra-ordinário e pela primeira vez a vontade de prestação pública de contas do Estado que permite uma certa monitorização dos programas executivos.
Finalmente acontece um discurso à nação na Assembleia Nacional em Outubro deste ano. As estatísticas no sector social ainda são assustadoras (altas taxas de mortalidade infantil, índices elevados de desemprego e de habitação social condigna entre outros problemas). O executivo porém, persiste “no caminho certo” com o privilégio sobre o plano da reconstrução de infra-estruturas económicas numa visão em que o Estado é o único proporcionador do bem-estar económico e social dos cidadãos diante de uma economia privada inexistente.
OS DESAFIOS DA TERCEIRA REPÚBLICA
Chegados neste ponto, não é difícil delinear os desafios dos angolanos para os próximos tempos: a conversão da economia pública para uma economia privada organizada e crescente, a devolução do Estado ao sector público libertando-se das actividades de natureza privada, a reconciliação nacional que passa pela nova aculturação política do partido no poder e uma nova perspectiva de desenvolvimento (sustentável).
1. Economia privada
A economia privada, esta quimera dos anos 90, esta difícil de parir porque o executivo persiste numa política de estatalização da economia em que o sector público condiciona toda a actividade económica nacional incluindo a actividade da banca comercial. Para que ela nasça efectivamente é necessária uma política de organização e estruturação deste sector que passa pela abertura da Bolsa de Valores e Derivados de Angola como alavanca impulsionadora do mercado financeiro angolano, este proporciona o surgimento de serviços e agentes financeiros que diversificam a sustentação da economia privada nascendo assim uma classe empresarial multissectorial. Os índices de emprego sobem e os salários gerados pela concorrência melhoram as condições de vidas dos cidadãos em particular e os rendimentos dos particulares em geral. O que encoraja o sistema bancário a actuar na economia privada. Para tanto, uma nova política fiscal deve ser estabelecida, o sistema cambial estabilizado, a política aduaneira facilitada e a política comercial aberta à região da SADC e ao investimento estrangeiro entre outras medidas não difíceis de divisar pela boa vontade política.
2. Estado Social
O Estado deve abandonar com urgência a política de mobilização de investimentos públicos para sector de concorrência privada tais como o de fomentos e desenvolvimento habitacional e o do relançamento empresarial. Privilegiando a política de fomento empresarial pelo apoio e o incentivo das parcerias público-privadas. O Estado passa a ter uma intervenção reguladora na economia e deve assumir a política de defesa nacional, saúde e educação concentrando nestes sectores os mais avultados recursos disponíveis, com destaque não já na política de redistribuição da riqueza mas do fomento de emprego pela criação de infra-estruturas económicas que suportem um empresariado nacional facilitado e apoiado pelo Estado através de múltiplos incentivos e facilidades incluindo uma política fiscal motivadora.
3. Partidos políticos democráticos
Angola continua a manter um sistema de privilégios que favorece largamente quem milita nas fileiras do partido no poder. A UNITA e o MPLA dividem os grupos sociais com tendências ao radicalismo exclusivista e a supressão dos interesses nacionais em favor do partido e seus líderes. É a fonte da intolerância política e do medo generalizado do povo que recomenda uma política de reconciliação nacional efectiva e urgente. A reforma da Lei dos Partidos Políticos bem como a prática destes deve orientar-se para a harmonia social e a promoção dos interesses nacionais diluindo o divisionismo social que impede a mobilização e junção dos esforços individuais para o desenvolvimento.
4. Modelo de desenvolvimento
No balanço do crescimento económico o Estado deve projectar um desenvolvimento urgente socorrido por um empresariado nacional crescente que assuma os riscos de investimentos em sectores não vocacionais do Estado, permitindo deste modo a mobilização de recursos para sectores estratégicos para o desenvolvimento sustentável como a educação, a saúde, a defesa nacional com actuação marcada por um intervencionismo indirecto para toda a economia privada. Falaríamos então num desenvolvimento económico sustentável proporcionador do bem-estar social dos cidadãos.
FONTE: Club K / Folha8
Albano Pedro