PARTE
I - EVOLUÇÃO POLÍTICA DE AFRICA E A NAÇÃO LUNDA TCHOKWE 1884 – 1891
1.- O Estado
Independente do Congo
1.1.- A Conferência
Geográfica de 1876 e a Associação Internacional Africana
O Leopoldo II da
Bélgica estava reservado o papel de primeira plana na mobilização das
inteligências e dos capitais para o continente negro. Enfadava-se ele com os
papéis passivos a que o trono da Bélgica o sujeitara: ser rei constitucional e
ser neutral. Sentia, por isso, ânsia de sair dessa apatia.
No discurso de
abertura, definiu ele os fins humanitários e científicos que urgia levar acabo
em toda África, particularmente na região da África Austral e Central.
Dele fizeram parte,
desde logo, o Sr Quatrefages por parte da França, o Sr Bartle Frere pela
Grã-Bretanha e o Sr Nachtigal pela Alemanha. Vários foram os países onde se
constituíram Comissões Nacionais. Em PORTUGAL criou-se na Sociedade de
Geografia de Lisboa uma comissão presidida pelo Visconde de S. Januário.
Contudo, foi o Comité Nacional Belge, criado em 6 de Novembro desse ano, o que
se mostrou mais activo.
Assim nascia a
Associação Internacional Africana com o fim de «ouvrir à la civilisation la
seule partie de notre globe où elle n’eût pas encore pénétré», explorando
cientificamente a África, estabelecendo vias de comunicação e abolindo a ESCRAVATURA,
nova fórmula de explorar as riquezas de Africa.
1.2.- O «Comité
d’Etudes du Haut-Congo»
“Como compreender a
questão da NAÇÃO LUNDA TCHOKWE
se não voltarmos as origens das intenções Europeias em África, e, agora, as
ambições do neocolonialismo africano, justificados com a nova era do
desenvolvimento e saque sistemático das riquezas, a expropriação das terras, as
violações, torturas bem como a nova fórmula da escravatura em pleno século
XXI”.
Nesta mesma reunião
decidiu a comissão internacional organizar uma série de expedições tendentes a
penetrar no coração do continente por Zanzibar e pelo Congo. O Comité Nacional
Belge tomou a seu cargo a fundação de posto no baixo Congo.
Mas nem na
Inglaterra, nem na América, nem na França, conseguiu congregar as vontades e os
capitais para a sua empresa. Voltou-se então, e agora decididamente, para a
Bélgica. É entusiasticamente recebido em Bruxelas. Em contacto directo com o
rei dos Belgas, ouviu dele o pedido para voltar a África, completar a
exploração do Congo com fins «CIENTÍFICOS, FILANTRÓPICOS E
COMERCIAIS»
e fazer alianças com os chefes indígenas.
Destas diligências e
intenções surgiu em 25 de Novembro de 1878, sob a presidência de STRAUCH (era
também secretário da associação internacional africana), com o capital de um
milhão de francos, o Comité d’Études du Haut-Congo, modesto título que encobria
a verdadeira identidade do que em 1882 se chamou a Associação Internacional do
Congo.
Dado que não era
apenas o Comité d’Études a pretender atrair para si os comércios sertanejos,
atentas também as dificuldades de simples drenagem marginal dos produtos, e
devido, sobretudo, aos interesses alheios que se estavam empenhando ao mesmo
tempo nos tratos do zaire, Leopoldo II lançou-se abertamente na aquisição de
pretensos direitos soberanos sobre os territórios e seus chefes indígenas, e no
desejo de alcançar a zona marítima do rio.
Em cinco anos foram
celebrados mais de quinhentos (500) Tratados
com os chefes indígenas, foram estabelecidas quarenta (40) estações e cinco
navios a vapor navegavam no Congo. Estava terminada, pois, a missão ostensiva
do Comité d’Études. Era agora a vez de a Associação Internacional do Congo
entrar em cena.
A penetração que a
Associação Internacional do Congo estava realizando em Africa suscitava dois
problemas: um, relativo à aquisição de territórios segundo o direito Internacional
da época; outro, concernente à cessão feita pelos chefes indígenas. Tratando-se
de territórios frequentemente habitados por povos, não podia proceder-se a uma
ocupação pura e simples. Era necessário que a tomada de posse se fizesse com
expresso consentimento da AUTORIDADE NATIVA,
consentimento esse que devia ser dado sem pressões, com inteira liberdade,
consciência e segundo os usos do país.
Henry Stanley e seus
agentes tivessem concluído tantas convenções com os chefes Tribais ou com
simples Régulos ou sobas menores, muitos chamados de regentes nos dias de hoje.
Quando Morgan, em 26
de Março de 1884, apresentou ao Senado dos Estados Unidos de América (EUA), um
relatório sobre a questão das relações que deviam estabelecer-se entre a
República e os «os
habitantes da bacia do Congo em África», foram feitas
consultas a TRAVERS TWISS e a ÉGIDE ARNTZ sobre se tais cessões investiriam a
Associação Internacional do Congo na soberania de Estado. A resposta de ambos
foi afirmativa.
Já treze dias antes, FRELINGHUYSEN,
secretário do Departamento de Estado, declarava que nenhum princípio de direito
internacional era contrário a que uma associação filantrópica criasse um
Estado.
Conferiram à
Associação Internacional do Congo, o poder de obter o reconhecimento de outras
nações, precisamente porque esta associação prova a sua existência como um
governo de direito… Se subsiste alguma dúvida sobre a soberania, ou o
território, ou os sujeitos, a interpretação entre as tribos indígenas que
concluem tratados com a Associação oferece uma garantia bastante aos outros
povos para que reconheçam a Associação como um Governo de facto.
MORGAN, relator do
parecer do Comité dos Negócios Estrangeiros do Senado norte-americano,
concluía, portanto, pelo reconhecimento da Associação. E, em 22 de Abril de
1884, uma declaração assinada por Frelinghuysen, autorizado pelo presidente e
pelo Senado, aprovava «o
fim humanitário e generoso da associação internacional do Congo, gerindo os
interesses dos Estados Livres estabelecidos (sic) naquela região»,
e dava ordem aos funcionários dos Estados Unidos, no mar e em terra, de
reconhecerem a bandeira da Associação como de um Governo amigo.
Em 23 de Abril deste
mesmo ano, a Associação prometia à França o direito de preferência, se, por
circunstâncias imprevistas, tivesse de alienar as suas possessões. No dia
seguinte o Governo Francês aceitava esse compromisso e obrigava-se, por seu
lado, a respeitar as estações e territórios livres da Associação e a não
levantar obstáculos ao exercício dos seus direitos.
Não parou a
Associação de angariar de outras potências o reconhecimento do seu pavilhão
como de um Estado amigo. Assim, celebrou convenções com;
Alemanha
no dia 8 de Novembro de 1884;
Grã-Bretanha
no dia 16 de Dezembro de 1884;
Itália
no dia 19 de Dezembro de 1884;
Áustria-Hungria
no dia 24 de Dezembro de 1884;
Países
Baixos no dia 27 de Dezembro de 1884;
Espanha
no dia 7 de Janeiro de 1885;
França
e Rússia no dia 5 de Fevereiro de 1885;
Suécia
e Noruega no dia 10 de Fevereiro de 1885;
Portugal
no dia 14 de Fevereiro de 1885,
o polémico tratado que deu origem a chamada questão da Nação Lunda Tchokwe 1890
– 1894;
Dinamarca
no dia 23 de Fevereiro de 1885.
Em 23 de Fevereiro de
1885 eram trocadas declarações entre o Governo da Bélgica e a Associação. Até
este dia todas as potências representadas na Conferência de Berlim, com
excepção da TURQUIA, tinham
reconhecido a Associação Internacional do Congo (6).
Do final da
Conferência de Berlim resultara o reconhecimento por todas as Potências
participantes de que a Associação formava um Estado soberano e independente,
cujo chefe era o rei LEOPOLDO II.
Em 1 de Julho de 1885 a fundação era proclamada em BANANA, e, no dia primeiro
do mês imediato, isto é, Agosto, o rei dos Belgas, autorizado pelas câmaras,
era investido na chefia do novo Estado e declarava-se neutral.
Assim surgia a «mais contraditória das
criações da história contemporânea» (7), o Estado Livre
do Congo, por obra e graça da fantasia diplomática da Conferência de Berlim, esta história aqui
narrada para os mandantes da Conferência Internacional dos Grandes Lagos, não
deveria ignorar.
«O Estado
Independente do Congo – dizia H.L. Samuel na Câmara dos Comuns em Lisboa em 20
de Maio de 1903 – nasceu do consentimento das grandes potências, e foi
atribuído não a um país, mas a uma personalidade, ao rei dos Belgas» (8). O
Estado era LEOPOLDO II; as suas
receitas eram os milhões desse rei Liberal, que no início, ao menos
aparentemente e com gáudio de toda a Europa, mormente das fábricas de
Manchester, queria organizar um Estado sem cobrar impostos.
…(6),(7) e (8) – Mas as fronteiras definitivas do
Estado Independente do Congo só foram determinados mais tarde: a sul, de acordo
com Portugal, em 1891 no conflito entre a Bélgica sobre a Questão da Lunda
1885-1894; a sudeste, com a Inglaterra, em 1894; a norte, com a França em 1894;
a nordeste, com a Inglaterra em 1906; a este, com Alemanha, em 1910.
…() In Jornal do Commercio, n.º 11.223, de 30 de
Abril de 1891:« A partilha de África», in nouvelle Revue.
…() In.NYS, Ernest –Ibidem, p. 21 este autor
insurgiu-se contra o facto de se pretender (segundo ele) que o Estado
independente do Congo é fruto da diplomacia da Conferencia de Berlim, e
defendeu que ele é anterior, como Estado, a esta conferencia.