Este é a II PARTE do texto final sobre o conflito surgido em 1890 entre Portugal e Bélgica, da questão da Lunda 1885-1894. Veja as conclusões da Câmara dos Deputados, através de uma Moção não havia autorizado, a ractificação do Acordo,,..esta tudo aqui..
Mapa que Portugal produziu em 1896, para tentar consumar o seu sonho colonizador...
A DISCUSSÃO NAS CAMARAS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. A PROPOSTA DE LEI DO MINISTRO E SECRETARIO DE ESTADO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS DE PORTUGAL.
Negociada e assinada a convenção de 1891 sobre a questão da Lunda, precisava o Governo de autorização das Cortes para ractificá-lo. Por isso, nos termos do 8.º do artigo 75.º da Carta Constitucional, então em vigor, teve ela de subir ás Câmaras.
O conde de VALBOM, ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros havia um mês, foi à Câmara dos Deputados levar os dois TRATADOS com o Estado do Congo.
Na proposta de lei n.º 9-A, que ele mandou para a mesa na sessão de 27 de Junho de 1891, desculpou o plenipotenciário português, o qual procurou, «por todas as formas, alcançar uma solução amigável, mas, apesar dos seus esforços somente foi possível encontrá-la na partilha dos vastíssimos territórios que a pendência versava». «Recusar a partilha – continuou ele – tal como se oferecia, seria recusar o acordo directo para recorrer à mediação, e talvez à arbitragem (...).
Poderia a mediação conceder-nos mas extensos territórios em Africa? Talvez; mas se recorrêssemos à mediação para a questão da LUNDA, a administração do Estado Independente do Congo (Bélga), recusar-se-ia a aceitar o acordo directo na negóciação relativa ao Baixo Congo, que estava a ponto de terminar mais favorávelmente em Bruxelas.
A mediação correspondia a arbitragem, e em vez de lograr os benefícios de uma dupla solução amigável(³³), inaugurando uma nova era de estreitas relações de vizinhança, teríamos de sustentar dois pleitos, e de ir confiar um deles a um TRIBUNA a quem tínhamos entregado a resolução de uma outra grande questão (³4)...
...(³³) Era também esta a opinião expendida no parecer das comissões reunidas dos Negócios Estrangeiros e do Ultramar acerca da Convenção da LUNDA:«Quando mesmo a negóciação indirecta acaso pudesse dar-nos mais algum território, onde nunca haviamos ou exercemos efectivo e permanente domínio, essa limitada e mais que problemática vantagrm não seria bastante para compensar a conveniência de resolver amigávelmente ambas as questões que trazíamos pendentes com o Estado Independente do Congo; e para justificar que se protraísse, sem termo definido, a final delimitação das nossas vastíssimas possessões Africanas. (Diário da Câmara do Senhores Deputados, sessão n.º 29, p. 6)
«À vantagem da solução directa – disse mais adiante – era forçoso sacrificar alguma coisa, e o sacrificio resumia-se no abandono de alguns territórios, que muitas vezes nos haviam sido oferecidos, mas de que nunca tomámos posse definitiva; territórios onde estavam já exercendo um começo de ocupação efectiva os agentes do Estado Independente do Congo, ao passo que nós os deixáramos por longo tempo abandonados, sem mesmo estabelecermos autoridades permanentes naqueles que a expedição Henrique Augusto Dias de Carvalho visitara (caso da Lunda).
Não era por nenhum modo aceitável a partilha pois se o presente convénio não traz integralmente para a soberania portuguesa todos os estados do antigo Muatiânvua (55), nossos tradicionais vizinhos e amigos, força é reconhecer que ele também não exclui dessa mesma soberania nenhum território onde tivéssemos autoridade constituida, e vem aumentar considerávelmente a nossa extensão, abrir vastíssimos campos de exploração a novas empresas que pretendam abalançar-se à cultura daquelas tão férteis quanto longínquas regiões»(36).
...(34) Referia-se ao caminho de ferro de Lourenço Marques. Discurso proferido na sessão da Câmara dos Deputados, de 27 de Junho de 1891 (Diário da Câmara dos senhores deputados, de 1891, sessão n.º 26, p. 11).
...(35) Ainda, ao que parece, não era conhecido de Simão Cândido Sarmento o resultado da Conferência de Lisboa sobre a questão da Lunda, e já Xá Madiamba, Muatiânvua eleito, que andava com ele com aparentes intenções de caminhar para a Mussumba, tínha sabido do boato de que os Tchokwes tinham posto Muatiânvua o Muata Muxíri, filho do falecido Muatiânvua Xanuma. Xá Madiamba, então, adiantou que iria para o Cassai para ser Muatiânvua do Muene Puto, enquanto Muxíri ficava Muatiânvua dos Bélgas. (AHU - «Angola, 1892, 2.ª Rep. (caixa n.º 16), oficio n.º 18, de 22 de Março de 1892, de Cândido Sarmento para o Secretario-geral de Angola).
Todavia, ao que consta, morreu Xá Madiamba em 1 de Agosto de 1897 proximo da Estação Henrique de Carvalho, nos pambos, e com ele lá se foi uma risonha esperança, talvez também do conde Valbom, de Portugal haver em seu território um Muatiânvua também.
E terminou por pedir autorização para o Governo ractificar o tratado celebrado com o EIC sobre a LUNDA.
O DISCURSO DE FERREIRA DO AMARAL
Na sessão de 3 de Julho seguinte, Ferreira do Amaral tomou a palavra para tratar da questão da LUNDA e da Convenção de Lisboa.
Vale a pena lembrar que esta sessão começou com 47 deputados, que durante ela entraram mais 39, fazendo 86 deputados, e acabou com a mesa, o ministro dos Negócios Estrangeiros e apenas... 7deputados. Estes últimos merecem se lhes indique o nome: Eduardo Abreu, que quis ser também orador, Manuel de Arriaga, penúltimo orador, Luciano Cordeiro (?), Eduardo Costa Morais, Inácio Casal Ribeiro, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, que se estava aprestando para ir a província de Angola demarcar as fronteiras da Lunda, Roma du Bocage (?), que foi o plenipotenciário na Conferência de Lisboa e depois relator do parecer das Comissões dos Negócios Externos e do Ultramar da Câmara dos Deputados acerca da Convenção de 25 de Maio de 1891 Sobre a LUNDA...
Mas ainda mais: Manuel de Arriaga, Eduardo Abreu, Dantas Baracho e Casal Ribeiro entraram depois de começar a sessão... nem ao menos o ministro e Secretario de Estado dos Negócios da Marinha e do Ultramar...por cortezia que fosse...
Era assim que os problemas ultramarinos de vital importância para a Nação Portuguesa eram debatidos e escutados...
Não foi este, aliás, atráves da nossa história (história portuguesa, não da Lunda, claro), o único exemplo do pouco interesse dos responsáveis pelo Ultramar. Dir-se-ia, por isso, que os territórios portugueses do Além-Mar são para Portugal uma fatalidade histórica...
Do notável discurso de Ferreira do Amaral podem destacar-se estes pontos principais: OS TRATADOS CELEBRADOS SOBRE A LUNDA e do Congo eram separados e não tinham nem deveriam ter nada que ver um com outro; A CONVENÇÃO DA LUNDA DO PONTO DE VISTA COMERCIAL, PARA PORTUGAL ERA UM DESASTRE; na questão de direito, o verdadeiro caminho, era a intransígência, porque tínhamos o recurso à arbitragem Internacional.
Para ele o senhor Deputado Ferreira do Amaral, a questão de direito era simples de colocar:
«TEMOS OU NÃO TEMOS DIREITOS NA LUNDA?...
Se não temos direito, não poderiamos ter a ingenuidade de pensar que as nações da EUROPA consentiriam que fossemos esbulhar o Estado Independente do Congo em nosso favor; e se tínhamos esse direito, nenhuma nação da EUROPA o negaria, DEPOIS DE RECONHECIDO EM ARBITRAGEM INTERNACIONAL CONSTÍTUIDA SOB AS INDICAÇÕES DO ACTO GERAL DA CONFERÊNCIA DE BERLIM».
E vincou bem que, para si, o erro não estava na negociação, mas no ponto de partida deste trabalho diplomática.
O Deputado Ferreira do Amaral, formulou, depois, três perguntas: ao ministro e secretario de Estado da Marinha e Ultramar, SE PELO SEU PLANO COLONIAL, CONSIDERAVA QUE OS TRATADOS CELEBRADOS COM A LUNDA, IAM OU NÃO AFECTAR O NOSSO COMÉRCIO COM A NOSSA PROVÍNCIA DE ANGOLA, se se considerava «AUTORIZADO A ESTABELECER, na parte do paralelo 8º que, aprovado este convénio, nos (havia) de servir de fronteira para o Esta Livre do Congo, portos de comércio livre como aqueles em que no Zobe se (recebiam) impostos sobre a exportação do Lucula»; AO MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, SE ERA OU NÃO SUA CONVICÇÃO QUE O LIMITE DA PROVÍNCIA DE ANGOLA, A LESTE, ERA OU NÃO O PARALELO 6º AO CUANGO. Se não era, qual a inteligência – perguntava ele – da parte do Cuango indicada na convenção de 14 de Fevereiro de 1885 em Berlim e em relação ao paralelo 6º, « e a sequência para leste nos territórios da Lunda desta linha geografica como limite do Estado Livre do Congo».
Acabou por apresentar a MOÇÃO de que « A CÂMARA CONVENCIDA DE QUE OS TRATADOS CELEBRADOS SOBRE A LUNDA AFECTAVA DESFAVORÁLMENTE OS INTERESSES COMERCIAIS DA PROVÍNCIA DE ANGOLA, ACONSELHA AO GOVERNO O ADIAMENTO DA SUA RACTIFICAÇÃO(...).
Como o ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, Júlio de Vilhena, não estava presente, o ministro e secretario do Estado dos Negócios Estrangeiros, da sua parte, limitou-se a dizer pouco mais que o seu Governo já encontrara o tratado concluído e que, na sua opinião, um país não deve procurar alargar o seu território por forma a não poder explorar o que lhe pertence.
DISCURSO DO DEPUTADO MANUEL DE ARRIAGA
Na sessão do dia seguinte, falou o Sr Deputado Manuel de Arriaga, que já no dia anterior tinha mantido a palavra até ao fim da sessão para a reservar para o dia imediato.
Verberou a actuação do plenipotenciário português. Pobre de argumentos – no seu entender – Roma du Bocage deixou-se enlear na rede da argumentação cerrada dos delegados do Estado Livre do Congo, e deu-se por vencido mesmo no campo do direito.
Voltou-se em seguida para a convenção do dia 14 de Fevereiro de 1885, que – na sua opinião – era a única arma dos delegados do Congo, e critícou os plenipotenciários portugueses à Conferência de Berlim por não usarem das devidas cautelas na redação da Convenção firmada então com o representade do rei dos Belgas. Reportando-se à parte final do artigo 3.º, afirmou:
«Ali não só se separa esta última parte da primeira parte com um ponto e virgula; mas faz-se, propositadamente decerto, destacar num período separado, em linha à parte, para não deixar equívoco, que, além do ponto de intersecção do rio Cuango com o paralelo 6.º, havia a continuação do mesmo rio na direcção do Sul!
Pois há um embaixador português que firma um contracto bilateral com uma potência estrangeira sem medir as palavras, as vírgulas, os pontos e vírgulas e os pontos finais?!
Pois tinha sido ponto e vírgula e não um ponto final nas duas palavras até ao rio Cuango (sic), porque é que depois disto, a partir deste ponto, se fala no curso do rio na direcção sul!
Para que se puseram ali aquelas palavras?
Para a Bélgica nos dar agora este golpe fatal?»
Perguntou ao relator do parecer da Câmara dos Deputados por que motivo não se juntou ao convénio de 14 de Fevereiro de 1885 uma carta anexa explicativa dos nossos domínios, como se fez com outras convenções.
«PORQUE SE ABRIU UMA EXCEPÇÃO PARA NÓS E CONTRA NÓS?
Como explicam que a Bélgica nas suas convenções de neutralidade com as potências fosse tão expressa e solícita em declarar o que ficava sendo seu, e para evitar equívocos até explicava por cartas anexas quais os limites que aceitava para si; e só connosco mudasse de processo e armasse-se de táctica de guerra que hoje emos desmascarada nesta infeliz conferência de Lisboa?».
Censurando a predisposição de Portugal de não aceitar a arbitragem Internacional, acrescentou: «Nós que, mais do que nenhum outro povo, carecemos deste tribunal para fazermos velar o direito contra a força, tivemos de fugir da arbitragem para agora propormos e aceitarmos uma nova partilha em que a parte do leão é representada pelo grotesco Estado do Congo.
Lembrando a nota de 27 de Março mandada por ROMA DU BOCAGE a seu paí, ministro e secretário dos Negócios Estrangeiros, em que ele confessava que o Estado Livre do Congo tinha direitos como nós e que os factos eram tanto a seu favor como a nosso, Manuel de Arriaga perguntou ao relator o que levou para instruir a sua causa quando abandonou a questão de direito.
«COMO RESPONDEU À PERGUNTA INEVITÁVEL DO PLENIPOTENCIÁRIO BELGA?
APENAS COM A PRESENÇA E OS TRABALHOS DO (...) MAJOR HENRIQUE DE CARVALHO...?
Era então que (o plenipotenciário) devia alegar todos os factos claros e positivos das nossas excursões na LUNDA desde remota data; precisá-los tão miúda e cautelosamente que não deixasse uma única saída aos aventureiros e especuladores do novo Estado soberano».
Desta maneira, para Manuel de Arriaga, a Conferência de Lisboa tinha sido para Portugal uma dupla derrota: no campo do direito, primeiro, e, depois, no campo dos factos.
FINAL, DISCURSO DO DEPUTADO CARLOS ROMA DU BOCAGE E A VOTAÇÃO NA CÂMARA
Aos discursos de Ferreia do Amaral e de Manuel de Arriaga respondeu, nesta mesma sessão, Carlos Roma du Bocage, como plenipotenciário na negociação da Convenção e como relator do parecer da CÂMARA dos Deputados sobre ela.
Começou por agradecer a Ferreira do Amaral «a perfeita correcção da crítica», mas não deixou de lembrar que ele tinha deixa a província de Angola havia cinco anos e as coisas não estavam então como no seu tempo, «ou como o zeloso governador esperava que viessem a ficar, se fossem coroados de êxito os seus louváveis esforços».
Antes, porém, de responder a este deputado, quis o orador responder primeiro a Manuel de Arriaga.
Atribuíu-lhe «um lamentável desconhecimento dos factos, fazendo por isso apreciações erradíssímas sobre o modo por que as coiasa se passaram», e invocando «dos protocolos da conferência os trechos que lhe serviam para exaltar com os seus elogios os representantes de um Estado, que ao mesmo tempo mimoseava com um nome que (ele) não queria repetir».
Em relação à carta que deveria ser anexa à Convenção com Portugal, respondeu Roma du Bocage com evasivas, de artifício retórico, mas, sem dúvida, pouco convincentes.
Discorrendo depois entre as alas do caminho da verborreia parlamentar e do muito ódio ao partido político adversário, o orador perdeu-se em considerações que, não ficando mal de todo num regime parlamentar de assembleia, nenhuma contribuição concreta e de interesse trazia ao debate.
Querendo vangloriar-se do para si bom êxito da Convenção, lembrou que, dos 360 000 quilometros quadrados em disputa, para PORTUGAL ficaram 15000..., onde nós não exercíamos soberania efectiva ou domínio permanente – no seu dizer...
Respondendo à pergunta por que não juntou ele na sua argumentação as viagens de RODRIGUES GRAÇA e de SILVA PORTO, disse que elas vinham miudadamente narrada na obra de HENRIQUE AUGUSTO DIAS DE CARVALHO e seriam então desnecessárias as repetições.
A sua convicção –já atrás se disse – durante a Conferência, era a de que «OS TERRENOS DE ALÉM CUANGO, NUNCA FIZERAM PARTE INTEGRANTE DA PROVÍNCIA DE ANGOLA, NUNCA ASSIM OS CONSIDERÁRIAMOS, E A PROVA DISSO ESTÁ NAS CARTAS OFICIAIS PORTUGUESAS, EM QUE O CURSO DO CUANGO FOI MARCADO COMO LIMITES DOS NOSSOS TERRITÓRIOS».
Relativamente ás negociações que tívemos com a FRANÇA durante 1885 – 1886, acrescentou que «também não era CONHECIDO NA EUROPA O RESULTADO DOS TRABALHOS DO MAJOR HENRIQUE AUGUSTO DIAS DE CARVALHO NO INTERIOR DA LUNDA, nem podia sê-lo porque não podia saber-se na Europa o que ainda não tinha sucedido em África ou ia sucedendo dia a dia; não podiam, portanto, semelhantes trabalhos ser discutidos nem tomados em considerações na CONFERÊNCIA DE BERLIM, EM 1884-1885, NEM NA DE PARÍS, QUE TERMINOU EM MAIO DE 1886. E assim acontenceu a votação.
OBS:
Como pode ver a conferência de Berlim não tratou a partilha da LUNDA e aqui tem toda a prova nua e crua da questão da Lunda 1885 – 1894. E a grande razão do movimento da recuperação da sua independência do Governo de Angola.
Vamos continuar a produzir o texto sobre a penetração europeia na Lunda até 1890 e o texto da evolução politica da África e a Lunda, para a compreensão destes factos históricos.