PARTE
III - A EVOLUÇÃO POLÍTICA DE AFRICA E A LUNDA 1884 – 1891
3.-
A CONFERÊNCIA DE BERLIM OU AFRICANA
3.1.-
OS PRETEXTO DE GRANVILLE PARA NÃO RATIFICAR O TRATADO DO CONGO (ZAIRE)
Era esta a conjuntura internacional quando se
reuniu a Conferência de Berlim, também conhecida de conferência Africana. Desde
logo a questão sobre a LUNDA não foi
tratada na conferência de Berlim, porque nem em Portugal, nem no resto da
Europa havia conhecimento da existência de ocupações coloniais nas terras do
Muatiânvua, que se manteve livre e independente.
No dia 9 de Maio de
1884, GRANVILLE comunicava ao
ministro português em Londres que o embaixador alemão lhe confidenciara que as
câmaras de comércio alemãs estavam a fazer representações contra o Tratado e
que BISMARK anunciara que ia «fazer da questão do Congo (Zaire) o objecto de um acordo internacional» (21). Por
isso, dizia o primeiro-ministro britânico que não poderia o TRATADO ser discutido nas Câmaras sem
se arredarem antes as dificuldades que a França, a Alemanha e o rei Leopoldo
estava levantando (22). Sugeriu, então, em 12 de Maio, o Governo de Portugal ao
de Inglaterra que se convocasse uma conferência para resolver, por comum ACORDO DOS INTERESSADOS, a questão do
Congo (Zaire) e os problemas decorrentes do tratado (23).
No dia seguinte o
Ministro dos negócios estrangeiros português fazia expedir uma CIRCULAR para todas as legações a fim
de elas proporem uma conferência internacional sobre assuntos AFRICANOS. Mas a este alvitre não
chegou nunca a Inglaterra a responder.
Em abril já o príncipe BISMARK se entendera com FERRY a manifestar-lhe a sua oposição à
efectivação das cláusulas do Tratado do Congo (Zaire). Em 18 de Junho o Marquês de Penafiel,
ministro de Portugal em Berlim, informava, por telegrama, o ministro dos
negócios estrangeiros JOSÉ VICENTE
BARBOSA DU BOCAGE (que foi plenipotenciário português no
contencioso da questão da Lunda 1885-1894 com a Bélgica, assunto que será
tratado depois de concluirmos esta matéria da evolução politica de Africa e a
Lunda), de que o Governo Alemão lhe manifestara o seu desacordo às
disposições do tratado e a opinião de se reunir uma conferência para se regular
a questão do CONGO (24).
No dia 20, dois dias
depois, o ministro português em Londres comunicava por via telegráfico que GRANVILLE lhe dera conhecimento da
posição de Bismark perante o Tratado e que encarregaria o ministro da
Inglaterra em Lisboa de dar a conhecer ao Governo Português o ponto de vista do
CHANCELER (25). Efectivamente, PETRE, ministro da Inglaterra em
Lisboa, em 24 de Junho, pessoalmente, e quatro dias depois, por escrito, levava
ao conhecimento de J.V. Barbosa du Bocage que, perante as objecções levantadas
pelas Potências, seria inútil a ractificação do TRATADO de 26 de Fevereiro.
3.2.-
OS DIÁLOGOS DE VARZIM
O programa da
Conferência foi combinado entre a Alemanha e a França. BISMARK, em 11 de Agosto de 1884, propôs a FERRY a adopção de princípios comuns para a resolução dos problemas
do Congo e para a fixação do regime político dos territórios das duas costas da
África ainda não ocupados pelas Potências europeias. A França respondeu às
aberturas da Alemanha, e as entrevistas vieram a ter lugar entre Bismark e o
barão de COURCEL, embaixador francês
em Berlim, em 26 e 27 do mesmo mês de Agosto, em Varzim, nos arredores da
capital germânica. Desses encontros resultou uma unidade de entendimento quanto
aos seguintes pontos:
«1.º Liberdade de comércio na bacia
e nas embocaduras do Congo (Zaire);
2.º Aplicação ao Congo (Zaire) e ao
Níger dos princípios adoptados pelo congresso de Viena, tendentes a consagrar a
liberdade da navegação sobre vários cursos de águas internacionais (…);
3.º Definição das formalidades a
observar para que as ocupações novas nas costas de África fossem consideradas
como efectivas.» (26)
O terceiro ponto tinha
por objecto contrariar as ocupações que a Inglaterra pretendia no golfo da
Guiné, em prejuízo da França, e no Sudoeste Africano, contra os interesses da
Alemanha, e ao mesmo tempo obstar aos interesses da expansão territorial da
Associação e aos interesses de Portugal (que ele considerava históricos, desde
quando?) (27).
Em VARZIM, Bismark apresentou a ideia da convocação de uma conferência
internacional para a consagração dos pontos acordados. A França concordou. O
Chanceler propôs, por deferência, que a conferência se reunisse em Paris. A
França insistiu por BERLIM, mas foi
a Alemanha, para não comprometer a França, que dirigiu os convites.
3.3.-
A ABERTURA DA CONFERÊNCIA
A Inglaterra só aceitou
participar na conferência em fins de Outubro, depois de ter sido esclarecida
sobre o seu programa. Portugal recebeu, em 12 de Outubro, de SCHMIDTHAIS,
ministro da Alemanha em Lisboa, o convite alemão, que foi aceite três dias
depois, sem reservas. No dia 15 de Novembro
de 1884, na capital alemã, iniciou a almejada CONFERÊNCIA INTERNACIONAL
AFRICANA, os seus trabalhos sob a presidência de Bismark, que fez um
discurso breve. Depois de agradecer às Potências terem acedido ao convite
alemão, expôs a traços largos o programa da conferência.
3.3.1.-
PAISES PRESENTES NA CONFERÊNCIA DE BERLIM
Estavam presentes os
plenipotenciários da Alemanha, Áustria-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha,
Estados Unidos da América, França, Grã-Bretanha, Itália, Países Baixos,
Portugal, Rússia, Reino da Suécia e Noruega e Turquia.
Se e que a Conferência
de Berlim foi convocada para consagrar todos os princípios defendidos nos
diálogos de Varzim, a verdade é que ela foi quase inteiramente absorvida pela
preocupação de tornar a Associação num Estado Independente em Africa, e não foi
encerrada sem todas as Potências representadas, menos a TURQUIA, reconhecerem o pavilhão da obra do rei dos Belgas como o
de um Governo Amigo.
A Conferência demorou
até 26 de Fevereiro de 1885 e teve uma dezena de sessões plenárias.
Esta demora deveu-se
apenas às longas negociações em que os agentes da Associação andaram empenhadas
para obter das várias Potências o reconhecimento da sua bandeira. Foi nos
bastidores que a diplomacia inigualável de LEOPOLDO
conseguiu a criação do Estado do Congo. Ele mesmo levou BISMARK a presidir à
conferência, embora o não tivesse demovido da convicção de que «SEM
ESQUADRA E SEM CAPITAIS FICARIA DEPENDENTE O ULTRAMAR DA BOA VONTADE E DAS
CONTINGÊNCIA DA POLITICA DA POTÊNCIA QUE DOMINASSE OS MARES; E ISSO NÃO LHE
AGRADAVA» (28).
Talvez por isso e
porque a autoridade do Chanceler nunca deixou de fazer-se sentir na
Conferência, é que LORD GREY of
Fallodon teria dito ao embaixador alemão que, «se Bismark tivesse querido,
teriam passado para a Alemanha os territórios que foram atribuídos à Bélgica
(G.P., vol. XXIX p.202)» (29). A França prometera
Leopoldo II a preferência sobre os territórios que revertessem em seu favor a
300 Km da costa; aos Estados Unidos de América a liberdade económica.
3.4.-
A REPRESENTAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL AFRICANA E A REPRESENTAÇÃO DOS
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
A Associação
Internacional Africana não esteve representada oficialmente na conferência. Não
podia estar evidentemente. Mas teve, porém, «agentes oficiosos e
dedicadíssimos», para empregarmos os termos com que o Representante de
Portugal Marques de Penafiel se havia referido (30), a SANFORD, segundo plenipotenciário do Governo dos ESTADOS UNIDOS DA AMERICA na
conferência (31).
Os EUA haviam enviado à conferência três representantes: KASSON, SANFORD e, depois do regresso da sua terceira viagem à Africa, o sr
HENRY STANLEY. Sanford tinha sido
ministro em Bruxelas. Lá ficou a residir e soube obter as boas graças da
família REAL BELGA. Era um homem dos
seus 50 anos, «alto, robusto, de aspecto sadio, de fisionomia prazenteira e agradável,
(…), não excessivamente instruído» (32). Desde logo se revelou muito
activo no reconhecimento da Associação Internacional pelo seu país (EUA), e, em
numerosos debates, interveio constantemente, embora sem estar para eles
suficientemente preparado. Parecia mais ao serviço do rei Leopoldo II do que ao
do seu país. De resto, o convite alemão feito aos Estados Unidos de América, a
única das potências americanas convidadas para fazer representar na
conferência, devia ter obedecido à circunstância do Henry Stanley, «o
chefe visível da Associação Internacional», ter essa
nacionalidade, «e por se saber que o Governo daquele país lhe era favorável»
(33). Porquanto, «um jornal
americano, World, que pertencia ao Partido do novo presidente, censurando
o governo anterior por ter mandado plenipotenciários à conferência de BERLIM, dizia que o interesse dos
Estados Unidos nas questões do CONGO
era completamente nulo, porque, na então última estatística oficial, o comércio
de seu país com aquelas regiões figurava apenas com 26 dólares…» (35).
3.5.-
A REPRESENTAÇÃO DA BÉLGICA
A Bélgica enviou à
conferência dois plenipotenciários: o CONDE
DE VAN DER STRATEN-PONTHOZ e o BARÃO LAMBERMONT. O primeiro, era um
antigo diplomata, muito correcto e muito homem de bem. Tinha-se por verdadeiro
representante da Bélgica e disso fazia ostentação. Ao falar na sessão de 18 de
Dezembro de 1884 e a propósito da restrição das bebidas alcoólicas para certas
populações muçulmanas do NIGER, ele,
que tinha estado na América em contacto com populações índias e lhes tinha
apreciado os estragos produzidos pelo álcool, teve oportunidade de proferir um
discurso patético e humanitário, sem tocar nos interesses da Associação (37). O barão Lambermont,
muito ao contrario, era mais representante do rei dos belgas do que da Bélgica,
e foi a BERLIM para acautelar os interesses da Associação Internacional, sem,
contudo, os defender abertamente. «(…) Inteligente, ilustrado, prático de
negócios, trabalhador sobretudo, (…), de 66 a 67 anos, (…), pequenito, já um
pouco engelhado, com uns olhos espertos, debaixo de uma correcta e elegante
cabeleira, o barão era um homem muito polito, muito afável, tinha uma conversa
animada, e até às vezes ligeiramente picante. Porém, era mais um distinto
burocrata do que um grande diplomata» (38). Secretário-geral do
Ministério dos Negócios Estrangeiros de Bruxelas, em que ele era tudo, redigia
com precisão e elegância notas e tratados.
Na conferência, teve a
incumbência de dar a redacção a todos os relatórios, a todos os actos. Sem
poder ser apodado de imparcial, parecia, contudo, mais dedicado ao seu soberano
do que propriamente aos negócios da Associação, em que, parece, não tinha
interesses seus comprometidos. Por delegados, teve a
Bélgica BANNING, diretor-geral do
mesmo ministério. «Inteligente, instruído, pouco simpático, baixo, meio cambado
e coxo, ele era a alma danada do barão Lambermont, e tomou, segundo parece, uma
grande parte nos trabalhos deste. Quando o barão falava, na comissão, o seu
delegado zumbia-lhe ao ouvido, e uma ou outra vez na fisionomia do
plenipotenciário se desenhou um certo ar de impaciência» (39).
Deste modo, a
Associação Internacional estava bem presente na conferência de BERLIM
1884-1885.
3.6.-
A DELEGAÇÃO DE PORTUGAL
A delegação de Portugal
era constituída pelo Marques de Penafiel,
ministro português em Berlim, por António
Serpa Pimentel, par do reino e antigo ministro, e por Luciano Cordeiro, secretario perpetuo da Sociedade de Geografia de
Lisboa, Carlos Roma du Bocage, adido
militar em Berlim, e os condes de Penafiel
e S. Mamede, adidos também portugueses na capital germânica, prestaram a
delegação de seu país notável ajuda. Abandonado pela
Inglaterra, que lhe recusara a ratificação do TRATADO DO CONGO (Zaire), abeirado da França, que tinha, como ele,
interesses a defender no Médio e Baixo Congo, Portugal enviava a Berlim os seus
representantes portadores de inauferíveis direitos – como lhe chamava Sá da Bandeira -, mas olhados pela
Alemanha e pelos agentes da Associação Internacional com compreensível
desconfiança.
«NOTA
IMPORTANTE, em nenhum momento, PORTUGAL ou a BÉLGICA foram para esta
conferência, para tratar da questão da LUNDA ou dos territórios sob domínio do
imperador Muatiânvua, nem mesmo as outras potências presentes, as convenções
celebradas a margem do evento, atestam isto mesmo. Se nós estamos a mentir, que
Portugal proteste, Bélgica faça o mesmo, que a França, Alemanha, a Inglaterra e
os ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA país que esteve presente nos trabalhos da
conferência proteste. Se o texto que temos estado a produzir é falso, que
Portugal, Angola, Bélgica, França, Alemanha, Inglaterra protestem».
3.7.-
O ACTO GERAL DA CONFERÊNCIA DE BERLIM
A primeira questão
discutida e resolvida na conferência foi a definição e a aplicação do princípio
de liberdade de comércio. Na definição do princípio, questão de doutrina que
era, varias foram as fórmulas esboçadas ou previstas. Mas quaisquer que fossem
a compreensão e a extensão deste conceito, o primeiro aspecto a tratar era
naturalmente a zona de aplicação do regime não só para servir, ainda que
indirectamente, à sua definição, mas também para levar ao assentimento e
respeito das potências territoriais que porventura aí exercessem as suas
soberanias.
Foi então que se definiu, embora
muito imprecisamente e com alguma oposição da delegação portuguesa, a chamada
Bacia Convencional do Congo (Zaire): a norte, a linha divisória entre a bacia
do rio Zaire e as bacias do Niári, Ogoué, Chári e Nilo; a leste, o lago
Tanganica e seus afluentes orientais; a sul, as cristas das bacias do Zambeze (Liambegi
tchokwe) e do Loge; a ocidente, o oceano
desde o paralelo de 2º30’ de latitude sul até à embocadura do Loge.
Serpa Pimentel,
servindo-se da dificuldade que ao tempo havia de definir com rigor a bacia do
Congo, chegou a propor a liberdade de comércio para a bacia deste rio
compreendida entre o mar e STANLEY-POOL apenas. Mas «depois aceitou igualmente
a definição atrás indicada da bacia geográfica» … (40).
Convencionou-se nas
seguintes bases gerais:
«I O livre acesso de todas as bandeiras (Europeias, menos as
africanas, claro), sem distinção de nacionalidade, incluindo o exercício de
cabotagem e da batelagem marítima e fluvial, em igualdade de condições com a
bandeira nacional respectivas;
II A taxação igual, e restritiva à
justa compensação das despesas úteis ao comércio, das mercadorias importadas de
qualquer procedência ou sob qualquer bandeira, com interdição absoluta de tratamento
diferencial;
III A isenção de direitos de entrada e
de transito, por um período de vinte anos, pelo menos;
IV A interdição de qualquer monopólio
ou privilégio em matéria de comércio;
V A igualdade de tratamento para os
nacionais e estrangeiros no que importa a propriedade das pessoas e bens, à
aquisição e transmissão de propriedade e ao exercício das respectivas
profissões» (41).
Embora na redacção
destas matérias, que constituíram a primeira parte do Acto Geral da
Conferência, a Comissão não contasse abertamente com a Associação
Internacional, era a ela que, neste particular, fazia os seus mais confiantes
apelos. No consenso tático das potências participantes na conferência, a Associação
estava bem nos seus pensamentos. Diz Banning que o barão de COURCEL lhe chamava «LA
DAME DE NOS PENSÉES» (42). Do acto geral constava
também, além da «Déclaration relative à la liberte du commerce dans le bassin
du Congo, ses embouchures et pays circonvoisins (…)»:
«2.º Une Déclaration concernant la traite des esclaves et les
opérations qui sur terre ou sur mer fournissent des esclaves à la traite;
3.º Une Déclaration relative à la
neutralité des territoires compris dans le bassin conventionnel du Congo;
4.º Une Acte de navigation du Congo,
qui, en tenant compte des circonstances locales, étend à ce fleuve, à ses
affluents et aux eaux qui leur ont assimilées, les príncipes généraux énoncés
dans les articles 108 à 116 de l’Acte final du Conggrés de Vienne et destinée à
régler, entre les Puissances signataires de cet Act, la libre navigation des
cours d’eau navigables qui séparent ou traversent plusieurs États, príncipes
conventionnellement appliqués depuis à des fleuves de l’Europe et de
l’Amérique, et notamment ao Danube, avec les modifications, prévues para les
traités de Paris de 1856, de Berlim de 1878, et de Londres de 1871 et de 1883;
5.º Un Acte de navigation du Niger,
qui, en tenant également compte des circonstances locales, étend à ce fleuve et
à ses affluents les mêmes príncipes inscrits dans les articles 108 à 116 de
l’Acte final du Congrés de Vienne;
6.º Une Déclaration introduisant dans
les rapports internationaux des régles uniformes relatives aux occupations qui
pourront avoir lieu à l’avenir sur les côtes du Continent Africain» (44).
Embora seja verdade que
foram várias as Potencias Europeias a ser ouvidas em Berlim, o certo é também
que o conteúdo da Conferência e as suas conclusões tinham saído perfeitamente
definidas dos diálogos de Varzim.
Os plenipotenciários
tiveram apenas ocasião para arrumar questões de pormenor, sem fugirem aos
traços que o discurso inaugural de BISMARK delineou.
Havia apenas que
angariar o apoio público e solene do concerto europeu para a obra que a
Associação Internacional estava prometendo. Por isso se compreende que, não
estando esta oficialmente ali representada, o rol maior dos problemas se
tivesse tratado e debatido nos bastidores.