A
VISÃO DE JES – OLHEM PARA O QUE ELE DIZ E ESQUEÇAM O QUE ELE FAZ – FOLHA8, 29 de Março de 2014
O presidente José
Eduardo dos Santos considera, e bem, que a situação na região dos Grandes
Lagos é “preocupante”, que “perturba e retarda” o processo de integração e o
desenvolvimento de África. Na devida proporção é o mesmo que se passa em
Angola. Ou seja, o MPLA “perturba e retarda” o desenvolvimento, sobretudo
social.
José Eduardo dos Santos
considera aquilo a que “o grande desafio” é saber se os líderes africanos “são
capazes ou não de banir os conflitos armados, as rebeliões e as subversões”.
“Temos o dever de
dizer que sim! Somos capazes de trabalhar para que isto aconteça, pois somos
a esperança dos povos que confiaram em nós a condução dos seus destinos”, frisou.
Não é certo que, no caso angolano, tenham sido os cidadãos a confiarem
livremente o seu destino nas mãos de um regime que diariamente avilta e
desrespeita a dignidade dos angolanos.
Eduardo dos Santos
chama à colação a Carta Constitutiva da União Africana que, segundo ele, “diz
tudo”. É mais ou menos o que diz a Constituição de Angola. Diz muita coisa
mas, mesmo tendo sido feita por medida e à medida do regime, não é respeitada
pelos poderes existentes ou, melhor, pelo único poder existente que é o Presidente
da República, por sinal presidente do MPLA e chefe do Governo.
“Basta respeitar a
Carta Constitutiva da União Africana e implementá-la para se alcançar esses objectivos
e reforçar a nossa cooperação em todos os domínios, cumprindo os compromissos
assumidos”, diz Eduardo dos Santos. É claro que a tese do presidente aplica-se
aos outros e não a Angola.
Angola tem pela
frente os desafios da instabilidade no leste da vizinha República Democrática
do Congo e os conflitos recentes na República Centro-Africana (RCA) e no
Sudão do Sul. Tem também, é claro, imensos desafios internos. Mas esses terão
de esperar. E a espera nem sequer é novidade. Desde 1975 que os angolanos
esperam que o país seja uma democracia e um Estado de Direito. E quem já
esperou tanto tempo não terá, em princípio, problemas em esperar mais uns 30
anos que é o tempo que o MPLA estima como necessário para lá chegar.
Para fazer face a
estes desafios externos, José Eduardo dos Santos sintetizou que a posição de
Angola será a de “manter o diálogo e obter consensos”. Mais uma vez o regime
aplica aos outros o que não faz aos seus. Internamente diálogo é sinónimo de
monólogo e consenso significa estar sempre de acordo.
Angola vai assentar a
sua acção nos planos político, económico-social e desenvolvimento regional e
de defesa e segurança, segundo o programa anunciado por José Eduardo dos Santos.
No plano político,
privilegiará a aplicação dos princípios constantes do Pacto sobre a Paz, a
Estabilidade e o Desenvolvimento da Região dos Grandes Lagos, assinado em
Dezembro de 2006 em Nairobi, e o cumprimento dos compromissos assumidos “para
a busca da paz e estabilidade” na RCA e no Sudão do Sul.
No segundo plano,
Angola vai “envidar esforços” para promover as trocas comerciais e de
experiências nos domínios administrativo, gestão macroeconómica, combate à fome
e pobreza, aumento do emprego e da cooperação nos sectores da economia real
para consolidar a diversificação das respectivas economias.
Finalmente, no
capítulo da defesa e segurança, Luanda vai continuar a promover a gestão
conjunta da segurança das fronteiras comuns, e a cooperação sobre questões
gerais de segurança, designadamente o combate ao tráfico de seres humanos,
imigração ilegal, exploração ilícita e pilhagem de recursos naturais,
proliferação ilegal de armas e prevenção e combate das actividades criminosas
transnacionais e terrorismo.
“Trabalhemos juntos
para garantir um futuro melhor para os nossos povos”, diz Eduardo dos Santos.
Se o tivesse feito em Angola, certamente que o país e os cidadãos estariam a
anos-luz do actual estado em e milhões têm pouco ou nada.
Recorde-se que no dia
1 de Junho de 2012, Eduardo dos Santos defendia em Luanda, com toda a garra,
que “não pode ser tolerado o ressurgimento dos golpes de estado em África”.
Tinha, como sempre
tem (ou não fosse o “escolhido de Deus”) razão. Aliás, a democraticidade do
seu regime e a legitimidade do seu mandato são prova disso. Como bem estabelecem
as regras, há ditadores bons e maus. Daí que só os maus devam ser derrubados.
Não é, obviamente, o caso de Eduardo dos Santos.
José Eduardo dos
Santos discursava nessa altura na abertura da cimeira extraordinária de Chefes
de Estado e de Governo da SADC, que analisava a situação política da região e
da integração económica regional.
De acordo como
Presidente, o continente necessita de exemplos concretos que confirmem que
África pretende “virar firmemente uma página do passado de uma história em
comum”, marcado pela existência de “governos autoritários ou autocráticos,
para dar lugar a sociedades e instituições democráticas”.
Ver Eduardo dos
Santos fazer um discurso, burilado pelos especialistas brasileiros, em que faz
a apologia da democracia e condena os governos autoritários, é digno de registo
no anedotário mundial.
Em 9 de Maio de 2008
já o chefe de Estado lançava um desafio para combater a corrupção e o tráfico
de influências, que “atentam contra os interesses nacionais”.
Afinal, estando Eduardo
dos Santos na Presidência da República há uma porrada de anos, estando Eduardo
dos Santos há uma porrada de anos a chefiar o MPLA, estando o MPLA há uma
porrada de anos no Governo, o que terão andado a fazer desde 11 de Novembro de
1975?
Nesse dia, ao
discursar na abertura da III Conferência Nacional do MPLA, em Luanda, o
presidente do partido disse ainda que tinha de ser garantida a liberdade de
imprensa e de expressão e um bom funcionamento do sistema de justiça, que são
“condições essenciais para o aprofundamento da democracia”.
O chefe de Estado
angolano sublinhou que os desafios que lançou na abertura da conferência
“não são promessas demagógicas porque são fundamentadas por um estudo elaborado
por técnicos competentes sobre a realidade nacional, que teve em conta as
necessidades do povo e os recursos da nação”.
Com um programa ambicioso
de construção de um milhão de habitações, das quais 500 mil nas áreas rurais,
o Presidente afirmou que a questão das habitações em Angola merece
“insatisfação geral” e a “aposta vai para a construção de habitação social e
para o alojamento de pessoas de média renda”.
A Educação era também
uma prioridade, tendo o chefe de Estado apontado para a criação de uma unidade
de ensino superior ou médio em cada uma das 18 províncias angolanas. Outras
das prioridades estabelecidas por José Eduardo dos Santos foi a Saúde,
nomeadamente no que diz respeito às mulheres grávidas e às crianças com menos
de cinco anos.
Há quem diga que no
país de Eduardo dos Santos, que não é o mesmo da maioria dos angolanos, há 70%
de pobres. Alguém acredita nisso? Segundo José Eduardo dos Santos, quando ele
nasceu já havia muita pobreza na periferia das cidades, nos musseques, e no
campo, nas áreas rurais.
Eduardo dos Santos denuncia
também os oportunistas que pretendem promover a confusão no país para
provocar a subversão da ordem democrática estabelecida na Constituição da
República, e derrubar governos eleitos, a favor de interesses estrangeiros.
“Hoje há uma certa
confusão em África e alguns querem trazer essa confusão para Angola”, declarou
Eduardo dos Santos, adiantando que “devemos estar atentos e desmascarar os
oportunistas, os intriguistas e os demagogos que querem enganar aqueles que
não têm o conhecimento da verdade”.
Como diria o seu
amigo e ex-primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, corroborado pelo seu
sucessor (Passos Coelho), bem como pelo Presidente Cavaco Silva, ainda está
para nascer um presidente do MPLA, de Angola e chefe do Governo, que tenha
feito melhor do que José Eduardo dos Santos.
Tudo será mais fácil
de entender se todos percebermos que pôr os vivos (e até os mortos) a votar –
mesmo que de barriga vazia – é democracia. Um povo com fome vota certamente em
quem lhe der um saco de fuba. Além disso, todos sabemos que do ponto de vista
eleitoral tudo decorrerá sempre na maior normalidade, mesmo que em alguns
círculos votem no MPLA mais de 100% dos eleitores inscritos...
“Para essa gente,
revolução quer dizer juntar pessoas e fazer manifestações, mesmo as não
autorizadas, para insultar, denegrir, provocar distúrbios e confusão, com o
propósito de obrigar a polícia a agir e poderem dizer que não há liberdade de
expressão e não há respeito pelos direitos” referiu o único presidente dos
países lusófonos que nunca foi nominalmente eleito.
José Eduardo dos Santos
diz que os opositores querem apenas colocar fantoches no poder, que obedeçam à
vontade de potências estrangeiras que querem voltar a pilhar as riquezas e
fazer o povo voltar à miséria de que se está a libertar com sacrifício. Tem
razão. Embora o MPLA pilhe as riquezas e o povo desde 1975, sempre tem a seu
favor o facto de impor que os estrangeiros só pilhem se for em parceria com o
clã Eduardo dos Santos.
Como diz o
presidente, ninguém se lembrar de dizer que a pobreza não é recente e que é uma
pesada herança do colonialismo e uma das causas que levou o MPLA a conduzir a
luta pela liberdade, para criar o ambiente político necessário para resolver
esse grave problema. Embora sejamos independestes há quase 40 anos, não é
despiciendo falar também da responsabilidade de D. Afonso Henriques.