FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL
(FMI) E AS POLITICAS ERRADAS DE ANGOLA. OS PERIGOS DA DEGRADAÇÃO ECONOMICO
SOCIAL DA POPULAÇÃO
É
evidente que Angola terminou a era José Eduardo dos Santos isolada e sem
credibilidade internacional, o que lhe provocou (e provoca) muitos
constrangimentos económico-financeiros, como a falta de acesso a divisas e à
plenitude do sistema bancário mundial. Por isso, não admira que um dos
principais objectivos iniciais da presidência de João Lourenço seja o
reestabelecimento de pontes com as entidades internacionais, sobretudo de cariz
económico e financeiro. É nessa vertente que se enquadra a presente aproximação
ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e vice-versa.
O
FMI tem-se mostrado aberto à aproximação de João Lourenço, o que se traduz em
comunicados amenos e com perspectivas positivas sobre a economia angolana, em
contraste com o tom geral de desconfiança que caracterizou a história recente
de Angola com o FMI.
No
início dos anos 2000, José Eduardo dos Santos não chegou a acordo com o FMI
para uma intervenção financeira alargada que proporcionasse os fundos para a
reconstrução angolana no pós-guerra. Muitos comentadores apontam que este foi o
momento fundamental em que Angola resolveu voltar-se para a China e começou a
grande corrupção desenfreada. Foi também o FMI que denunciou alguns
desaparecimentos misteriosos de fundos bilionários nas contas públicas de
Angola ao longo da década 2000. Contudo, em 2009, Angola precisou de recorrer,
finalmente, a dinheiro do FMI, tendo realizado um chamado acordo standby,
o qual lhe permitiu suprir as suas necessidades imediatas de financiamento.
Embora o acordo contivesse várias cláusulas de reforma político-administrativa,
o FMI foi bastante benevolente e não exigiu a sua implementação. Ainda assim,
José Eduardo dos Santos deve ter-se sentido incomodado com a intervenção
externa. Em 2016, quando a questão se colocou novamente e parecia que Angola
iria recorrer novamente a um empréstimo, no último minuto Dos Santos
desautorizou a aproximação ao Fundo. Ainda agora, João Lourenço “namora” com o
Fundo, mas não estabelece compromissos firmes com ele.
Apesar
deste historial de desconfiança, a verdade é que, neste momento, o discurso
oficial angolano alinha com o FMI, e nessa medida têm sido anunciadas políticas
económicas alinhadas com as propostas do Fundo.
Recentemente, foi
anunciado que o preço do metro cúbico da água potável na província de Luanda ia
duplicar. Também foi ensaiada uma comunicação de duplicação
do preço da gasolina e do gasóleo em oito meses, sob proposta do FMI. Na
Universidade Agostinho Neto, fala-se
igualmente em cobrança de propinas.
Por
sua vez, o próprio FMI, no
seu relatório sobre a conclusão da Missão a Angola em 2018 de Consulta ao
Abrigo do Artigo IV, faz várias propostas concretas para a economia
angolana, de que se destacam:
–
Estabelecimento do IVA em 2019. Temos aqui a proposta de um novo imposto sobre
as transacções;
–
Racionalização da despesa pública. Isto quer dizer cortes nos gastos do Estado,
nomeadamente nos subsídios aos combustíveis e outros bens, o que aumentará o
seu custo para os cidadãos;
–
Encerramento de empresas estatais não viáveis. Obviamente, isso implica
despedimentos, com graves consequências sociais;
–
Privatização e reestruturação das empresas estatais viáveis. A palavra
reestruturação é, de um modo geral, sinónimo de mais despedimentos;
–
Finalmente, o FMI propõe a concentração e reestruturação da Sonangol. Sobre
este tema, já escrevemos em recente
artigo.
A
receita do FMI, que aparentemente está a ser adoptada pelo Governo, tem três
ingredientes:
i)
Aumento de impostos;
ii)
Aumento de preços;
iii)
Despedimentos no sector público.
Isto
tem sentido no âmbito do modelo económico em que o FMI habitualmente se move: o
de uma economia de mercado, em que o preço livre dos bens e serviços e dos
factores de produção é o elemento-chave que garante a eficiência do sistema. E
enfatize-se que nesta coluna também defendemos as virtudes do mercado, da
economia livre e concorrencial e da competição.
O
problema do modelo do FMI não está na teoria. O problema do modelo do FMI está
na realidade. Angola não é uma economia livre de mercado. Angola é uma economia
oligopolista subdesenvolvida com forte intervenção estatal, com uma enorme
pobreza e uma distorção estrutural introduzida pela corrupção.
Consequentemente, não se pode aplicar o modelo simples da oferta e da procura
de mercado antes de reformar profundamente a economia. Isto quer dizer o
seguinte: primeiro, tem de se criar uma economia livre e competitiva em Angola;
só depois podem ser aplicadas as chamadas políticas de estabilização macroeconómica
propostas pelo FMI (que se resumem a aumentos e despedimentos).
Assim,
o apoio do FMI, do Banco Mundial ou de qualquer outra instituição deve ser
utilizado para criar uma nova economia, não para aplicar receitas de um modelo
a outro modelo completamente diferente. Utilizando uma metáfora médica, estas
políticas do FMI para Angola são como cortar a perna a um doente que precisa de
um coração novo. O que tem de ser estudado e implementado é um movimento de
transição da economia do modelo oligárquico fechado que temos agora para o
modelo liberal de mercado.
Vejamos
um exemplo: Temos uma empresa Y que controla o sector X da economia. Se
subirmos os preços dos bens desse sector, o único beneficiário será essa
empresa única. Antes era subsidiada pelo Estado, acabam os subsídios, aumentam
os preços e a empresa passa ser subsidiada pela população, que paga mais. Em si
mesmo, sem concorrência, sem outro estímulo, a empresa não vai fazer nada de
novo. Apenas o povo sai prejudicado com preços mais altos. Portanto, há que
começar por desmantelar essa empresa Y ou deixar novas empresas entrarem no
mercado do sector X. Só aí haverá mercado, e então, provavelmente, não será
preciso aumentar os preços, uma vez que as empresas, ao competirem umas com as
outras, tornam-se mais eficientes.
Não
compreender isto é o grande erro do FMI: não ver que antes da conjuntura vem a
estrutura – antes de mudar de fato, há que tomar banho, caso contrário o fato
fica logo sujo.
Por
consequência, só depois de se criar uma economia de mercado e competitiva em
Angola será possível deixar funcionar os respectivos mecanismos.
Em
resumo, não tem sentido aumentar o preço dos combustíveis sem ter um mercado de
combustíveis em funcionamento, o mesmo valendo para a água e todos os outros
aumentos anunciados pelo governo.