Escócia usa arma da
independência contra um “hard Brexit”
14/10/2016
Nicola
Sturgeon avança com promessa de realizar novo referendo se Londres ignorar
interesses escoceses nas negociações com a UE. Londres diz que consulta de 2014
encerrou debate sobre independência.
O desafio está lançado – se a
primeira-ministra britânica, Theresa May, seguir o caminho de um corte radical
com a União Europeia, optando por retirar o país do mercado único europeu, a
Escócia vai exigir um segundo referendo para decidir a independência. Ao voltar
a acenar com o risco de uma desagregação do Reino Unido, Nicola Sturgeon, a
chefe do governo autónomo escocês, usa as armas que tem para evitar que os
conservadores britânicos definam os termos de um “Brexit” que a Escócia nunca
quis, apesar de as sondagens indicarem que a maioria dos eleitores continuaria
a não apoiar a cisão com Londres.
Três meses depois do referendo que ditou a
saída britânica da UE, todo o debate interno gira actualmente sobre duas
questões interdependentes: quem definirá a proposta que o Reino Unido levará a
Bruxelas e quais são as prioridades do país para as negociações? May insiste
desde o início que cabe ao executivo liderar o processo, mesmo que prometa
dialogar com o Parlamento e concertar posições com os três governos autónomos
(Escócia, Gales e Irlanda do Norte).
Mas todos aqueles que se opuseram ao “Brexit” em
Junho se alarmam agoracom os sinais de que o executivo se inclina para o
abandono de todos os mecanismos da UE, do mercado único à união aduaneira, a
fim de garantir que terá plenos poderes para controlar a imigração (assunto que
assoberbou a campanha para o referendo) ou definir os seus próprios acordos
comerciais – opção já cunhada como “hard Brexit”.
Receios que são redobrados na Escócia, que é
a mais pró-europeia das partes que integram o Reino Unido – 62% dos eleitores
votaram pela permanência na UE –, mas que é, por razões históricas, a mais
hostil aos conservadores no poder em Londres. Sturgeon deixou-o claro no
discurso de abertura do congresso do Partido Nacional Escocês (SNP), quando
disse que as últimas semanas mostram que o Partido Conservador está refém da
sua “ala direita xenófoba e furiosa” e que May tomou como suas “a política e a retórica” anti-imigração do UKIP.
“A primeira-ministra pode ter um mandato para
tirar a Inglaterra e o País de Gales da UE, mas não tem qualquer mandato para
retirar qualquer parte do Reino Unido do mercado único”, avisou a líder
nacionalista no discurso em que anunciou, para gáudio dos militantes, que o
apresentará na próxima semana um projecto de lei prevendo arealização de um novo referendo à
independência. Uma consulta a realizar antes de o Reino Unido sair
formalmente da UE (o que pelo actual calendário pode acontecer na Primavera de
2019) caso as negociações ou o acordo final não tenham em conta a posição
escocesa.
Um porta-voz de Downing Street reagiu ao
desafio, insistindo que a questão ficou resolvida no referendo de 2014, quando
55% dos escoceses decidiram a favor da união a Londres, que dura há já três
séculos. Garantiu também que May – que na semana passada avisara que “o Brexit
não é facultativo” – está “absolutamente comprometida” a ouvir as preocupações
de Edimburgo. Mas Sturgeon avisou May que não está a fazer bluff: “Se
pensa por um segundo que não estou a falar a sério quando digo que farei o que
for necessário para proteger os interesses da Escócia, pense de novo.”
Os analistas acreditam que a líder
nacionalista escocesa não forçará a consulta – que só o Parlamento britânico
pode autorizar – se não tiver a certeza que a pode vencer. E as sondagens
indicam que a maioria dos eleitores voltaria a reprovar a independência, um
resultado que não se altera mesmo com a perspectiva de saída da UE – a
incerteza económica associada ao “Brexit” económica torna os eleitores mais
avessos aos riscos da cisão.
Mas Sturgeon acredita que a linha dura de May
agravará o ressentimento dos escoceses, e com isso conseguir forçar Londres a
fazer cedências a Edimburgo, seja para convencer Londres a fazer cedências a
Edimburgo, ou para vencer um referendo caso o “hard Brexit” se
concretize. O site da agência Bloomberg não tem, por isso
dúvidas: “O sucesso de Sturgeon depende até que ponto o governo de Londres
acredita que a sua ameaça é credível.”