O MINISTRO DA JUSTIÇA DE
ANGOLA E OS PATRIOTAS POSTIÇO
Moiani
Matondo, 15 de Dezembro de 2015
O ministro Rui Mangueira, um dos arautos
governamentais da dupla fala.
Por
estes dias, não há ministro ou dirigente angolano que não se queixe da
ingerência estrangeira em Angola, ou da discussão dos assuntos angolanos no
estrangeiro, quando neste país certamente tudo vai no melhor dos mundos.
Não
se percebe bem quem é que estes dignitários pensam que está a ingerir em
Angola. O governo português não é de certeza. É difícil encontrar mais
prestimoso e deferente aliado do regime angolano.
Talvez
os americanos sejam os interferentes, mas estes há muito que parecem fazer
vénias ao regime, na busca de uma parceria estratégica político-militar na
África subsaariana. Prova disso é o recente encontro, em Washington, entre o
secretário de Estado John Kerry e o ministro das Relações Exteriores Georges
Chikoti. Os EUA privilegiam o diálogo com o governo angolano. Todavia, andam
tão ocupados entre o Médio Oriente e a Europa, com a China à perna, que não é
crível imaginar os americanos a traçar planos maquiavélicos para Angola.
São
os mesmos americanos que, numa série televisiva de sucesso (Scandal),
inventaram um país em África chamado Angola Ocidental… Isto mostra bem como
andam desatentos…
Na
realidade, esta é uma das linhas de defesa do regime face ao clamor
condenatório que se levantou espontaneamente contra os abusos políticos e
judiciais em curso. Angola defende que esses assuntos só devem ser tratados em
Angola, por angolanos. Os não angolanos que falem ou escrevam sobre o assunto
são apodados de analfabetos e ignorantes; os angolanos que critiquem os abusos
no estrangeiro são apelidados de traidores à pátria.
Ainda
recentemente sua excelência o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos Rui
Mangueira lamentou que os angolanos recorressem às instituições internacionais
para dar conta dos problemas do país sem esgotar todos os mecanismos internos.
E,
no entanto, quem é que vai falar no dia 16 de Dezembro, na Chatham House, em
Londres, sobre as prioridades e o processo de reforma da justiça angolana? O
próprio ministro Rui Mangueira. Em Angola, para além dos "pensólogos"
do regime, ninguém sabe que reforma judicial é essa, nem se assiste a qualquer
discussão alargada acerca do tema. Contudo, em Londres vai-se ter em primeira
mão acesso às ideias abrilhantadas de sua excelência.
Ora,
Londres é em Inglaterra, não é em Angola, e na plateia da Chatham House estarão
distintas senhoras e cavalheiros do mundo dos negócios e uma mão cheia de
curiosos. A Chatham House tem um programa dedicado ao país, o Angola Forum, que
é na realidade um mecanismo para que homens de negócios britânicos e multinacionais
que a financiam interajam com membros do regime angolano, que são ao mesmo
tempo os grandes empresários nacionais. Essa instituição tornou-se também no
fórum privilegiado, não-estatal, para a promoção da diplomacia e da imagem do
regime angolano no Ocidente.
Portanto,
quem é que em primeira mão leva os assuntos para o estrangeiro? Nisto, como em
muita coisa, o regime recorre a uma dupla fala.
Por
sua vez, o embaixador itinerante António Luvualu de Carvalho foi à cidade do
Porto, em Portugal, a 30 de Novembro, entregar um dossier de mais de mil
páginas ao Observatório Português dos Direitos Humanos. Em Angola, o governo
que Luvualu de Carvalho representa não falou com a sociedade civil nem lhe
dirigiu qualquer palavra sobre o assunto. Ou será que em Angola não há uma
sociedade civil ligada aos direitos humanos com quem o regime possa conversar?
O
embaixador foi até ao Porto falar do Censo Populacional realizado em Maio de
2014 e cujos resultados até hoje não foram divulgados em Angola; houve somente
um resumo feito pelo presidente José Eduardo dos Santos num dos seus discursos.
Luvualu de Carvalho, em nome do seu
governo, quis assim que “as organizações da sociedade civil
[portuguesa] tivessem contacto directo com todos os documentos que permitem ter
acesso a dados muito importantes sobre Angola”. Então, apenas a sociedade civil
portuguesa deve ser informada sobre Angola pelo regime, para fazer
manifestações a seu favor, no Rossio, em Lisboa.
Também
nos últimos tempos outro embaixador, desta feita um antigo ministro dos
negócios estrangeiros português ao serviço do regime angolano, António Martins
da Cruz, afirmava do alto da sua pomposidade que o lugar para se discutir as
questões dos direitos humanos em Angola seria as Nações Unidas e não o Rossio
ou outro sítio qualquer. Parece, pois que as Nações Unidas mudaram a sua sede
para a cidade invicta do Porto, por iniciativa de Luvualu. Eis, de novo, a
dupla fala, a incoerência dos governantes e dos seus serventuários internacionais.
Acresce
que a maior parte das reformas jurídicas ocorridas em Angola tem sido feita por
empreitada externa encomendada a distintos juristas das universidades
portuguesas. No entanto, a investigação jurídica portuguesa raramente passa da
cidade espanhola de Badajoz. Contam-se pelos dedos das mãos os juristas
portugueses com impacto internacional, além da Serra da Estrela. Existem
alguns, mas não são aqueles que se afadigam a trazer soluções retorcidas para o
direito angolano. De dois casos de juristas portugueses colaboradores em
Angola, que bem conhecemos, um é famoso por fazer compilações de legislação
publicada e outro por abusar do copy paste («corta e cola»)… E aqui
pergunta-se: onde está a qualidade e capacidade dos juristas angolanos? Terão
sempre um estatuto de menoridade; serão apenas vaidosos no uso dos seus
diplomas? Uma coisa seria criar grupos de trabalho com portugueses, outra coisa
é encomendar leis…
E ainda por cima, aparentemente, pagar milionariamente por
esses trabalhos, que estão a transformar o direito angolano numa confusa manta
de retalhos. É essa a reforma patriótica, Rui Mangueira?
Ficamos
todos a aguardar com interesse aquilo que o ministro Rui Mangueira tem a dizer
aos ingleses sobre a justiça angolana. Pedimos desde já a sua alta permissão
para também nós nos dirigirmos aos ingleses, em Inglaterra, de forma a
explicarmos o nosso plano de reforma do presidente, há 36 anos no poder, do
truculento procurador-geral da República, o general João Maria de Sousa, dos
juízes que só sabem receber ordens superiores, assim como de outros factores
impeditivos da realização da justiça e da democracia no nosso país.