sábado, 30 de junho de 2018

FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (FMI) E AS POLITICAS ERRADAS DE ANGOLA. OS PERIGOS DA DEGRADAÇÃO ECONOMICO SOCIAL DA POPULAÇÃO


FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (FMI) E AS POLITICAS ERRADAS DE ANGOLA. OS PERIGOS DA DEGRADAÇÃO ECONOMICO SOCIAL DA POPULAÇÃO


É evidente que Angola terminou a era José Eduardo dos Santos isolada e sem credibilidade internacional, o que lhe provocou (e provoca) muitos constrangimentos económico-financeiros, como a falta de acesso a divisas e à plenitude do sistema bancário mundial. Por isso, não admira que um dos principais objectivos iniciais da presidência de João Lourenço seja o reestabelecimento de pontes com as entidades internacionais, sobretudo de cariz económico e financeiro. É nessa vertente que se enquadra a presente aproximação ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e vice-versa.


O FMI tem-se mostrado aberto à aproximação de João Lourenço, o que se traduz em comunicados amenos e com perspectivas positivas sobre a economia angolana, em contraste com o tom geral de desconfiança que caracterizou a história recente de Angola com o FMI.


No início dos anos 2000, José Eduardo dos Santos não chegou a acordo com o FMI para uma intervenção financeira alargada que proporcionasse os fundos para a reconstrução angolana no pós-guerra. Muitos comentadores apontam que este foi o momento fundamental em que Angola resolveu voltar-se para a China e começou a grande corrupção desenfreada. Foi também o FMI que denunciou alguns desaparecimentos misteriosos de fundos bilionários nas contas públicas de Angola ao longo da década 2000. Contudo, em 2009, Angola precisou de recorrer, finalmente, a dinheiro do FMI, tendo realizado um chamado acordo standby, o qual lhe permitiu suprir as suas necessidades imediatas de financiamento. Embora o acordo contivesse várias cláusulas de reforma político-administrativa, o FMI foi bastante benevolente e não exigiu a sua implementação. Ainda assim, José Eduardo dos Santos deve ter-se sentido incomodado com a intervenção externa. Em 2016, quando a questão se colocou novamente e parecia que Angola iria recorrer novamente a um empréstimo, no último minuto Dos Santos desautorizou a aproximação ao Fundo. Ainda agora, João Lourenço “namora” com o Fundo, mas não estabelece compromissos firmes com ele.


Apesar deste historial de desconfiança, a verdade é que, neste momento, o discurso oficial angolano alinha com o FMI, e nessa medida têm sido anunciadas políticas económicas alinhadas com as propostas do Fundo.


Por sua vez, o próprio FMI, no seu relatório sobre a conclusão da Missão a Angola em 2018 de Consulta ao Abrigo do Artigo IV, faz várias propostas concretas para a economia angolana, de que se destacam:


– Estabelecimento do IVA em 2019. Temos aqui a proposta de um novo imposto sobre as transacções;
– Racionalização da despesa pública. Isto quer dizer cortes nos gastos do Estado, nomeadamente nos subsídios aos combustíveis e outros bens, o que aumentará o seu custo para os cidadãos;
– Encerramento de empresas estatais não viáveis. Obviamente, isso implica despedimentos, com graves consequências sociais;
– Privatização e reestruturação das empresas estatais viáveis. A palavra reestruturação é, de um modo geral, sinónimo de mais despedimentos;
– Finalmente, o FMI propõe a concentração e reestruturação da Sonangol. Sobre este tema, já escrevemos em recente artigo.

A receita do FMI, que aparentemente está a ser adoptada pelo Governo, tem três ingredientes:

i) Aumento de impostos;
ii) Aumento de preços;
iii)           Despedimentos no sector público.


Isto tem sentido no âmbito do modelo económico em que o FMI habitualmente se move: o de uma economia de mercado, em que o preço livre dos bens e serviços e dos factores de produção é o elemento-chave que garante a eficiência do sistema. E enfatize-se que nesta coluna também defendemos as virtudes do mercado, da economia livre e concorrencial e da competição.


O problema do modelo do FMI não está na teoria. O problema do modelo do FMI está na realidade. Angola não é uma economia livre de mercado. Angola é uma economia oligopolista subdesenvolvida com forte intervenção estatal, com uma enorme pobreza e uma distorção estrutural introduzida pela corrupção. Consequentemente, não se pode aplicar o modelo simples da oferta e da procura de mercado antes de reformar profundamente a economia. Isto quer dizer o seguinte: primeiro, tem de se criar uma economia livre e competitiva em Angola; só depois podem ser aplicadas as chamadas políticas de estabilização macroeconómica propostas pelo FMI (que se resumem a aumentos e despedimentos).


Assim, o apoio do FMI, do Banco Mundial ou de qualquer outra instituição deve ser utilizado para criar uma nova economia, não para aplicar receitas de um modelo a outro modelo completamente diferente. Utilizando uma metáfora médica, estas políticas do FMI para Angola são como cortar a perna a um doente que precisa de um coração novo. O que tem de ser estudado e implementado é um movimento de transição da economia do modelo oligárquico fechado que temos agora para o modelo liberal de mercado.



Vejamos um exemplo: Temos uma empresa Y que controla o sector X da economia. Se subirmos os preços dos bens desse sector, o único beneficiário será essa empresa única. Antes era subsidiada pelo Estado, acabam os subsídios, aumentam os preços e a empresa passa ser subsidiada pela população, que paga mais. Em si mesmo, sem concorrência, sem outro estímulo, a empresa não vai fazer nada de novo. Apenas o povo sai prejudicado com preços mais altos. Portanto, há que começar por desmantelar essa empresa Y ou deixar novas empresas entrarem no mercado do sector X. Só aí haverá mercado, e então, provavelmente, não será preciso aumentar os preços, uma vez que as empresas, ao competirem umas com as outras, tornam-se mais eficientes.



Não compreender isto é o grande erro do FMI: não ver que antes da conjuntura vem a estrutura – antes de mudar de fato, há que tomar banho, caso contrário o fato fica logo sujo.


Por consequência, só depois de se criar uma economia de mercado e competitiva em Angola será possível deixar funcionar os respectivos mecanismos.


Em resumo, não tem sentido aumentar o preço dos combustíveis sem ter um mercado de combustíveis em funcionamento, o mesmo valendo para a água e todos os outros aumentos anunciados pelo governo.