PORTUGAL E A LUNDA NA VIRADA DO
SÉCULO XIX -(II)
Além das questões de ordem diplomática que
Portugal enfrentaria com os Belgas, na região do Cassai o soba tchokwe
Calendende – o mesmo que matara um alferes português em 1908 – proibira a
entrada dos prospectores na região que vai do leste de Chicapa até o Cassai.
Em novembro de 1913 quatro novos prospectores
britânicos vieram do Cassai Belga, mas Calendende era cada vez mais incômodo
para os planos da PEMA. E foi somente graças ao trabalho de um capitão chamado
António Brandão de Melo que municiado de alguns homens, carros bôers e armas,
conseguiu chegar a Luachimo em maio de 1914 para dar início aos primeiros
trabalhos de prospecção de diamantes. Mas a Lunda estava longe de ser
pacificada, tanto que era preferível para a Companhia de Diamantes mandar vir
do centro do país – via caminho de ferro do Bié – os materiais que necessitava
do que cortar a Lunda.
Finalmente em 1916, os
portugueses conseguiram chegar até o Cassai na região de Chiluage ou Txiluange
a partir de Henrique de Carvalho actual Saurimo e, inclusive, construíram um
posto defronte à concessão de exploração diamantífera dos belgas do outro lado
do rio. Por questões estratégicas em
1917 a Lunda foi separada de Malange e Saurimo fora escolhida para a sede do
novo distrito. Em 1917, do ponto de vista português, havia muito que
fazer para se avançar a ocupação deste longínquo nordeste, pois os belgas
também colaboravam para o retardar da penetração portuguesa na Lunda ao vender
pólvora em grandes quantidades aos Tchokwes no lado belga do Cassai.
No final deste mesmo ano, a Companhia de
Pesquisas Mineiras de Angola (PEMA) forma a Companhia de Diamantes de Angola
(Diamang), empresa formada por capitais mistos oriundos de vários países como
Estados Unidos, Inglaterra, Bélgica, Portugal e África do Sul.
O início das prospecções manuais de
diamantes sob os auspícios da Diamang estabeleceu na Lunda – agora ainda mais
visada – uma tensa relação de forças entre as sociedades tradicionais africanas
e a empresa diamantífera. A partir do final de 1917 a Diamang passou a
recrutar nos sobados locais os trabalhadores de que necessitava, e eram muitos.
Este recrutamento gerou muitos conflitos – principalmente entre os Tchokwes –
que na maioria dos casos terminava com mortes dos membros dos destacamentos que
recrutavam mão de obra.
Todavia, as autoridades portuguesas nesse
momento pouco fizeram na Lunda para estabelecer sua presença efectiva, a bem da
verdade que era a própria Diamang que estabelecia a presença portuguesa em
vários dos milhares de quilômetros da Lunda. Na Lunda, o domínio português sobre o grande grupo etnolinguístico
Lunda Tchokwe ainda era pequeno, todavia, como frisa Pélissier, foram
os quiocos do nordeste de Angola quem iriam suportar o peso das exigências da
Diamang. Esta esforçou-se por obter a ocupação militar da sua concessão, a fim
de conseguir a calma necessária à continuação das prospecções e os milhares de
homens que a exploração exige todos os anos (PÉLISSIER, 1986, p. 389).
No intuito de resolver tal ordem de
problemas, em 1920 o novo governador da Lunda, o capitão Francisco Martins de Oliveira Santos estabeleceu como uma de suas
metas vencer o soba Calendende e outros chefes tchokwes que vinham já desde
1912 resistindo bravamente ao avanço da presença portuguesa na área diamantífera.
No final da década de 1910 o interesse com a pacificação dos tchokwes não era
apenas português, mas de um conglomerado multinacional sedento pelos diamantes
do Rio Cassai e seus afluentes.
Para efectivar seu objectivo, Francisco
Santos organizou duas colunas militares, uma que seguiu pelo centro e leste e
uma segunda que avançou pelo oeste. A primeira coluna partiu a 2 de junho de
1920 do posto de Capaia, próximo a Luchico, composta por cerca de 385 homens,
em sua maioria quiocos recrutados localmente. Seria enfadonho a descrição das
idas e vindas desta campanha com duração de cerca de quatro meses e que
empurrou os tchokwes até à fronteira belga.
Durante este encalço muitas senzalas foram
incendiadas, como também alguns destacamentos portugueses sofreram
retaliações. O que se deve destacar, de acordo com a análise de Pélissier, é o
facto de que a resistência militar tchokwe talvez não passasse de um mito
surgido no âmbito da administração portuguesa. A nosso ver esse mito talvez
tenha surgido como reflexo da própria dificuldade portuguesa em dominar esta
ampla região e de se colocar como uma
nação colonialista, a exemplo dos seus vizinhos ingleses, franceses e
alemães.
A fraqueza econômica e militar de Portugal de
certa maneira era compensada pela sua actuação do cenário político. Podemos
deduzir isso tendo como base os resultados conseguidos por Norton de Matos – o
governador-geral de Angola – em 1921 junto à Diamang. Neste ano a Diamang selou
um contrato com a Lunda, no qual a província receberia 45% dos lucros da
empresa e participaria em 5% do capital da Companhia (PÉLISSIER, 1986, p. 394).
Entre o período de 1922 a 1926 Norton de
Matos, por intermédio dos administradores militares destruiu paulatinamente os
últimos focos de resistência à presença da Diamang e, por consequência, ao
terrível recrutamento de mão de obra que os africanos eram submetidos. Um
desses homens fortes de Norton de Matos foi o capitão Bento Esteves Roma, que foi governador da Lunda entre 1922 a 1927.
O avanço dos portugueses pela Lunda e a
necessidade de intervenção militar para a pacificação dos grupos sociais que
habitavam a região não era por uma simples vaidade ou teimosia de alguns homens
da Administração colonial portuguesa. O pleno domínio da Lunda está
completamente ligado à própria afirmação dos portugueses como nação
colonizadora no século XX.
Os lundas no final do século XIX já viviam
sob a soberania tchokwe, e no início do século XX os grupos remanescentes foram
facilmente incorporados à autoridade da administração colonial portuguesa.
Segundo Ana Paula Tavares, a história de Luéji, personagem que simboliza a
fundação de um novo tempo, responsável pela organização do poder na região das
mussumbas, está até hoje presente no imaginário dos povos da Lunda e daqueles
chamados por ela como lundanizados; ela representa o início. E seu casamento
com o caçador Ilunga alarga e cimenta um poder dentro da mussumba, ao mesmo
tempo em que entabula alianças com outros potentados de modo a controlar estrategicamente
os caminhos do comércio, acesso às feiras e sistemas de tributação.