quarta-feira, 7 de setembro de 2011

II PARTE - SOBRE CONFLITO ENTRE PORTUGAL E A BÉLGICA DE 1890

A QUESTÃO DA LUNDA. II PARTE, PENÚLTIMO TEXTO SOBRE O CONFLITO ENTRE PORTUGAL E BÉLGICA DE 1890, ASSINADO EM 25 DE MAIO DE 1891 EM LISBOA


A TERCEIRA SESSÃO. A QUESTÃO « de facto»

Foi neste ambiente que, em 26 de Fevereiro, decorreu a terceira sessão. Lido e adoptado o protocolo da sessão anterior, o plenipotenciário do Estado Independente do Congo quis precisar o sentido da declaração de 23 de Fevereiro feita por Roma du Bocage.

Começou por lembrar os bons própositos dos dois Governos de se chegar a Acordo, e esclareceu que a adesão à proposta portuguesa não significava para o Estado Independente renúncia à sua anterior interpretação da Convenção de 1885 em BERLIM, ou mesmo modificação dessa maneira de pensar. « La solution à donner au conflit – acrescentou – n’aurait pas le caracteré d’équité sur laquelle elle doit être basée, si les droit puisé par l’Etat du Congo dans la convention de 1885 ne primaient pas tout autre d’appréciation».

E terminou por dizer que era nesta condição que estava disposto a proceder com o plenipotènciario de Portugal, a título puramente acessório, ao exame dos factos e actos respectivos das duas Potências nos territórios em litígio.

Roma du Bocage respondeu que não poderia, por uma simples leítura da declaração do plenipotenciário do Estado Independente do Congo, alcançar o seu exacto significado. Mas não a considerou contrário ou diferente do que na sessão anterior se concluirá. De facto, não adiantaria discutirem a questão de direito, que nunca conduziria a uma conciliação. Se, na realidade, houvesse necessidade de se recorrer á MEDIAÇÃO OU À ARBITRAGEM INTERNACIONAL, então cada um dos Governos poderia submeter ao mediador ou árbitro a interpretação que dava à convenção.

De outra maneira e já que ambos eram de acordo na conveniência de se procurar a solução do conflito num espirito de mútua conciliação, só tinha interesse o exame dos factos. E, sem o desejar, levantou de novo a questão da interpretação, ao dizer que - «il parait impossible dárriver à une solution équitable, si les plénipotentiaires ne se placent pas, pour examiner les faits, à un point de vue pratique, une des deux Parties ne pouvant pas exiger de l’autre qu’elle accept les conséquences d’une interprétation non reconnue par elle».

De Grelle disse, a seguir, que o sentido da sua declaração estava contido no acordo preliminar de 31 Dezembro, dado que nele se conviera em que as negóciações seriam baseadas na interpretação da Convenção de 1885. A isto respondeu o plenipotenciário português que, não aceitando a interpretação do Estado Independemte do Congo, não a poderia admitir a priori, antes evidentemente de qualquer elemento de interpretação, desde que se tratava de se chegar a um acordo.

De novo de Grelle tomou a palavra para dizer que o conflito entre Portugal e o Estado Independente do Congo nasceu de interpretação do tratado de 1885. Se houve consentimento, a título acessório, no debate sobre a questão de facto, era pelo espírito de conciliação e porque havia conveniência em considerar todos os aspectos do lítigio.

Roma du Bocage achou na explicação do plenipotenciário do Estado Independente do Congo um sentido ambíguo, e pediu-lhe para a precisar. A solução era procurada dos dois lados num diferente, visto que cada um partia de pontos distintos, na esperança de se encontrarem num terreno comum. De Grelle explicou que a sua declaração não era incompátivel com um acordo amigável, e teimou em que a interpretação da Convenção de 1885 é que devia ser objecto principal da discussão.

Roma du Bocage lembrou que já duas sessões tinham sido gastas na discussão do espirito do tratado de 1885 sem nada se adiantar, e que o melhor era passar ao exame dos factos.

CUVELIER quis tomar a palavra para aclarar duas ordens de ideias diferentes: uma era a de que, aceitando o Estado Independente a proposta do plenipotenciário português para uma solução amigável do conflito sobre a LUNDA com base num outro terreno que não o da interpretação da delegação BELGA, isso não significava adesão sua à interpretação portuguesa; outra era que, tendo a interpretação do Estado do Congo um valor positivo, qual foi o de lhe atribuir OS TERRITÓRIOS DA LUNDA, e tendo a interpretação portuguesa um valor negativo, o de reconhecer a essa região o carácter de RES MULLIUS, DE TERRITÓRIO LIVRE sobre os quais ambos os estados teriam de fazer valer respectivamente os seus direitos de ocupação, os interesses de uma e outra parte não se punham no mesmo pé de igualdade.

Por isso, havia que escolher uma base única de apreciação de factos e interesses para os quais o plenipotenciário português apelara agora a fim de solucionar amigávelmente o CONFLITO DA LUNDA.

Roma du Bocage congratulou-se com a intervenção de CUVELIER, porque ela lhe permitia uma interpretação da declaração de De Grelle diferente da que primeiro lhe atribuíra, e pediu ao plenipotenciário do Estado do Congo que fizesse comunicação escrita da declaração do delegado técnico, por não ter ele instruções suficientes para prosseguir na discussão sobre as declarações dos delegados técnicos a Conferência (41).

De Grelle, relativamente a isto, limitou-se a dizer que Cuvelier não tinha feito mais que desenvolver o pensamento expresso na sua declaração. Se o plenipotenciário português lhe pedia para formular por escrito a sua aprovação às palavras do delegado técnico, isso era desnecessário, porque já a dava verbalmente. O que lhe parecia necessário era dissipar o mal-entendido que parecia ter-se originado a esse próposito e explicar de novo o significado exacto dos termos da sua declaração.

E voltou assim à interpretação da convenção de 14 de Fevereiro de 1885 sobre o TERRITÓRIO DA LUNDA, segundo o convencimento do Estado do Congo e à divergência irredutível de opiniões, para, em seguida, aceitar a discussão no domínio dos factos, mas como elemento secundário.

AS TRÊS ÚLTIMAS SESSÕES. DA DISCUSSÃO DOS FACTOS À ASSINATURA DA CONVENÇÃO DE LISBOA

A sessão seguinte, de 2 Março, foi toda ela ocupada com a descrição das viagens dos agentes do Estado Independente e de Portugal. Cuvelier falou das expedições politicas, por ordem da Associação Internacional ou do Estado Independente, de Wissmann com François, Meyer e Wolff de 1883 a 1885, da expedição de VAN de VELDE em 1889, de DHANIS a partir de 1890, de DAMFELT e CEDERSTROM, de BRACONNIER e LIÈNART.

Na sessão seguinte, que foi a do dia 9 de Março, foi a vez dos delegados de Portugal.

HENRIQUE AUGUSTO DIAS DE CARVALHO falou da penetração portuguesa e estrangeira em terras do MUATIÂNVUA, perdendo-se em pormenores, explicando os tratados de protectorado celebrados com potentados Muana Samba Capenda, Xá-Muteba, Caungula, Muatchissengue, Nzovo, Ambiji Suana Calenga e o próprio Muatiânvua na Mussumba entre 1885 - 1888, etc.

Houve polémica entre os dois delegados técnicos, sobretudo a propósito da ocupação feita por CÂNDIDO SARMENTO e DHANIS.

Foi então que Cuvelier e De Grelle desmentiram a notícia da marcha do àrabe TIPPU-TIB para a Mussumba do Muatiânvua.

No dominios dos factos, também não era possível chegar a acordo, se não fora um grande propósito de conciliação. Tanto de um lado como de outro tinha havido expedições e instalações na LUNDA, e não era possível, só por isso, acordar-se numa ordem de preferência de direitos para uma ou outra parte. Era indispensável, por isso, que se pusessem de banda as diatribes violentas e o espírito de polémica, e, em seu lugar, a vontade de concórdia e de amizade.

Foi por este caminho que enveredou a sessão seguinte e última da conferência do contencioso do conflito da LUNDA entre a Bélgica e Portugal, em 25 de Maio. Ao lerem-se os protocolos, ressalta aos olhos o apressar da solução do conflito. A sessão anterior tinha sido a 9 de Março. As primeiras sessões davam a aparente ideia de que haviam de tocar-se e debater-se todos os aspectos e pormenores. A penúltima sessão é ainda exemplo desta asserção.

A última, porém, marca uma reviravolta no andamento normal dos debates. De facto, o longo interregno entre as duas sessões finais é sintomático de que, nos bastidores da DIPLOMACIA dos Govrnos, alguma coisa se fazia para se chegar depresa ao fim. A assinatura apressada da Convenção de Lisboa sobre o conflito da LUNDA denúncia bem a crise governamental com que se debatia Portugal.


Foi o que aconteceu. A última sessão foi mais uma SUI GENERIS troca de brindes que um esforço manifesto e pensado de reconciliação EUROPEIA em questões Africanas. Os delegados de ambas as partes desfizeram-se em menções especiais «de simpatia e reconhecimento» mútuos.

A CONVENÇÃO. AS SUAS DISPOSIÇÕES

A última sessão foi só para as despedidas e para assinatura da convenção relativa á delimitação das espheras de soberania e de influência de Portugal e Bélgica (Estado Independente do Congo) na região ou território da LUNDA.

As possessões de ambos os ESTADOS foram delimitados com a o trtado das fronteiras. Pag ----xxx, ficou decidido «que o traçado definitivo da linha de demarcação dos territórios comprehendidos entre os paralelos de 7º e 8º de latitude sul, desde o Cuango até Cassai e Zambenze, seria executado ulteriormente, tomamdo em consideração a configuração do terreno e os limites dos Estados Indigenas.

Do tratado, pontos essenciais....

«Uma commisão composta de representantes das Altas Partes contratantes, em numero igual dos dois lados, seria encarregada de executar no terreno o traçado da fronteira em conformidade com as estipulações procedentes. Estes commissarios (reunir-se-iam) no sitio que (fosse) últeriormente fixado de commum accordo e no mais breve praso possivel depois da troca das ratificações do presente tratado»(artigo 2.º).
«Os subditos portugueses nos territórios da região da LUNDA, acollocados sob a soberania do Estado Independente do Congo, e os subditos do Estado Independente nos territ´´orios d’sta mesma região collocados sob a soberania de Portugal, (seriam) respectivamente tratados, no que se refere á protecção das pessoas e das propriedades, em condições de igualdade com os subditos da outra potencia contratante» (artigo 3.º).
«As duas Altas Partes contratantes (obrigavam-se), na falta de um accordo directo, a recorrer á arbitragem (Internacional) de uma ou mais Potencias amigas para a resolução de todas as contestações a que o presente tratado (pudesse) dar logar, quer se (tratasse) da interpretação délle ou traçado das fronteiras no terreno» (artigo 4.º).
O artigo 5.º, o último da convenção, determinava que o tratado seria ratificado e as ratificações seriam trocadas em Lisboa logo que fosse possível. Assim aconteceu no dia 1 de Agosto de 1891.

SUA POSSÍVEL RELAÇÃO COM A CONVENÇÃO DO CONGO ( 25 DE MAIO DE 1891)

No mesmo dia 25 de Maio em que era assinada em Lisboa a Convenção do contencioso do Conflito da LUNDA entre Portugal e a Bélgica, também, em Bruxelas, outra sobre os limites do CONGO era assinada pelo conde de Macedo e por Edmond Van Eetvelde, plenipotenciários, respectivamente, de Portugal e do Estado Independente do Congo.

No dia anterior, a agitação política, motivada pela ameaça de crise financeira, levou o rei a aceitar a demissão colectiva do Ministério do general João Crisóstomo. No dia 25, outro Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Marinha e Ultramar mudaram de titulares.

Nestas condições, sem uma só chefia e, portanto, sem uma orientação única na condição das negociações, não eram de esperar grandes resultados. À parte a boa dose de culpa devida ao plenipotenciário Roma du Bocage, ás mudanças, ou antes, ás mutações governamentais de preocupações políticas diferentes, ficou a Convenção do contencioso do conflito da LUNDA a dever o, para Portugal, seu pouco sucesso...

Ao tempo, nos círculos políticos, corriam rumores de que «a transigência na QUESTÃO DA LUNDA teve de ser a compensação das altas vantagens da questão de Cabinda»(44). Mas no Livro Branco sobre os limites do Congo, de 1891, estão bem fundamentados esses rumores. Com efeito, Barbosa du Bocage, à dúvida apresentada de Bruxelas pelo conde de Macedo sobre se o encerramento favorável da negóciação relativa ao Congo estava no espírito do ministro dos Negócios Estrangeiros «dependente de resultado favorável da conferência acerca do contencioso da LUNDA», respondeu, em telegrama, que, «dada solução conciliadora no Lucula e Zaire, extrema condescendência do governo português na LUNDA, poderia ir até ser linha fronteira de Cuango a Cassai entre o paralelo 7º e 8º, ficando Cambongo e Anzono (NZOVO) para Estado Independente e todo o Caungula para Portugal; depois o Cassai e afluente nascido no Lago Dilolo; depois o paralelo desde lago até à fronteira do Estado Independente, segundo carta anexa à declaração de neutralidade.

Contudo, apesar de as negociações do Congo e as da LUNDA serem absolutamente independentes, a questão do lucula, zaire e areais de Ponta Vermelha, que representavam para o Tesouro de Angola 6000 ou 8000 francos anuais, não tinha a importância da LUNDA, que sacrificava «de uma maneira inaudita o comércio da Província de Angola e do seu distrito de Luanda».

A Londolphia, trepadeira borrachífera, tinha deixado de aparecer entre os rios Cuango e Chicapa. À falta dela, os nativos recorriam à chamada entre eles CATUTULA, muito inferior em borracha àquele planta. E toda a borracha que entrava na alfândega de Luanda, até bem à data de assinatura da Convenção de 1891, provinha da LUNDA.

O Estado Independente havia já anos que estava desviando de Malanje o comércio da borracha. Foi por isso que logo os negociantes do distrito de Luanda se manifestaram «pela ocupação efectiva da LUNDA, como uma necessidade impreterível para que a borracha e outros produtos daquela região não fossem desviados para o Estado Independente do congo (...).

Os elefantes, corridos do Sul pelos Tchokwes, estavam em terras dos Baquetes, dos Bacubas e Batuas, portanto, para lá das fronteiras que a Convenção de 1891 nos atribuía.

...Portugal a seu belo prazer achou que,.... ficou, por consequência, com as terras mais pobres sob estes aspectos – (entenda-se as terras da LUNDA).




A DISCUSSÃO NAS CAMARAS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. A PROPOSTA DE LEI DO MINISTRO E SECRETARIO DE ESTADO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS DE PORTUGAL.


Negociada e assinada a convenção de 1891 sobre a questão da Lunda, precisava o Governo de autorização das Cortes para ractificá-lo. Por isso, nos termos do 8.º do artigo 75.º da Carta Constitucional, então em vigor, teve ela de subir ás Câmaras.