DEPUTADO E
COMANDANTE POLICIAL TENTAM ARQUIVAR CRIME DO SIC NO MOXICO
O enterro de Ermiro
Jamba Calima, o agente da Polícia Nacional afecto à 10.ª unidade da Polícia de
Guarda Fronteiras, no Lumbala-Nguimbo, assassinado violentamente por agentes do
SIC-Moxico, realiza-se esta quinta-feira, dia 30. Mas este funeral não deve significar
o enterro também das responsabilidades.
Por Sedrick de Carvalho
Neste
artigo, como adiantado no anterior, vamos abordar a teia malévola com que se
teceu a morte de Ermiro. Albertina Sandala, 26 anos de idade, é a mulher no
centro de tudo. Ex-companheira de Ermiro, com quem teve três filhos. Estavam há
sete meses separados, para ser exacto, mas com regressos intermitentes pelo
meio. Era Albertina quem guardava o cartão do banco onde era depositado o
salário do agente, e por isso mais uma razão para manterem os encontros.
Familiares
acreditam que Tina, como era chamada pelo malogrado, estava envolvida em
relação amorosa com Pedro, motorista do deputado à Assembleia Nacional pelo
MPLA, ciclo eleitoral do Moxico, Mário Salomão. E não há qualquer problema
nisso, face à separação. E disso a família estava consciente.
Mas
não era assim para Ermiro. No dia 5 de Agosto foi informado que a
ex-companheira estava numa quinta com um homem, ao que entendeu ser um acto de
infidelidade conjugal, juntando às suspeitas anteriores. Achando ser sua
propriedade, postura machista, deslocou-se à quinta localizada no
Lumbala-Nguimbo.
À
porta da quinta, que não sabia de quem era, segundo o irmão com quem esteve no
dia seguinte, foi impedido de entrar pelo segurança. Mas Ermiro quis comprovar
se a Tina estava ali mesmo. Estava desarmado e trajado à civil. O guarda
informou quem estava no interior da quinta, pelo rádio, o que se passava à
entrada. Ermiro começou a perceber a gravidade da situação em que se estava a
colocar, e por isso desistiu.
No
dia seguinte, 6, foi detido pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC) sem
qualquer explicação do motivo, e nesta altura estava com o irmão que contou à
família a ocorrência. Mas o irmão estava tranquilo por se tratar de colegas da
polícia, e também porque foi levado à esquadra conhecida – no Lumbala-Nguimbo
mesmo.
Da
esquadra foi levado para lugar incerto, pois a família desconhecia, e só quando
começaram as denúncias com fotografias horripilantes que mostram a tortura
sofrida pelo agente é que o Ministério do Interior, através do SIC, emitiu um
comunicado onde diz:
“O
malogrado foi acusado de ter cometido o crime de ameaças a um cidadão, no
passado dia 6 do mês em curso, na localidade do Lumbala-Nguimbo, que resultou
na sua detenção e a elaboração do competente processo-crime […]. Por carência
de um representante do Ministério Público naquela localidade, encaminharam-no à
sede do SIC e apresentado ao Ministério Público […]”.
Afinal
foi levado à sede do SIC, no Luena, sem qualquer informação aos familiares, e
muitos menos aos colegas da 10.ª unidade da Polícia de Guarda Fronteiras, que
estão assustados porque “os jornais estão sempre a anunciar e todo comando
[provincial da PN] está com medo”, disse-nos um agente do gabinete do comandante
provincial.
É
preciso entendermos como Ermiro Calima foi parar às mãos dos torturadores. O
deputado Mário Salomão, pai do administrador municipal do Moxico, Waldemar
Salomão, sentindo-se ofendido pela tentativa de invasão do agente à sua quinta,
não hesitou e no mesmo dia ligou ao comandante provincial, o comissário Dias do
Nascimento Fernando Costa.
Este
comanda a Polícia no Moxico desde 2014, por nomeação do ex-presidente José
Eduardo dos Santos. É também o delegado provincial do MININT. Era o comandante
provincial de Luanda em exercício quando Alves Kamulingue e Isaías Cassule
foram detidos e mortos. Cassule foi atirado aos jacarés depois de espancado até
à morte.
A
queixa do deputado foi feita no dia 5, garantem fontes do comando provincial, e
a detenção ocorreu no dia seguinte, pelo que as fontes acreditam ter sido uma
orientação clara do deputado “dar um correctivo ao falecido”. E Dias do
Nascimento entende de “correctivo”, melhor, de tortura e jacarés, pelo que
ordenou os agentes da esquadra do Lumbala-Nguimbo que capturassem imediatamente
Ermiro.
E
assim chegamos ao corpo dilacerado de Ermiro, não como se fosse triturado por
dentes de jacarés, mas sem dúvidas bastante torturado.
A
razão da morte apontada pelo médico legista Manuel Lemba, sem citar o que
causou o traumatismo, também preocupa os agentes do comando provincial, que
disseram ser “uma fabricação”. “Você sabe em Angola o pobre sempre morre sem
culpado, tudo porque quem manipula ou averigua a situação é rico, quanto mais
se é o tal rico o próprio implicado”, lamentaram.
A
detenção do colega “em circunstâncias de fútil justificativa” faz com que os
agentes receiem que o mesmo venha a acontecer com eles algum dia. “Muitos só
não conseguimos abrir a boca por causa dos regulamentos que pesam sobre nós, e
só devemos falar quando permitidos, e só nos permitem quando é para os
elogiar”, reconhecem.
As
mesmas fontes garantem que Calima foi brutalmente agredido fora da cela do SIC,
e ali foi colocado apenas para sustentar a mentira de tentativa de enforcamento.
Dois
documentos foram enviados pela família à Procuradoria-Geral da República e ao
Tribunal Supremo, mas sem respostas até ao momento. Na carta denunciam a rede
chefiada pelo deputado Mário Salomão e o comissário Dias do Nascimento que a
todo o custo pretende livrar-se do cruel homicídio.