PORTUGAL E A LUNDA NA VIRADA DO
SÉCULO XIX
Como é
sabido, a relação da África com Portugal é de longa data e o significado que a
primeira assumiu para o segundo variou ao longo da história de constituição do
chamado império ultramarino português, iniciada nos idos do século XV (HERNANDEZ, 2008, p.502).
Dentro desse
contexto, a África figurou, também, como objecto de investimento afectivo do
imaginário Português. No século XIX, havia a crença inquestionável das riquezas
das colônias africanas, como também a ideia de que o projecto colonial africano
compensaria a perda do Brasil, restituindo a Portugal as possibilidades de
cumprir sua missão, tornar-se uma grande potência (HERNANDEZ, 2008, p. 503).
Não é demais
lembrar, que na primeira metade do século XIX Portugal viverá um período de
dificuldades econômicas com a perda do Brasil e com fim do tráfico triangular
de escravos entre Europa, África e América. Tal situação obrigará Portugal a
estabelecer novos projectos coloniais de modo a manter vivo o mito do grande
império que a Graça Divina teria predestinado os portugueses a realizar.
Alberto da
Costa e Silva nos lembra que para Portugal, restabelecer-se na África
significava uma resposta às humilhações sofridas diante do Reino Unido. Os
britânicos, em função do seu poderio econômico e naval arvoraram-se como os
herdeiros naturais dos territórios do empobrecido império português. A pressão
foi tamanha que Portugal recebeu em 1890 um ultimatum da Inglaterra para abandonar as
terras que comporiam mais tarde o Maláui, a Zâmbia e o Zimbábue (SILVA, 1994,
p.34- 5).
Os
resultados da chamada Conferência de Berlim em dezembro de 1884 – a qual
dividiu a África entre as principais nações europeias – de certa forma
compensaram as perdas de Portugal. No final do século XIX, uma acção práctica
do objectivo colonizador português foi a organização da expedição do Henrique
Dias de Carvalho à Lunda no início de 1884, a qual foi finalizada em dezembro
de 1888.
A viagem de
Henrique Dias de Carvalho introduziu um novo conceito na exploração da África a
partir do apelo à tradição em termos de conhecimento geográfico e etnográfico.
De acordo com Filipe Calvão, tanto o uso tradição – que o autor chama de “hagiografia
das expedições portuguesas” – como do conhecimento científico, – que
Carvalho lançou mão para produzir uma narrativa totalizante em termos
geográficos, culturais e etnográficos – são utilizados por ele como chave
explicativa do sucesso da expedição. Êxito que na interpretação de Henrique de
Carvalho se resumia ao fato da expedição ter alcançado a Mussumba, a capital do
Reino Lunda, e lá ter realizado o que ele acreditou serem acordos diplomáticos
(PROTECTORADOS) no intuito de impor
a soberania Portuguesa. O sucesso maior da expedição, aliado à Ciência e à
História, residiu no facto desta expedição firmar uma tradição imperial para
Portugal. Nas palavras de Calvão, o “Empire did have a culture” (CALVÃO, 2006,
p.77).
A região da
Lunda era importante por dois motivos. Primeiro, por ser o centro do afamado
Império do Muatiânvua, e por sua vizinhança com o estado do Congo. Os quatro
anos gastos pela expedição de Henrique Dias de Carvalho entre 1884 a 1888 foram
cruciais em termos de negociações imperiais na Europa. Ao início da Conferência
de Berlim, em dezembro de 1884, Carvalho já havia cruzado o Rio Cuango e
alcançado a Mussumba, sendo a primeira versão oficial do mapa cor-de-rosa
publicada somente em 1886. Vale lembrar que as versões preliminares do famoso
mapa traziam as áreas percorridas por Henrique de Carvalho, ou seja, áreas sob
a influência portuguesa.
Entretanto,
no final da expedição, Henrique Dias de Carvalho reconheceu não somente a formalização
do estado do Congo – retirando de uma perspectiva portuguesa a soberania de
algumas partes da região – como sua repentina exclusão cartográfica do
expansionismo territorial Português. Calvão chama a atenção para a contradição
deste posicionamento de Henrique Dias de Carvalho frente àquilo que supunha ser
uma expedição destinada a submeter politicamente uma região como a Lunda e que
repentinamente fora riscada das ambições coloniais (CALVÃO, 2006, p. 77).
Como compreender a acção descolonizante de Carvalho?
A questão é que não havia um objectivo colonizador estritamente elaborado na
expedição de Henrique Dias de Carvalho, este sentido colonizador foi atribuído
à posteriori, principalmente após o fatídico ultimato inglês de 1890. Henrique
de Carvalho e seus objectivos colonizadores no início da década de 1880 eram
uma nota dissonante dentro da política colonial portuguesa. Ana Paula Tavares,
estudiosa da questão, na introdução de sua dissertação Na Mussumba do
Muatiânvua, aclara-nos com bastante argúcia como os interesses de diferentes
nações, somados aos interesses do próprio Henrique de Carvalho se entrecruzaram
para que fosse dada a conotação final para esta viagem. Vejamos:
Decisivas
fronteiras traçadas na Europa enquanto decorria a expedição realizada por
Henrique de Carvalho iriam transformá-la numa viagem particular. Os seus
testemunhos escritos dão um retrato de um momento de nítida coincidência entre
modificações da história interna africana e resoluções da política europeia
regidas pelas necessidades de diversificação de mercados e de demarcação de
zonas de influência (TAVARES, 1995, p. 7).
Apesar do
sucesso dos acordos e dos estudos realizados por Henrique Dias de Carvalho, a
maior parte da região da Lunda não ficou sob o domínio dos Portugueses. No
grande mapa da África tornado público em 1890, cujas linhas e traçados de
fronteiras são o resultados dos acordos de Berlim, já traz excluída a região da
Lunda como território eminentemente Português. Calvão coloca ao leitor a
seguinte questão: como justificar a
exclusão destes territórios? Para nosso autor a resposta a tal questão
reside na cultura.
É mister
ressaltar que as decisões de exclusão de boa parte dos territórios da Lunda sob
o domínio Português não foram levados à termo pelo próprio Henrique Dias de
Carvalho. Nas frias mesas de negociações diplomáticas em território europeu,
sonhos de glórias e sortilégios de homens como Henrique de Carvalho são
riscados do papel ao sabor dos interesses naquele exacto momento. Calvão
inclusive nos cita uma passagem de 1890 da lavra do nosso expedicionário, na
qual ele destila certo rancor em relação às decisões tomadas em Berlim, pois na
sua perspectiva a Lunda era um território português.
When
in January of this year [1890] the big map of Africa was made public..., I
asked the ... commission to accurately change that same map including in Angola
the Muatiânvua territories that became Portuguese de facto after the work
developed from 1885 onward [...] as in the questions of political share of the
African continenti, the powers interested in it puzzle and mess up everything,
destroying the good possession titles to replace them for some imagined and
forged at the time (CARVALHO, 1890, p. 412 apud CALVÃO, 2006, p. 77).
Os objectivos
geográficos desta expedição de Henrique Dias de Carvalho parecem contradizer-se
com o projecto de possessão colonial português ligando a África de costa a
costa. Assim, nem todas as acções coloniais – a exemplo da expedição de
Henrique Dias de Carvalho - podem ser lidas como uma acção que se coadune ao
grande projecto colonial português previsto no imaginado mapa cor-de-rosa,
projecto este que se utilizou retoricamente do ultimato britânico como mola
mestra para que ele fosse efectivado.
Como pudemos
perceber na análise de Filipe Calvão, a viagem de Henrique Dias de Carvalho à
Lunda e sua posterior apropriação pelo discurso oficial nacionalista, teve
grande importância na criação de uma tradição científica para Portugal. Por
extensão, criou-se, assim, um lastro histórico da presença portuguesa em África
de modo a dar maior peso ideológico ao discurso imperial português surgido a
partir do ultimato inglês de 1890. É dentro cenário discursivo que surgem as condições
para a ocupação militar e administrativa ocorridas no início do século XX,
exaltando, assim, o nacionalismo português.
Vale lembrar
que a importância histórica da Lunda não fica restrita apenas ao cenário discursivo-ideológico
do nacionalismo português. A região da Lunda já no começo do século XX era
extremamente visada por conta da valiosa borracha comerciada principalmente
pelos Tchokwes. E a partir de 1912 a descoberta oficial de diamantes no rio
Cassai e afluentes assanhou ainda mais as pretensões colonialistas portuguesas
e de outras nações na região.
A 13 de
julho de 1895 foi criado oficialmente o distrito da Lunda, que englobava todas
as terras compreendidas “entre o Cuango, o curso inferior do Cassai e a fronteira com o
Estado Independente do Congo, ou seja: tudo que os portugueses tinham salvo das
garras de Leopoldo II”. Henrique
Dias de Carvalho foi nomeado como primeiro governador do novo distrito, todavia
sua posição pacifista de homem de ciência não permitiu que a sua permanência no
cargo se prolongasse. Carvalho se encontrava nesses meados de 1895 pressionado
pelos comerciantes de Malange que desejavam dominar militarmente o Cassange e “quebrar a espinha dos Mbangálas” e
atravessar o rio Cuango. O interesse pela exploração da borracha era o grande
motivador de tal interesse (PÉLISSIER, 1986, p. 359).
Segundo
Pélissier, a Lunda de 1906 a 1913 tornara-se um símbolo da dificuldade de
ocupação colonial. Do ponto de vista do efectivo militar, por volta de 1909 a
região da Lunda possuía cerca de 7 companhias distribuídas em 40 postos, com
efectivo de cerca de 1000 homens. Não somente a região além Luxico apresentava
dificuldades de ser dominada, na Jinga alguns sobas não aceitavam dobrar a
espinha frente às autoridades portuguesas, a exemplo de Marimba e Cambo Camana.
Apesar da resistência destes sobas de origem ambunda, no final de 1910 a região
se encontrava reprimida, para a dominação completa do nordeste de Angola
restava ainda alguns espaços como o Cassange. Em outubro de 1911, esta região
de maioria Bondo e Mbangála, após uma pequena resistência de alguns sobas, caiu
frente às armas de mais uma coluna portuguesa (PÉLISSIER, 1986, p. 374-8).
Na região
compreendida entre o rio Cuango e o Cassai, a fome, a miséria, a ocupação do
Cassange e as dissensões internas facilitavam a penetração portuguesa rumo ao
grande objectivo que era a ocupação da fronteira nordeste com o Congo,
perseguido já há quase uma década. A resistência Tchokwe na Lunda não iria
reduzir a urgência desta ocupação, ademais, em 1912 a descoberta de diamantes
na região estimulou ainda mais esta ocupação.
Em novembro de 1912, dois
prospectores – Johson e Mac Vey – encontraram sete diamantes na margem direita
do Chiumbue, na região. Nesse mesmo ano, foi criada com apoio da Forminière, a
Companhia de Pesquisas Mineiras de Angola (PEMA) para explorar, em especial, as
jazidas de diamantes, que na fronteira de Nordeste, eram o prolongamento
daquelas que tinham sido encontradas no Congo Belga em 1907. Essa companhia era
concessionária da prospecção num território delimitado por Belgas e
Portugueses. O posto português mais próximo era o de Luchico, a mais de 100
quilômetros (PÉLISSIER, 1986, p. 380).
TEXTO
CONTINUA NA PROXIMA EDIÇÃO…
Fonte: Revista Mosaico,
v. 6, n. 1, p. 25-38, jan./jul. 2013. 27