sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

SUA MAJESTADE DUMDA WATEMBO, GRANDE DIGNIDADE LUNDA TCHOKWE

SUA MAJESTADE DUMDA WATEMBO, GRANDE DIGNIDADE LUNDA TCHOKWE




O propósito deste texto não é falar da localização geográfica das terras de Dumba Watembo, mas sim a caracterização da sua personalidade, enquanto uma dignidade da Corte e um dos Aristocratas Lunda Tchokwe no final do seculo passado, os seus feitos e suas lembranças entre nós.


Relativamente ao vestuário de Dumba Watembo, há a notar que a cantaria CASSUNGO que lhe guarnecia o casaco era uma missanga de bordar, de cores diversas, muito apreciada pelos nativos Lunda Tchokwes, para a confecção de adornos. Era particularmente aplicada nas interessantes e artísticas coroas em múltiplas palas, e nos diademas, dos antigos chefes LUNDAS.


Com a mesma missanga devia ser bordado o diadema que Dumba Watembo ostentava abaixo da coroa de latão, e um pouco confundido com ela na descrição dos exploradores Europeus durante as suas viagens no coração de África.


Quando á pequena pele de antílope que usava, deve tratar-se duma pele de corça, animal em vários aspectos muito consagrado aos simbolismos do Sobado Lunda Tchokwe ainda hoje. No que se refere à coroa de latão, não apresenta ela correspondência de qualquer ordem com tradições Tchokwes ou Lundas.


Tratando-se de obra do próprio Dumba Watembo, devemos concluir que a fez inspirando-se em objectos idênticos que conheceu, ou em imagem ou ideia que lhe foi sugerida. Admitimos que se trate de influência de qualquer modo proveniente de parentes seus, investidos em altas funções de chefia nos Bângalas e na Jinga, em modos de realeza, e da nomeação dos Portugueses, como fossem, pelo menos os JAGAS de CASSANGE, originárias da família Lunda Tchokwe dos Konte, ou Tchingúri, parentes próximos dos Tembos (Tchingúri ua Konte ou Kinguri dos Bângalas, quando o Jaga de Cassange era irmão de Lueji ua Konte, governanta dos Lundas anteriormente ao primeiro Muatiânvua, e ambos parentes de Dumba Watembo).


Em qualquer caso, porém, o uso da coroa não podia de modo nenhum ser arbitrário, sem risco de agravo das relações familiares e oficiais com o estado dos Lundas da Katanga, seja com Muatiânvuas, e excede as dimensões previstas a esta nota histórico-biográfica explicar as inúmeras razões porquê.


Também tal uso não era um enjeite das normas tradicionais, e bem o comprova a presença do diadema dos chefes Lunda Tchokwes, usando a par com a coroa metálica do Dumba. No conjunto, devemos entender a presença de atributos de realeza tradicional dos Tchokwes, com os duma nova realeza, instituída pelos portugueses no oeste. Em um e outro lado tinha Dumba classificados parentes de cujas reciprocas dignidades ia resumindo em si honras, senão direitos.


Quando ao colar com «dois búzios e um pequeno chifre» deve tratar-se de N’zimbo dos Olivancillaria nana, provenientes da Ilha de Luanda, e dum chifre de corça (esta última peça geralmente recheada de produtos de curandice ou magismo é usada como amuleto).


Com vista ao bordão usado pelo Muene Dumba Watembo, e que muitas vezes lhe caia por terra, temos que o seu uso era para o efeito de exibir com maior evidência as garras de metal.


No que respeita aos anéis de latão, que lhe guarneciam os dedos, estamos em presença de um velho hábito de LUXO DOS TCHOKWES de categoria. Conhecemos grandes dignidades Lunda Tchokwes de categoria como Muatchondo e Tchilumba, em capaia que ostentavam anéis de latão e de cobre finamente cinzelados, em todos os dedos de mãos e na maior parte dos dedos dos pés. Aliás os nativos sabem-no bem, o metal amarelo e o cobre principalmente contrastam e realçam a beleza do tom das peles melanodermes.


Finalmente, quando às «longas unhas» de latão usadas por Dumba Watembo (melhor chamar-lhes garras e lembrarmos que Dumba significa Leão) trata-se duma exteriorização visível e tangível dos seus predicados de chefe poderoso, a que o próprio nome DUMBA não é estranho.


As garras do Dumba, como leão e como chefe, expressam a força e o poder de Dumba Watembo, que já traduzimos como LEÃO DE TEMBO ou Watembo. Este facto está de acordo com certos estilos e conceitos da vida Tchokwe, que levam os indivíduos a atribuir a si próprios os nomes e insígnias que entendem definir ou vincar a sua personalidade, caracter ou acção.


Por via inversa, também usam marcas ou símbolos que traduzem exteriormente os predicados do nome ou a condição, ou de ambos os factos ao mesmo tempo. É este o caso das garras de leão de Dumba Watembo, Rei dos Tchokwes, guerreiro contra os Minungos (guerras intestinas entre as mesmas tribos Tchokwes), Régulo e senhor das extensas florestas do mel, cabeça ornada com insígnias de duas realezas para maior glória dos Tembos e mais temerosa fama dos «demónios silículas do Tchiboco».


A titulo de pesquisa genealógica dos antepassados de Dumba Watembo, complementarmente a este registro histórico-biográfico, podemos acrescentar que, muito antes da presença dos Tembos na LUNDA dos Muatiânvuas na Katanga Ocidental, onde seria já um Tembo quem governava, no rio Lulua, um núcleo de povos que vieram mais tarde a constituir os Tchokwes, o nome Tembo já surgia, nos caminhos do nordeste Africano.


O QUE DIZ A TRADIÇÃO LUNDA TCHOKWE


Segundo tradições orais Lunda Tchokwe, que largamente recolhemos durante muitos anos, Tembo Kalunga (Thumba Kalunga) seria o nome de um dos filhos, o primeiro deles, de Tembo e Samba, os primeiros pais, ou pais edénicos, do povo Tchokwe, que tiveram por terra natal o misterioso LUFANDJIMBA, paragem que identificamos como sendo o Lago Vitória.


Encontra-se também o nome Tembo no quadro de reis da UGANDA. Ocupa o sexto lugar numa lista de 35, de acordo com Henry Stanley, “Através do Continente Negro”, Lisboa, 1880, Vol.II. págs.61. Tembo e Tembue são toponímicos, a meio da margem ocidental do TANGANICA, e na região do Lualaba-Lufira, próximo dos montes Kibara, encontramos mais uma vez o nome Tembo sob esta e outras grafias, Hermann Baumann, “Les Peuples et les Civilisations d’Afrique”, Paris, 1943. Págs. 183.


Seguidamente, descendo sempre na carta de África, encontramos o nome TEMBO NA KATANGA, mais tarde no Tchiboco, e em outras regiões da Lunda e Angola no geral, nestes casos já perfeitamente identificados com o Dumba Watembo de que estamos a tratar neste texto.


Não podemos deixar de dizer que esta pré-história dos Tembos é apresentada com todas as reservas.


Ressalvamos, no entanto, a versão etno-histórica de Tembo Kalunga filho dos primeiros pais Tchokwes, que é matéria de tradição e crença da própria tribo Tchokwe e Lundas, e por isso aceitável como história do povo, aliás insistentemente repetida. A partir daqui, assinalámos o nome Tembo, mas sem lhe podermos assegurar relações, senão a partir da sua comprovada existência na Katanga, nos finais do século XVI.


Em 1878 foi descrito e retratado o Dumba Watembo do Tchiboco, figura central destas notas, algo biografadas. Dele se pode dizer, que foi o primeiro e último de que se obteve registro. Nele se resume aqui por esse motivo em certa medida, um esboço geral dos Tembos.


De acordo com a oralidade Lunda Tchokwe, Dumba Watembo que temos vindo a descrever é o tio materno do Rei Muatchissengue Watembo, a linhagem da família real Tchokwe segundo a genealogia.


Em 1946 visitámos a zona original do velho estado do Tchiboco. Dos Dumba Watembo perdurava apenas uma tradição, enfraquecida pela Grande Fome, mortificada pela praga da varíola que em seguida assolou o território, conforme o relata a história tradicional daquelas belas florestas, onde os narradores nos descrevem, viva e dramaticamente, as funambulescas figuras humanas mumificadas pela fome no período da grande praga.


Podemos localizar aqui o epílogo do estado do Tchiboco o qual, e pelas razões já citadas, mesmo sem aquele flagelo, nunca perdurariam, não obstante as garras de latão de Dumba Watembo, ou de antecessores ou sucessores seus, que muito provavelmente as tivessem usado também.



OBS: Thumba Kalunga – Muacanhica, Muambumba, Makhaia, Muandumba (Dumba) e Tembo, esta teve Muatchissengue e Kaita Ka Tembo ou Watembo –a história continuará…TEXTO RECOLHIDOS, sobre a historia e etnografia dos povos da Lunda.