PARTE I (continuação) - A EVOLUÇÃO
POLÍTICA DE AFRICA E A LUNDA 1884 – 1891
1.3.- O Estado Independente do Congo
A
penetração que a Associação Internacional do Congo estava realizando em Africa
suscitava dois problemas: um, relativo à aquisição de territórios segundo o
direito Internacional da época; outro, concernente à cessão feita pelos chefes indígenas.
Tratando-se de territórios frequentemente habitados por povos, não podia
proceder-se a uma ocupação pura e simples. Era necessário que a tomada de posse
se fizesse com expresso consentimento da AUTORIDADE
NATIVA, consentimento esse que devia ser dado sem pressões, com inteira
liberdade, consciência e segundo os usos do país.
Henry
Stanley e seus agentes tivessem concluído tantas convenções com os chefes Tribais
ou com simples Régulos ou sobas menores.
Quando
Morgan, em 26 de Março de 1884, apresentou ao Senado dos Estados Unidos de América
(EUA), um relatório sobre a questão das relações que deviam estabelecer-se
entre a República e os «os habitantes da bacia do Congo em
África», foram feitas consultas a TRAVERS
TWISS e a ÉGIDE ARNTZ sobre se tais
cessões investiriam a Associação Internacional do Congo na soberania de Estado.
A resposta de ambos foi afirmativa.
Já
treze dias antes, FRELINGHUYSEN, secretário
do Departamento de Estado, declarava que nenhum princípio de direito
internacional era contrário a que uma associação filantrópica criasse um
Estado.
Conferiram à Associação Internacional do Congo
pode obter o reconhecimento de outras nações, precisamente porque esta
associação prova a sua existência como um governo de direito… Se subsiste
alguma dúvida sobre a soberania, ou o território, ou os sujeitos, a
interpretação entre as tribos indígenas que concluem tratados com a Associação
oferece uma garantia bastante aos outros povos para que reconheçam a Associação
como um Governo de facto.
MORGAN,
relator do parecer do Comité dos Negócios Estrangeiros do Senado
norte-americano, concluía, portanto, pelo reconhecimento da Associação. E, em
22 de Abril de 1884, uma declaração assinada por Frelinghuysen, autorizado pelo
presidente e pelo Senado, aprovava «o fim humanitário e generoso da associação
internacional do Congo, gerindo os interesses dos Estados Livres estabelecidos
(sic) naquela região», e dava ordem aos funcionários dos Estados Unidos,
no mar e em terra, de reconhecerem a bandeira da Associação como de um Governo
amigo.
Em
23 de Abril deste mesmo ano, a Associação prometia à França o direito de
preferência, se, por circunstâncias imprevistas, tivesse de alienar as suas
possessões. No dia seguinte o Governo Francês aceitava esse compromisso e
obrigava-se, por seu lado, a respeitar as estações e territórios livres da
Associação e a não levantar obstáculos ao exercício dos seus direitos.
Não
parou a Associação de angariar de outras potências o reconhecimento do seu
pavilhão como de um Estado amigo. Assim, celebrou convenções com;
Alemanha no dia 8 de Novembro de
1884
Grã-Bretanha no dia 16 de Dezembro
de 1884
Itália no dia 19 de Dezembro de 1884
Áustria-Hungria no dia 24 de
Dezembro de 1884
Países Baixos no dia 27 de Dezembro
de 1884
Espanha no dia 7 de Janeiro de 1885
França e Rússia no dia 5 de
Fevereiro de 1885
Suécia e Noruega no dia 10 de
Fevereiro de 1885
Portugal no dia 14 de Fevereiro de
1885
Dinamarca no dia 23 de Fevereiro de
1885.
Em
23 de Fevereiro de 1885 eram trocadas declarações entre o Governo da Bélgica e
a Associação. Até este dia todas as potências representadas na Conferência de
Berlim, com excepção da TURQUIA,
tinham reconhecido a Associação Internacional do Congo (6).
Do
final da Conferência de Berlim resultara o reconhecimento por todas as Potências
participantes de que a Associação formava um Estado soberano e independente,
cujo chefe era o rei LEOPOLDO II. Em
1 de Julho de 1885 a fundação era proclamada em BANANA, e, no dia primeiro do
mês imediato, isto é, Agosto, o rei dos Belgas, autorizado pelas câmaras, era
investido na chefia do novo Estado e declarava-se neutral.
Assim
surgia a «mais contraditória das
criações da história
contemporânea» (7), o Estado Livre
do Congo, por obra e graça da fantasia diplomática da Conferência de
Berlim.
«O
Estado Independente do Congo – dizia H.L. Samuel na Câmara dos Comuns
em Lisboa em 20 de Maio de 1903 – nasceu do consentimento das grandes
potências, e foi atribuído não a um país, mas a uma personalidade, ao rei
dos Belgas» (8). O
Estado era LEOPOLDO II; as suas
receitas eram os milhões desse rei Liberal, que no início, ao menos
aparentemente e com gáudio de toda a Europa, mormente das fábricas de
Manchester, queria organizar um Estado sem cobrar impostos.
Em
1889 LEOPOLDO II fazia testamento em
que legava o Congo à Bélgica; em 20 de Agosto de 1908, não sem muitas e
acaloradas discussões, a Câmara votava a sua aceitação, e a anexação fazia-se
solenemente. Dir-se-ia que a Bélgica aceitou o Congo com tanta má vontade
quanta foi a sua boa vontade de o entregar, passado pouco mais de meio século. «Água
o deu, água o levou» - diz um rifão do povo.
Assim
nasceu o Estado Independente do Congo. Criado para servir em proveito das
várias potências EUROPEIAS na grande bacia do Zaire, em breve se foi moldando a
servir, quase em exclusivo, os seus próprios interesses.
OBSERVAÇÃO
…(6),(7)
e (8) – Mas as fronteiras definitivas do Estado Independente do Congo só foram
determinados mais tarde: a sul, de acordo com Portugal, em 1891 no conflito
entre a Bélgica sobre a Questão da Lunda 1885-1894; a sudeste, com a
Inglaterra, em 1894; a norte, com a França em 1894; a nordeste, com a
Inglaterra em 1906; a este, com Alemanha, em 1910.
…()
In Jornal do Commercio, n.º 11.223, de 30 de Abril de 1891:« A partilha de
África», in nouvelle Revue.
…()
In.NYS, Ernest –Ibidem, p. 21 este autor insurgiu-se contra o facto de se
pretender (segundo ele) que o Estado independente do Congo é fruto da
diplomacia da Conferencia de Berlim, e defendeu
que ele é anterior, como Estado, a esta conferencia.