segunda-feira, 8 de agosto de 2016

PORTUGAL E A LUNDA NA VIRADA DO SÉCULO XIX -(II)

PORTUGAL E A LUNDA NA VIRADA DO SÉCULO XIX -(II)



Além das questões de ordem diplomática que Portugal enfrentaria com os Belgas, na região do Cassai o soba tchokwe Calendende – o mesmo que matara um alferes português em 1908 – proibira a entrada dos prospectores na região que vai do leste de Chicapa até o Cassai.



Em novembro de 1913 quatro novos prospectores britânicos vieram do Cassai Belga, mas Calendende era cada vez mais incômodo para os planos da PEMA. E foi somente graças ao trabalho de um capitão chamado António Brandão de Melo que municiado de alguns homens, carros bôers e armas, conseguiu chegar a Luachimo em maio de 1914 para dar início aos primeiros trabalhos de prospecção de diamantes. Mas a Lunda estava longe de ser pacificada, tanto que era preferível para a Companhia de Diamantes mandar vir do centro do país – via caminho de ferro do Bié – os materiais que necessitava do que cortar a Lunda.



Finalmente em 1916, os portugueses conseguiram chegar até o Cassai na região de Chiluage ou Txiluange a partir de Henrique de Carvalho actual Saurimo e, inclusive, construíram um posto defronte à concessão de exploração diamantífera dos belgas do outro lado do rio. Por questões estratégicas em 1917 a Lunda foi separada de Malange e Saurimo fora escolhida para a sede do novo distrito. Em 1917, do ponto de vista português, havia muito que fazer para se avançar a ocupação deste longínquo nordeste, pois os belgas também colaboravam para o retardar da penetração portuguesa na Lunda ao vender pólvora em grandes quantidades aos Tchokwes no lado belga do Cassai.



No final deste mesmo ano, a Companhia de Pesquisas Mineiras de Angola (PEMA) forma a Companhia de Diamantes de Angola (Diamang), empresa formada por capitais mistos oriundos de vários países como Estados Unidos, Inglaterra, Bélgica, Portugal e África do Sul.



O início das pros­pecções manuais de diamantes sob os auspícios da Diamang estabeleceu na Lunda – agora ainda mais visada – uma tensa relação de forças entre as sociedades tradicionais africanas e a empresa diaman­tífera. A partir do final de 1917 a Diamang passou a recrutar nos sobados locais os trabalhadores de que necessitava, e eram muitos. Este recrutamento gerou muitos conflitos – principalmente entre os Tchokwes – que na maioria dos casos terminava com mortes dos membros dos destacamentos que recrutavam mão de obra.



Todavia, as autoridades portuguesas nesse momento pouco fizeram na Lunda para estabelecer sua presença efectiva, a bem da verdade que era a própria Diamang que estabelecia a presença portuguesa em vários dos milhares de quilômetros da Lunda. Na Lunda, o domínio português sobre o grande grupo etnolinguístico Lunda Tchokwe ainda era pequeno, todavia, como frisa Pélissier, foram os quiocos do nordeste de Angola quem iriam suportar o peso das exigências da Diamang. Esta esforçou-se por obter a ocupação militar da sua concessão, a fim de conseguir a calma ne­cessária à continuação das prospecções e os milhares de homens que a exploração exige todos os anos (PÉLISSIER, 1986, p. 389).



No intuito de resolver tal ordem de problemas, em 1920 o novo governador da Lunda, o capitão Francisco Martins de Oliveira Santos estabeleceu como uma de suas metas vencer o soba Calendende e outros chefes tchokwes que vinham já desde 1912 resistindo bravamente ao avanço da presença portuguesa na área diamantífera. No final da década de 1910 o interesse com a pacificação dos tchokwes não era apenas português, mas de um conglomerado multinacional sedento pelos diamantes do Rio Cassai e seus afluentes.



Para efectivar seu objectivo, Francisco Santos organizou duas colunas militares, uma que seguiu pelo centro e leste e uma segunda que avançou pelo oeste. A primeira coluna partiu a 2 de junho de 1920 do posto de Capaia, próximo a Luchico, composta por cerca de 385 homens, em sua maioria quiocos recrutados localmente. Seria enfadonho a descrição das idas e vindas desta campanha com duração de cerca de quatro meses e que empurrou os tchokwes até à fronteira belga.



Durante este encalço muitas senzalas foram incendiadas, como também alguns destacamentos portugueses sofreram retaliações. O que se deve destacar, de acordo com a análise de Pélissier, é o facto de que a resistência militar tchokwe talvez não passasse de um mito surgido no âmbito da administração portuguesa. A nosso ver esse mito talvez tenha surgido como reflexo da própria dificuldade portu­guesa em dominar esta ampla região e de se colocar como uma nação colonialista, a exemplo dos seus vizinhos ingleses, franceses e alemães. 



A fraqueza econômica e militar de Portugal de certa maneira era compensada pela sua actuação do cenário político. Podemos deduzir isso tendo como base os resultados conseguidos por Norton de Matos – o governador-geral de Angola – em 1921 junto à Diamang. Neste ano a Diamang selou um contrato com a Lunda, no qual a província receberia 45% dos lucros da empresa e participaria em 5% do capital da Companhia (PÉLISSIER, 1986, p. 394).



Entre o período de 1922 a 1926 Norton de Matos, por intermédio dos administradores militares destruiu paulatinamente os últimos focos de resistência à presença da Dia­mang e, por consequência, ao terrível recrutamento de mão de obra que os africanos eram submetidos. Um desses homens fortes de Norton de Matos foi o capitão Bento Esteves Roma, que foi governador da Lunda entre 1922 a 1927.


O avanço dos portugueses pela Lunda e a necessidade de intervenção militar para a pacificação dos grupos sociais que habitavam a região não era por uma simples vaidade ou teimosia de alguns homens da Administração colonial portuguesa. O pleno domínio da Lunda está completamente ligado à própria afirmação dos portugueses como nação colonizadora no século XX.



Os lundas no final do século XIX já viviam sob a soberania tchokwe, e no início do século XX os grupos remanescentes foram facilmente incorporados à autoridade da administração colonial portuguesa. Segundo Ana Paula Tavares, a história de Luéji, personagem que simboliza a fundação de um novo tempo, responsável pela organização do poder na região das mussumbas, está até hoje presente no imaginário dos povos da Lunda e daqueles chamados por ela como lundanizados; ela representa o início. E seu casamento com o caçador Ilunga alarga e cimenta um poder dentro da mussumba, ao mesmo tempo em que entabula alianças com outros potentados de modo a controlar estrategicamente os caminhos do comércio, acesso às feiras e sistemas de tributação.