PS, PSD, CDS e PCP "são
cúmplices da ditadura angolana" diz José Eduardo agualusa
Em
entrevista à Renascença, o escritor e activista afirma que a presença de quase
todos os partidos portugueses no congresso do MPLA reforça a ideia de que
Portugal apoia o regime. E prejudica a imagem da comunidade portuguesa em
Angola.
Foto: Pedro Rios/RR
Lusa
José Eduardo Agualusa receia prejuízos para a comunidade portuguesa em Angola com a presença de partidos portugueses no congresso do MPLA.
Com excepção do Bloco de Esquerda, de Os Verdes e do PAN, todos os partidos com assento parlamentar estarão representados no congresso do partido do actual Presidente, José Eduardo dos Santos.
Em
entrevista à Renascença, o escritor angolano lamenta que PS, PSD, CDS e PCP
estejam a “apoiar” e a "caucionar" o regime ditatorial de José
Eduardo dos Santos. "São cúmplices de uma ditadura, porque é isso que
existe em Angola", diz.
Espera alguma novidade deste congresso do MPLA?
Não creio que se possa esperar muito. Parece mais do mesmo. Não só José Eduardo dos Santos é candidato como é candidato único, não houve outra lista concorrente. Há poucas caras novas neste comité central e poucas surpresas. A maior surpresa foi a saída de Ambrósio Lukoki, que é um veterano e um nome histórico do MPLA, que saiu batendo a porta com críticas fortes ao José Eduardo dos Santos e também com críticas ao facto de terem entrado no comité central do partido dois dos filhos do Presidente, que nunca tiveram grande actividade partidária.
Como se pode ler o facto de Eduardo dos Santos ser candidato único à liderança do MPLA, pouco depois de ter anunciado que iria sair da vida política a breve prazo?
A única leitura possível é que essa vontade de sair não existe. O José Eduardo dos Santos já anunciou várias vezes que iria sair e nunca o fez. Dizer que vai sair depois de ganhar as eleições é muito estranho, primeiro, porque em democracia nenhum partido sabe se vai ganhar ou se não ganhar eleições e, depois, porque em democracia ninguém anuncia que vai sair após as eleições, depois de ganhar as eleições, porque ninguém votaria nessa pessoa.
Tudo leva a crer que José Eduardo dos Santos vai perpetuar-se no
poder?
O que é possível concluir é a própria falta de democraticidade dentro do partido no poder. Este é o sétimo congresso do MPLA em 59 anos. A UNITA, na oposição, já fez 12 congressos e é um partido bem mais jovem do que o MPLA. Nos congressos da UNITA tem havido listas concorrentes e com grande participação e disputa. No MPLA nada disto existe. Não há outras listas de candidatos, não há ninguém que se atreva a candidatar-se contra José Eduardo dos Santos.
São de esperar momentos conturbados em Angola com a manutenção de Eduardo dos Santos no poder?
A situação,
infelizmente, aponta para isso. Há cada vez mais tensão social, mais
descontentamento. Esta crise está para durar, porque o preço do petróleo não
deverá aumentar.
Esse descontentamento pode levar à saída do Presidente?
Pode. Eu acho que é isso que vai acontecer. Uma vez que o Presidente não parece estar a preparar a sua saída, pelo menos num quadro democrático, a impressão que se tem é que se caminha para o afastamento forçado do José Eduardo dos Santos, mais dia, menos dia.
Como é que olha para esta participação em massa dos partidos portugueses no congresso do MPLA?
Não me parece seja algo de que os portugueses que elegeram esses deputados e que votam nesses partidos se possam orgulhar. Há apenas um partido do Parlamento que não está presente, que é o Bloco de Esquerda, honra lhe seja feita. Todos os outros são cúmplices de uma ditadura, porque é isso que existe em Angola. Esses partidos estão a caucionar uma ditadura, a apoiar um regime totalitário. Quando esse regime cair, todos eles vão tentar afastar-se, mas a história guardará esses nomes.
O cuidado a ter com a vasta comunidade portuguesa em Angola justifica esta participação dos partidos no congresso do MPLA?
Acho que é exactamente o contrário. Quando se pensa numa relação a longo prazo, tem que se pensar na relação entre povos, não na relação entre regimes. Este foi o erro que se cometeu com a África do Sul no tempo do “apartheid”, quando se apoiou o “apartheid” até ao fim. Isso não beneficiou nada a comunidade portuguesa, pelo contrário, prejudicou imenso a comunidade portuguesa, que ainda hoje é vista como uma comunidade que apoiou o “apartheid”.
A longo prazo, esta atitude não beneficiaria em nada a comunidade portuguesa, que hoje já não é vista com bons olhos em Angola. É vista como uma comunidade que sustenta o regime. Há diferentes comunidades portuguesas em Angola, há portugueses que estão em Angola há muito tempo e estão perfeitamente integrados e depois há estes novos portugueses que foram em busca de negócios, tentarem fazer a sua vida sem terem grande ligação aos angolanos, nem procurarem ter essa ligação. São comunidades muito diferentes, mas, de uma forma geral, este tipo de atitude não beneficia nada.
Se houver uma grande alteração no poder político em Angola essa imagem dos portugueses pode ser revertida?
Pode ser ou não ser. Vamos esperar que sim. Há portugueses que estão há muitos anos em Angola, que estão completamente integrados, fazem parte do tecido angolano e são eles, sobretudo, que fazem a imagem de Portugal. Mas existe essa outra imagem. Há muita gente em Angola que vê os portugueses como oportunistas, pessoas que vão apenas em busca de negócios, tentando fazer dinheiro rápido e esse tipo de apoio ao partido no poder. Nas circunstâncias actuais, em que esse poder se está a desagregar e existe uma situação de grande sofrimento para a maioria dos angolanos (a situação a nível de saúde é catastrófica, por exemplo), o apoio ao regime não é bem visto.
A crise e o descontentamento podem causar uma viragem no poder em Angola, em breve?
Acredito que sim. Acho que os partidos políticos da oposição, as organizações não-governamentais, a Igreja, os académicos, todas as forças que pensam Angola, deviam começar a preparar-se para essa transição, para que possa ocorrer de forma pacífica. Existe o perigo de as coisas correrem mal, porque este regime está a fazer o possível para que as coisas corram mal. Não há um processo de transição democrático e, muito pelo contrário, o que acontece é um agravamento diário da situação social. Os dias actuais são muito perigosos, o que pode acontecer a seguir é muito perigoso. Seria bom que a oposição e as forças democráticas dentro do partido no poder, que também existem, se começassem a preparar para a transição, para o período pós-José Eduardo dos Santos.
A Igreja angolana condenou recentemente o actual momento no país. É um sinal de que algo pode estar a mudar em Angola?
Sim, sem dúvida. A Igreja tinha estado calada durante muitos muitos anos e finalmente falou, tomou uma posição muito crítica. Dentro do MPLA também estão a surgir algumas vozes extremamente críticas. Numa entrevista após ter abandonado o comité central, Ambrósio Lukoki acusa o Presidente de estar a degradar a imagem do próprio partido e pede o afastamento do Presidente. São dados novos. Até há pouco tempo era muito difícil escutar vozes dentro do próprio partido a contestar José Eduardo dos Santos. Tudo isso são sinais de grande descontentamento. Eu não tenho dúvida nenhuma que José Eduardo dos Santos vai cair, a dúvida é como vai cair.