NO PASSADO NINGUÉM TOCA, Angola.
DEMOCRACIA? ONDE? ONDE?
Os partidos políticos estão para as democracias (quando estas existem)
como o sangue está para o corpo humano (quando este está vivo), razão pela qual
o funcionamento organizado e com elevado sentido de Estado dos partidos
constitui um ganho inestimável… nas democracias.
Orlando Castro* – Folha 8
Numa
altura em que, supostamente, nos aproximamos do período de realização de actos
que devem levar às próximas eleições gerais, não há dúvidas de que urge
enaltecer uma coexistência política pacífica, deste que os subalternos não
ponham em dúvida a supremacia de quem está no poder.
E nisto, os partidos políticos
enquanto forças que lutam por meios democráticos (quando há democracia) para
alcançar, exercer e manter o poder político devem dar exemplos claros,
inequívocos e firmes de tolerância, convivência na diversidade, entre outros.
Isto é, repita-se, quando se vive em democracia.
Todos os sectores políticos (com
excepção dos afectos ao poder) percebem melhor a importância da adopção das
melhores práticas, baseadas essencialmente na tolerância, na aceitação da
diferença e no pressuposto de que acima estão (ou deveriam estar) os interesses
de Angola. Essa deve ser, entre outros gestos, a mensagem que os partidos (fica
na dúvida se o MPLA se pode incluir) têm que passar para a sociedade angolana,
sobretudo nesta altura em que Angola se encontra na fase de um dia chegar a uma
democracia de facto e não apenas formal.
Temos um histórico, relativamente
aos esforços para implementação do processo democrático “imposto”, segundo as
palavras do próprio presidente do MPLA, que um dia permitirá a cada angolano
encarar a democracia como uma conquista de todos, mau grado a alergia do
partido no poder desde 1975. Não está a ser um processo fácil chegarmos aos
níveis de coabitação política. É que se o poder corrompe, o poder absoluto
corrompe de uma ponta à outra.
Como sabemos, tratou-se de uma
caminhada que podia, naturalmente, acarretar desafios para todos os
intervenientes atendendo a que a vida em democracia implica, ou deve implicar,
sempre ajustes a todos os níveis. As autoridades angolanas (o MPLA desde a
independência) abraçaram o repto da democracia (“imposta”, repita-se, segundo
José Eduardo dos Santos) e, tal como reza a História, foram as primeiras a pôr
em causa os fundamentos em que devia assentar o futuro do país.
Acreditamos que o alcance da paz,
em 2002, que contribuiu para a retoma do processo democrático sempre defendido
pela oposição, em todo o país, permitiu a todos os actores políticos fazer uma
avaliação positiva das vantagens do jogo democrático, mau grado seja um sistema
que não agrada ao MPLA cujo ADN só vê os tempos áureos do partido único.
As formações políticas, acompanhadas de todos os outros actores que, exceptuando a conquista do poder político, desempenham o papel cívico e interventivo de influência, constituem uma espécie de espinha dorsal da democracia, quando ele existe. E precisam de continuar a fazer prova das suas atribuições e responsabilidades na medida em que os partidos políticos representam a esperança de milhares de angolanos, sem esquecer que para quem manda… o MPLA é Angola e Angola é o MPLA.
Por isso é que a Constituição da
República determina que os partidos devem, no âmbito das suas atribuições e
fins, contribuir para a consolidação da nação angolana e da independência
nacional, para a salvaguarda da integridade territorial, para o reforço da
unidade nacional, para a protecção das liberdades fundamentais e dos direitos
da pessoa humana, entre outros. Determinar, determina. Mas acima da
Constituição está, tem estado sempre, a vontade do MPLA.
Vai começar em todo o país o
processo de actualização do registo e o registo eleitoral propriamente dito,
uma realidade em que se vão envolver representantes de vários partidos, segundo
as regras determinadas por quem está no poder. A nossa expectativa é que as
formações se engajem para, como as disposições legais assim o requerem, haja
maior participação, maior democraticidade,
transparência, entre outros
factores.
É preciso que as instituições do
Estado (e não as do regime que, até agora, são uma e a mesma coisa) reforcem os
mecanismos de sensibilização junto das populações para que estas, tal como no
passado, estejam à altura dos desafios que o país volta a testemunhar com a
preparação do processo eleitoral.
Mas insistimos que maiores
desafios recaem sobre os principais actores da cena política, nomeadamente os
partidos políticos que deverão fazer advocacia da coexistência pacífica entre
todas e diferentes sensibilidades políticas, lembrando-se uma das regras de
ouro do MPLA: Olhai para o que dizemos e não para o que fazemos.
Não é exagerado pedir e esperar
que as formações políticas (será que se pode incluir o MPLA?) contribuam para
que a disputa política não se transforme numa espécie de arena em que impera o
vale tudo… sendo que quem manda tem poderes que nega aos outros. É que as bases
de apoio, os militantes e os simpatizantes dos partidos políticos sejam capazes
de aperfeiçoar as normas de convivência que os caracterizam.
Independentemente das falhas que
resultam da condição da natureza humana limitada, não há dúvidas de que podemos
ainda assim fazer prova das boas práticas em sociedade, assim o MPLA dê um
sério exemplo de que está interessado nisso. As diferenças ideológicas, se as
há, as diferentes perspectivas de cada segmento relativamente às fórmulas para
desenvolver Angola contidas nos programas e estratégias, não superam todo o
conjunto de pressupostos que unem os angolanos. Não é assim, mas deveria ser
assim.
Os objectivos que todos
perseguimos para ver Angola crescer para que o bem-estar de todas as famílias
seja uma realidade não são predicados de partidos, mas são metas de todos os
angolanos. Acreditamos que a construção de uma sociedade livre, justa,
democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social é uma meta de
todos os partidos políticos. O passo e o presente mostram e demonstram o
contrário. Veremos.
Esperamos que nesta fase em que
nos aproximamos do registo eleitoral, os partidos políticos se engajem num
processo de mobilização com grande teor pedagógico junto das suas bases de
apoio, dos seus militantes, simpatizantes e todos os angolanos. Que o empenho
para o sucesso do registo eleitoral por parte dos partidos políticos não se
verifique apenas no acompanhamento e fiscalização do processo, mas que sirva
para provar que poderemos ser aquilo que ainda não somos, uma democracia e um
Estado de Direito.
Nota: Texto baseado num artigo
anónimo (presume-se que seja da autoria da Direcção) publicado hoje no Pravda,
Boletim Oficial do regime ou Jornal de Angola, sob o título “Uma democracia
forte”.
*Diretor-adjunto