terça-feira, 24 de maio de 2016

MAIS DE METADE DA FORTUNA DE ISABEL DOS SANTOS A FILHA DO PRESIDENTE DE ANGOLA PERTENCE À SONANGOL

MAIS DE METADE DA FORTUNA DE ISABEL DOS SANTOS A FILHA DO PRESIDENTE DE ANGOLA PERTENCE À SONANGOL


Rafael Marques de Morais, 24 de Maio de 2016



Isabel dos Santos inclui as acções na Galp como parte dos activos que compõem a sua fortuna, estimada em 3.3 biliões de dólares pela Forbes. Estas acções, na realidade, pertencem à Sonangol. A participação de Isabel dos Santos na petrolífera portuguesa representa perto de dois terços – mais de metade – da sua fortuna, estando avaliada em 1.6 biliões de euros (1.8 biliões de dólares), segundo o Diário Económico.


Em Fevereiro passado, a filha do presidente José Eduardo dos Santos disse o seguinte ao Wall Street Journal: “Não sou financiada por dinheiro do Estado ou fundos públicos”. E repetiu: “Não faço isso.” Desde que se assumiu como bilionária, Isabel dos Santos tem procurado provar que a sua fortuna é “limpa”, resultando do esforço da sua capacidade de empreendedorismo, numa carreira que começou com a venda de ovos aos seis anos de idade.


A presente investigação do Maka Angola desmente Isabel dos Santos e demonstra como esta obteve a sua participação na Galp através da Sonangol, num negócio pago com dinheiro do Estado, com fundos públicos.


Dedicada ao sector do petróleo e do gás, a Galp é uma das maiores empresas portuguesas, com uma capitalização bolsista de cerca de 9.5 biliões de euros.


Os factos


Isabel dos Santos está presente indirectamente na Galp através da offshore Esperaza Holding B.V., que detém 45% da holding Amorim Energia. Esta, por sua vez, é a maior accionista da Galp, com 38.4% das suas acções. A Amorim Energia é detida em 55% pelo homem mais rico de Portugal, Américo Amorim. Foi com Américo Amorim que Isabel dos Santos criou em 2005 o Banco BIC. Américo Amorim e Isabel dos Santos voltaram a associar-se na Nova Cimangola, onde a filha de JES recebeu a sua participação do Estado, que a adquiriu à Cimpor por 75 milhões de dólares.


Ora é justamente na Esperaza Holding, registada na Holanda, que se esconde o esquema mafioso entre a Sonangol e Isabel dos Santos, e que aqui se expõe.


Primeiro, em 2005, quando a Esperaza Holding entrou no capital da Galp, foi anunciada como sendo uma empresa detida na totalidade pela Sonangol, segundo os registos públicos holandeses (Câmara do Comércio Holandesa - Handelsregisterhistorie). Em 2006, o registo da Esperaza mantinha-se na Holanda, e mantinha-se como propriedade única da Sonangol.


Segundo documentos na posse de Maka Angola, a 25 de Janeiro de 2006, a Sonangol assinou um acordo com a empresa offshore Exem Africa Limited, registada nas Ilhas Virgens Britânicas, respeitante ao investimento na Esperaza Holding B.V.


Segundo o acordo, redigido em inglês, a Sonangol faz todo o trabalho e realiza, por conta própria, a totalidade do investimento em dinheiro na Galp, em nome de ambas as partes. Ou seja, todo o dinheiro investido no negócio é propriedade do Estado angolano.


Depois de cumpridas as formalidades para a constituição da Exem, a Sonangol transfere 40% da participação adquirida na Galp para a Exem. Assim, a Sonangol fica com 60% e Isabel dos Santos com os restantes 40%, através do seu veículo offshore, ou seja, a Exem. Todavia, toda a informação pública refere sempre a participação da filha do presidente na Esperaza Holding, o veículo usado para controlar as acções na Galp, como sendo de 45%, enquanto a Sonangol fica com 55% da quota.


Quem assinou o esquema na altura foi o actual vice-presidente da República, Manuel Vicente, à época presidente do Conselho de Administração da Sonangol. Em representação de Isabel dos Santos, assinou Fidel Kiluanje Assis Araújo, seu procurador legal em várias empresas, tanto em Angola como em paraísos fiscais.


O memorando que descreve a negociata divide a aquisição das acções na Galp em duas fases. Na primeira fase, está previsto que a Exem de Isabel dos Santos pague 11.2 milhões de euros (12.5 milhões de dólares) à Sonangol, equivalente a 15% do valor fixado na altura da execução da cessão dos direitos sociais.


Na segunda fase, Isabel dos Santos tem de pagar à Sonangol mais 63.8 milhões de euros (71.5 milhões de dólares), equivalente aos restantes 85% do valor correspondente à sua quota de 40% das acções da Galp compradas, na totalidade, pela Sonangol. Mas Isabel dos Santos não tem de tirar nem mais um tostão do seu bolso. Financia esse valor com os dividendos que a Galp paga à Esperaza Holding. A isso se acrescem juros não capitalizáveis iguais à Euribor a três meses.


No mesmo ano da assinatura do acordo, 2006, o marido de Isabel dos Santos, Sindika Dokolo, assumiu o cargo de administrador da Galp, em representação da Esperaza. Dois anos mais tarde, Isabel dos Santos reconheceu ser sócia da Galp. À Autoridade da Concorrência de Portugal revelou ser sócia minoritária da Esperaza Holding, através da Exem.


Explicações
Recapitulemos o esquema.

A Sonangol realizou a totalidade do pagamento por 45% das acções da Amorim Energia, que, por sua vez, detém 38.4 das acções da Galp.


A Exem de Isabel dos Santos recebeu a sua participação na Galp praticamente como doação da Sonangol. Segundo investigação do Maka Angola, não há registo oficial de que Isabel dos Santos tenha sequer pago à Sonangol os 11.2 milhões de euros inicialmente acordados.


Trata-se de uma doação ou transferência ilícita de património do Estado para a filha do presidente. Mesmo o valor que teria de pagar na totalidade – cerca de 75 milhões de euros (84.5 milhões de dólares) por 40% das acções na Esperaza – era um valor inferior ao investimento realizado pela Sonangol.


Isabel dos Santos não desembolsa um mísero tostão nesta negociata. Na prática, os restantes 60 milhões que devem ser pagos com os lucros processam-se da seguinte forma: a Galp entrega os lucros à Sonangol através da Esperaza, que os transfere para Isabel dos Santos, para esta pagar à Sonangol.


Os relatórios e contas da Sonangol não revelam quaisquer pagamentos da dívida de Isabel dos Santos à Sonangol, seja com os dividendos da Galp ou outros. O esquema mantém-se: a Sonangol comprou, Isabel dos Santos recebeu de borla, e esta afirma publicamente, de “boca cheia”, que é “tremendamente independente”. “Sempre tive o desejo de afirmar-me sozinha e não estar à sombra dos meus pais”, disse recentemente ao Wall Street Journal.


A Sonangol tem sido o banco pessoal e privativo de Isabel dos Santos, a entidade que doa milhões à princesa para ser bilionária à custa do sofrimento do povo angolano, a quem os fundos do petróleo deveriam, na realidade, beneficiar.


É a mesma Isabel dos Santos que, em finais do ano passado, por despacho do pai-presidente, assumiu a liderança do processo de reestruturação da Sonangol (http://www.makaangola.org/index.php?option=com_content&view=article&id=11830:isabel-dos-santos-comanda-reestruturacao-da-sonangol&catid=26:corrupcao&lang=pt) e da Comissão de Reajustamento da Organização do Sector dos Petróleos. Lá foi buscar a Boston Consulting Group e o escritório de advogados português Vieira de Almeida e Associados, de modo a conferir um ar de profissionalismo a mais um esquema de assalto da família presidencial à Sonangol.

Conclusão

Mais de metade da fortuna de Isabel dos Santos, calculada com os activos na Galp, pertence claramente à Sonangol, ao Estado angolano.


O analista jurídico do Maka Angola, Rui Verde, explica que “as acções de Isabel dos Santos na Galp deviam ter reserva de propriedade ou estarem penhoradas a favor da Sonangol até estarem pagos os montantes devidos. E, mesmo assim, é ilegal que uma empresa estatal funcione como banco de investimento privado da família presidencial”.


Para Rui Verde, do ponto de vista legal, “há uma entrega nula de acções a Isabel dos Santos, e estas devem ser imediatamente devolvidas à Sonangol”.


Ainda de acordo com o analista, a participação de Isabel dos Santos na Galp deve ser investigada pelas procuradorias-gerais de Angola e de Portugal, porque “indiciam tráfico de influências, peculato, prevaricação e branqueamento de capitais”.


“Basta considerar-se que a participação de Isabel dos Santos foi obtida através de métodos e verbas ilegais pertencentes ao Estado, para estarmos perante um crime de branqueamento de capitais. Logo, um crime público e de investigação obrigatória pelo Ministério Público”, remata Rui Verde.


É extraordinária e impressionante a forma como Isabel dos Santos e o pai roubam os angolanos em plena luz do dia, sendo que a sociedade, perante tanta informação, continua submissa. Estamos perante uma família de ladrões insaciáveis, e como tal devem ser tratados.