domingo, 31 de julho de 2016

PORTUGAL E A LUNDA NA VIRADA DO SÉCULO XIX

PORTUGAL E A LUNDA NA VIRADA DO SÉCULO XIX



Como é sabido, a relação da África com Portugal é de longa data e o significado que a primeira assumiu para o segundo variou ao longo da história de constituição do chamado império ultramarino português, iniciada nos idos do século XV (HERNANDEZ, 2008, p.502).



Dentro desse contexto, a África figurou, também, como objecto de investimento afectivo do imaginário Português. No século XIX, havia a crença inquestionável das riquezas das colônias africanas, como também a ideia de que o projecto colonial africano compensaria a perda do Brasil, restituindo a Portugal as possibilidades de cumprir sua missão, tornar-se uma grande potência (HERNANDEZ, 2008, p. 503).



Não é demais lembrar, que na primeira metade do século XIX Portugal viverá um período de dificuldades econômicas com a perda do Brasil e com fim do tráfico triangular de escravos entre Europa, África e América. Tal situação obrigará Portugal a estabelecer novos projectos coloniais de modo a manter vivo o mito do grande império que a Graça Divina teria predestinado os portugueses a realizar.



Alberto da Costa e Silva nos lembra que para Portugal, restabelecer-se na África significava uma resposta às humilhações sofridas diante do Reino Unido. Os britânicos, em função do seu poderio econômico e naval arvoraram-se como os herdeiros naturais dos territórios do empobrecido império português. A pressão foi tamanha que Portugal recebeu em 1890 um ultimatum da Inglaterra para abandonar as terras que comporiam mais tarde o Maláui, a Zâmbia e o Zimbábue (SILVA, 1994, p.34- 5).


Os resultados da chamada Conferência de Berlim em dezembro de 1884 – a qual dividiu a África entre as principais nações europeias – de certa forma compensaram as perdas de Portugal. No final do século XIX, uma acção práctica do objectivo colonizador português foi a organiza­ção da expedição do Henrique Dias de Carvalho à Lunda no início de 1884, a qual foi finalizada em dezembro de 1888.


A viagem de Henrique Dias de Carvalho introduziu um novo conceito na exploração da África a partir do apelo à tradição em termos de conhecimento geográfico e etnográfico. De acordo com Filipe Calvão, tanto o uso tradição – que o autor chama de “hagiografia das expedições portuguesas” – como do conhecimento científico, – que Carvalho lançou mão para produzir uma narrativa totalizante em termos geográficos, culturais e etnográficos – são utilizados por ele como chave explicativa do sucesso da expedição. Êxito que na interpretação de Henrique de Carvalho se resumia ao fato da expedição ter alcançado a Mussumba, a capital do Reino Lunda, e lá ter realizado o que ele acreditou serem acordos diplomáticos (PROTECTORADOS) no intuito de impor a soberania Portuguesa. O sucesso maior da expedição, aliado à Ciência e à História, residiu no facto desta expedição firmar uma tradição imperial para Portugal. Nas palavras de Calvão, o “Empire did have a culture” (CALVÃO, 2006, p.77).



A região da Lunda era importante por dois motivos. Primeiro, por ser o centro do afamado Império do Muatiânvua, e por sua vizinhança com o estado do Congo. Os quatro anos gastos pela expedição de Henrique Dias de Carvalho entre 1884 a 1888 foram cruciais em termos de negociações imperiais na Europa. Ao início da Conferência de Berlim, em dezembro de 1884, Carvalho já havia cruzado o Rio Cuango e alcançado a Mussumba, sendo a primeira versão oficial do mapa cor-de-rosa publicada somente em 1886. Vale lembrar que as versões preliminares do famoso mapa traziam as áreas percorridas por Henrique de Carvalho, ou seja, áreas sob a influência portuguesa.


Entretanto, no final da expedição, Henrique Dias de Carvalho reconheceu não somente a for­malização do estado do Congo – retirando de uma perspectiva portuguesa a soberania de algumas partes da região – como sua repentina exclusão cartográfica do expansionismo territorial Português. Calvão chama a atenção para a contradição deste posicionamento de Henrique Dias de Carvalho frente àquilo que supunha ser uma expedição destinada a submeter politicamente uma região como a Lunda e que repentinamente fora riscada das ambições coloniais (CALVÃO, 2006, p. 77).


Como compreender a acção descolonizante de Carvalho? A questão é que não havia um objectivo colonizador estritamente elaborado na expedição de Henrique Dias de Carvalho, este sentido colo­nizador foi atribuído à posteriori, principalmente após o fatídico ultimato inglês de 1890. Henrique de Carvalho e seus objectivos colonizadores no início da década de 1880 eram uma nota dissonante dentro da política colonial portuguesa. Ana Paula Tavares, estudiosa da questão, na introdução de sua dissertação Na Mussumba do Muatiânvua, aclara-nos com bastante argúcia como os interesses de diferentes nações, somados aos interesses do próprio Henrique de Carvalho se entrecruzaram para que fosse dada a conotação final para esta viagem. Vejamos:


Decisivas fronteiras traçadas na Europa enquanto decorria a expedição realizada por Henrique de Carvalho iriam transformá-la numa viagem particular. Os seus testemunhos escritos dão um retrato de um momento de nítida coincidência entre modificações da história interna africana e resoluções da política europeia regidas pelas necessidades de diversificação de mercados e de demarcação de zonas de influência (TAVARES, 1995, p. 7).


Apesar do sucesso dos acordos e dos estudos realizados por Henrique Dias de Carvalho, a maior parte da região da Lunda não ficou sob o domínio dos Portugueses. No grande mapa da África tornado público em 1890, cujas linhas e traçados de fronteiras são o resultados dos acordos de Berlim, já traz excluída a região da Lunda como território eminentemente Português. Calvão coloca ao leitor a seguinte questão: como justificar a exclusão destes territórios? Para nosso autor a resposta a tal questão reside na cultura.


É mister ressaltar que as decisões de exclusão de boa parte dos territórios da Lunda sob o do­mínio Português não foram levados à termo pelo próprio Henrique Dias de Carvalho. Nas frias mesas de negociações diplomáticas em território europeu, sonhos de glórias e sortilégios de homens como Henrique de Carvalho são riscados do papel ao sabor dos interesses naquele exacto momento. Calvão inclusive nos cita uma passagem de 1890 da lavra do nosso expedicionário, na qual ele destila certo rancor em relação às decisões tomadas em Berlim, pois na sua perspectiva a Lunda era um território português.


When in January of this year [1890] the big map of Africa was made public..., I asked the ... commission to accurately change that same map including in Angola the Muatiânvua territories that became Portuguese de facto after the work developed from 1885 onward [...] as in the ques­tions of political share of the African continenti, the powers interested in it puzzle and mess up everything, destroying the good possession titles to replace them for some imagined and forged at the time (CARVALHO, 1890, p. 412 apud CALVÃO, 2006, p. 77).


Os objectivos geográficos desta expedição de Henrique Dias de Carvalho parecem contradizer-se com o projecto de possessão colonial português ligando a África de costa a costa. Assim, nem todas as acções coloniais – a exemplo da expedição de Henrique Dias de Carvalho - podem ser lidas como uma acção que se coadune ao grande projecto colonial português previsto no imaginado mapa cor-de-rosa, projecto este que se utilizou retoricamente do ultimato britânico como mola mestra para que ele fosse efectivado.


Como pudemos perceber na análise de Filipe Calvão, a viagem de Henrique Dias de Carvalho à Lunda e sua posterior apropriação pelo discurso oficial nacionalista, teve grande importância na criação de uma tradição científica para Portugal. Por extensão, criou-se, assim, um lastro histórico da presença portuguesa em África de modo a dar maior peso ideológico ao discurso imperial português surgido a partir do ultimato inglês de 1890. É dentro cenário discursivo que surgem as condições para a ocupação militar e administrativa ocorridas no início do século XX, exaltando, assim, o na­cionalismo português.


Vale lembrar que a importância histórica da Lunda não fica restrita apenas ao cenário dis­cursivo-ideológico do nacionalismo português. A região da Lunda já no começo do século XX era extremamente visada por conta da valiosa borracha comerciada principalmente pelos Tchokwes. E a partir de 1912 a descoberta oficial de diamantes no rio Cassai e afluentes assanhou ainda mais as pretensões colonialistas portuguesas e de outras nações na região.


A 13 de julho de 1895 foi criado oficialmente o distrito da Lunda, que englobava todas as terras compreendidas “entre o Cuango, o curso inferior do Cassai e a fronteira com o Estado Independente do Congo, ou seja: tudo que os portugueses tinham salvo das garras de Leopoldo II”. Henrique Dias de Carvalho foi nomeado como primeiro governador do novo distrito, todavia sua posição pacifista de homem de ciência não permitiu que a sua permanência no cargo se prolongasse. Carvalho se en­contrava nesses meados de 1895 pressionado pelos comerciantes de Malange que desejavam dominar militarmente o Cassange e “quebrar a espinha dos Mbangálas” e atravessar o rio Cuango. O interesse pela exploração da borracha era o grande motivador de tal interesse (PÉLISSIER, 1986, p. 359).


Segundo Pélissier, a Lunda de 1906 a 1913 tornara-se um símbolo da dificuldade de ocupação colonial. Do ponto de vista do efectivo militar, por volta de 1909 a região da Lunda possuía cerca de 7 companhias distribuídas em 40 postos, com efectivo de cerca de 1000 homens. Não somente a região além Luxico apresentava dificuldades de ser dominada, na Jinga alguns sobas não aceitavam dobrar a espinha frente às autoridades portuguesas, a exemplo de Marimba e Cambo Camana. Apesar da resistência destes sobas de origem ambunda, no final de 1910 a região se encontrava reprimida, para a dominação completa do nordeste de Angola restava ainda alguns espaços como o Cassange. Em outubro de 1911, esta região de maioria Bondo e Mbangála, após uma pequena resistência de alguns sobas, caiu frente às armas de mais uma coluna portuguesa (PÉLISSIER, 1986, p. 374-8).


Na região compreendida entre o rio Cuango e o Cassai, a fome, a miséria, a ocupação do Cas­sange e as dissensões internas facilitavam a penetração portuguesa rumo ao grande objectivo que era a ocupação da fronteira nordeste com o Congo, perseguido já há quase uma década. A resistência Tchokwe na Lunda não iria reduzir a urgência desta ocupação, ademais, em 1912 a descoberta de diamantes na região estimulou ainda mais esta ocupação.


Em novembro de 1912, dois prospectores – Johson e Mac Vey – encontraram sete diamantes na margem direita do Chiumbue, na região. Nesse mesmo ano, foi criada com apoio da Forminière, a Companhia de Pesquisas Mineiras de Angola (PEMA) para explorar, em especial, as jazidas de diamantes, que na fronteira de Nordeste, eram o prolongamento daquelas que tinham sido encontradas no Congo Belga em 1907. Essa companhia era concessionária da prospecção num território delimitado por Belgas e Portugueses. O posto português mais próximo era o de Luchico, a mais de 100 quilômetros (PÉLISSIER, 1986, p. 380).



TEXTO CONTINUA NA PROXIMA EDIÇÃO…
Fonte: Revista Mosaico, v. 6, n. 1, p. 25-38, jan./jul. 2013. 27