quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

OGE 2013 PARA O PRESIDENTE JES, AS FORÇAS ARMADAS E OS ESPIÕES


OGE 2013 PARA O PRESIDENTE JES, AS FORÇAS ARMADAS E OS ESPIÕES




A propaganda governamental tem promovido o orçamento de 2013 como o maior de todos os tempos, sublinhando os montantes que irão ser empregues nos sectores sociais e no combate à pobreza. O Projecto de Lei do Orçamento Geral do Estado (OGE), aprovado na generalidade pela Assembleia Nacional, a 15 de Janeiro, deve tornar-se lei a 14 de Fevereiro.



O montante das despesas, para o presente ano, registou um aumento de cerca de 50 porcento em relação a 2012, fixando o total do orçamento no montante recorde de 6.6 triliões de kwanzas (
cerca de US $69 biliões).


Mais de um terço do orçamento, cerca de 33.5 porcento, é dedicado ao sector social. Este inclui a saúde, educação, habitação, ambiente e protecção social. Essa verba é, de facto, a maior de sempre atribuída ao sector social.


A apresentação simplista de números, sem os contextualizar, é enganadora. Na sua essência, o Projecto de Lei do OGE legaliza a falta de responsabilização do Presidente José Eduardo dos Santos na gestão dos recursos públicos.


Para a rubrica Despesas e Fundos Especiais, a referido projecto de lei estabelece um regime especial de gestão ao livre arbítrio do Presidente dos Santos.



Segundo a proposta:


“Ficam sujeitos a um regime especial e de cobertura, execução e prestação de contas, as despesas especiais, afectas aos órgãos de soberania e serviços públicos que realizam as funções de segurança interna e externa do Estado, integrados no Sistema Nacional de Segurança, em termos que assegure o carácter reservado ou secreto destas funções e o interesse público, com eficácia, prontidão e eficiência”. (Art. 11, 1)


Na práctica, todas as funções do Estado estão subordinadas a uma cultura generalizada de medo e suspeição. Os funcionários públicos (e não só) são aliciados e coagidos a vigiarem-se e a denunciarem-se mutuamente, garantindo deste modo a sobrevivência do regime.


Com efeito, a proposta orçamental de José Eduardo dos Santos inscreve, no OGE, “créditos orçamentais que permitam a criação de fundos financeiros especiais, a funcionarem como reserva estratégica do Estado, para a execução das despesas (…)” com o Estado policial (Art. 11, 2).


A gestão e prestação de contas dos referidos fundos especiais cabe exclusivamente ao Presidente da República, enquanto titular do poder executivo. José Eduardo dos Santos legaliza, desse modo e por via do OGE, a sua forma habitual de gestão do património do Estado.


Não presta contas a ninguém. A autorização legal (Art. 11, 3) permite-lhe determinar como exercer o controlo e a fiscalização sobre si próprio. Em suma, José Eduardo dos Santos recebe autorização da Assembleia Nacional, por via do OGE, para decidir como deve gerir os fundos especiais. Este é mais um modelo atípico de controlo e fiscalização das despesas públicas, em que a falta de transparência é legalizada.


Neste primeiro de uma série de artigos de análise sobre o orçamento de 2013, Maka Angola aborda os orçamentos atribuídos à presidência, assim como as verbas destinadas à defesa e à segurança, comparando-as com os montantes atribuídos aos serviços sociais.


Soldados e Armas para o Presidente


A Presidência tem um orçamento de Kz 172.6 biliões (
US $1.8 bilião), substancialmente mais do que a verba atribuída ao Ministério da Saúde (Kz 120.2 biliões, equivalente a US $1.5 bilião). Desta verba, José Eduardo dos Santos irá gastar Kz 140.2 biliões (US $1.4 bilião) em defesa militar, correspondente a 81 porcento da despesa da Presidência.


De certo modo, a preocupação pessoal de José Eduardo dos Santos com a defesa pode sugerir maior insegurança da sua parte ou o comando de um exército presidencial paralelo.


Negligenciada por muitos é a verba atribuída ao pessoal paramilitar da Presidência, Kz 6.4 biliões (
US $67.9 milhões). Para além desta despesa, mais Kz 14.4 biliões (US $150.2 milhões) foram atribuídos aos membros da Unidade da Guarda Presidencial (UGP) e à Unidade de Segurança Presidencial (USP).


Um guarda presidencial recebe, em média, um salário de kz 100,000 (
US $1,050) por mês. Feitas as contas, calcula-se que José Eduardo dos Santos tenha a seu cargo uma guarda de mais de 11,000 homens. O salário de um guarda presidencial é cinco vezes superior ao salário de um soldado regular do exército.


Mas a estratégia para manter as rédeas do Palácio Presidencial não passa apenas por manter uma grande força de segurança.



As relações públicas são também um elemento importante nos planos do Presidente. A Presidência conta com um orçamento geral de Kz 4.6 biliões (
US $49 milhões) para marketing, um acréscimo em relação aos US $40 milhões do ano passado.



Em 2012 a verba foi integralmente atribuída a uma empresa privada, Semba Comunicação, propriedade de dois filhos do Presidente, Welwitschea “Tchizé” e José Paulino “Coreon Dú”. Deste modo, a família presidencial procurou promover a imagem do seu patriarca, demostrando a sua abertura em relação ao seu próprio nepotismo e corrupção.



Pela mesma via também se manifestou a projecção da imagem do país no exterior. Todavia, apesar da abundância financeira, a Presidência nem sequer tem sido capaz de actualizar regularmente o seu portal na internet.


Em Defesa do País


O OGE cabimenta, em conjunto para a defesa e ordem pública, 17.6 porcento do total das verbas. Verifica-se um aumento das despesas, com o referido sector, em relação aos 15.1 porcento do ano passado.
A despesa com o sector social aumentou 0.6 porcento face a 2012. A maior fatia do orçamento deste ano foi atribuída ao Ministério da Defesa, com Kz 549 biliões (US $ 5.7 biliões), enquanto a verba para o Ministério do Interior foi fixada em Kz 446.3 biliões (US $4.7 biliões).



Apesar da avultadas somas atribuídas ao sector militar e de segurança interna, cujos orçamentos continuam a aumentar em tempos de paz, a disponibilidade orçamental quase não se faz sentir junto daqueles que mais assistência necessitam – polícias e soldados. O exército continua com dificuldades em pagar aos seus pensionistas e veteranos de guerra, que regularmente saem às ruas para reivindicar as suas pensões em atraso.


As Forças Armadas Angolanas (FAA) registam altos índices de tuberculose, entre os seus soldados, devido às deficientes condições de vida nos quartéis. Nas províncias, muitos dos aquartelamentos são ainda feitos de pau-a-pique.


A situação das forças policiais, nas províncias, também é de extrema pobreza. Qualquer viajante, percorrendo as estradas do país, pode confirmar esta situação, com os múltiplos pedidos de “contribuição” por parte de agentes policiais famintos e com escassos recursos para pagar a educação dos seus filhos.


Maka Angola tem em curso uma investigação sobre a distribuição de bens alimentares ao exército e à polícia e tem vindo a verificar que a maioria dos contratos de abastecimento (desde dezenas de milhares de dólares até centenas de milhões de dólares) são atribuídos a empresas fictícias de generais, membros do governo e seus associados, que muitas vezes nem sequer entregam os produtos alimentares.


A Verdade Social


Esclarecida a prioridade para o reforço do Estado policial no OGE, importa estabelecer alguns dados comparativos sobre o propalado investimento no sector social.


Dos 33.5 porcento da verba atribuída a serviços sociais, apenas
5.29 são destinados à saúde e 8.09 à educação, num total de 13.38 porcento do orçamento. As verbas atribuídas à Presidência são muito mais altas do que a totalidade dos fundos destinados ao sector da saúde, que recebe apenas Kz 120.2 biliões (US $1.3 bilião).


Em África, enquanto poucos governos cumprem os compromissos da Declaração de Abuja e destinam 15 porcento dos seus orçamentos à saúde, muitos países gastam mais de 10 porcento, e alguns até 25 porcento, no sector da educação.


É uma vergonha para Angola que um país como a Costa do Marfim, a recuperar de uma guerra mais recente, gaste 30 porcento do seu orçamento na educação.


Outros países de pequenas dimensões e de escassos recursos, como a Suazilândia, o Lesoto e o Burkina Faso, investem muito mais na educação, respectivamente 25, 17 e 16.8 porcento dos seus orçamentos gerais.


Angola, o segundo maior produtor africano de petróleo, governada por um regime obcecado em ser uma potência regional, não pode sequer sonhar em competir com a África do Sul, que destina um quarto do seu orçamento à educação, nem com o Gana, cujo orçamento ultrapassa os 30 porcento.


Mais Espionagem, Menos Agricultura


As contradições do orçamento de 2013 ultrapassam qualquer tentativa de entendimento. O governo continua, por exemplo, a promover a ideia da diversificação da economia para quebrar a dependência do petróleo, cujas receitas constituem mais de 95 porcento das exportações do país.


No entanto, o objectivo governamental é contraditório com o facto de o orçamento do Ministério da Agricultura não ultrapassar os Kz 58.6 biliões (
US $611 milhões), enquanto os Serviços de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE) recebem uma verba de Kz 66.6 biliões (US $695 milhões).


Angola tem grande potencial para ser um exportador competitivo de produtos agrícolas, uma vez que tem alguns dos solos mais férteis de todo o continente, assim como recursos hídricos abundantes. No entanto, a prioridade parece ser a espionagem.


Pela mesma bitola de prioridades, a espionagem no estrangeiro é mais importante do que o desenvolvimento de uma política externa coerente.


Os Serviços de Inteligência Externa (
SIE) dispõem de uma verba de Kz 32.6 biliões (US $340 milhões) destinada inteiramente a serviços de espionagem no estrangeiro, enquanto o orçamento total do Ministério das Relações Exteriores é de Kz 36.5 biliões (US $380.4 milhões).


As embaixadas angolanas espalhadas pelo mundo são um verdadeiro pesadelo, tanto para angolanos como para estrangeiros, devido aos níveis agonizantes de incompetência e arrogância dos seus funcionários, assim como pela falta de orientação clara em relação aos critérios a seguir face aos países de acolhimento e aos seus próprios cidadãos.


O caso da China é a única excepção, devido ao papel deste país no esforço de reconstrução nacional. Segundo dados recentes da embaixada em Pequim, os serviços consulares angolanos, só nos últimos seis meses, emitiram mais de
221,000 vistos a cidadãos chineses. Antes disso, e de acordo com dados oficiais, havia já mais de 258,000 chineses a viver e a trabalhar em Angola.


Sobre a espionagem no estrangeiro há duas fortes possibilidades. A primeira delas aponta para as autoridades poderem estar a recrutar serviços privados de inteligência externa, pagos a preços exorbitantes, para fazer o seu trabalho.


É questionável a legitimidade do executivo do Presidente dos Santos em autorizar um desbaratamento de verbas de tamanha dimensão, tal como o orçamento parece indicar.


Do mesmo modo, a aposta no desenvolvimento do país, frequentemente invocada pelo governo, não faz sentido quanto à distribuição geográfica de recursos. Sete das 18 províncias de Angola têm orçamentos menores ou iguais à verba destinada aos Serviços de Inteligência Externa.


Lunda-Sul (
0,40 porcento), Namibe (0.41 porcento), Zaire (0.42 porcento), Kwanza-Norte (0.46 porcento), Cunene (0.48 porcento), Bengo (0.50 porcento) e Kuando-Kubango (0.57 porcento) beneficiam dos Programas de Investimento Público, geridos a partir de Luanda, mas estes, uma vez implementados, não irão trazer diferenças significativas aos orçamentos destas províncias.


As verbas continuam a ser menores do que as destinadas às aventuras de espionagem do governo, que parece investir mais em brinquedos e operações de custos exorbitantes do que o espião fictício James Bond e os serviços de inteligência de Sua Majestade, ao seu dispor.


A segunda possibilidade é a mais provável. O dinheiro destinado aos SIE pode ser usado pelo Presidente para a manutenção da sua estratégia habitual de corrupção.


A transferência de recursos públicos para as contas privadas de altos dirigentes das Forças Armadas, da Polícia e dos Serviços de Segurança. Estes dirigentes estão sempre prontos a receber dinheiro subtraído aos cofres do Estado em troca da sua cumplicidade, apoio e silêncio.


O desenvolvimento em Angola terá de esperar, uma vez mais, pela saída de José Eduardo dos Santos. 


Por Rafael Marques de Morais