quinta-feira, 17 de março de 2016

OS ASPECTOS LEGAIS DA SAÍDA DE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS DA PRESIDENCIA DA REPÚBLICA DE ANGOLA


OS ASPECTOS LEGAIS DA SAÍDA DE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA DE ANGOLA


Rui Verde* - Maka Angola



Imaginemos por instantes que o presidente vitalício vai mesmo abandonar o cargo em 2018, ou porque quer, ou porque o anúncio que fez criou uma dinâmica própria inultrapassável. Quais são as possibilidades e consequências jurídicas?


José Eduardo dos Santos (JES) ocupa dois cargos fundamentais: o de presidente da República e o de presidente do MPLA.


Imaginemos que em 2018 JES continua a ocupar os dois cargos. Como sai deles e quais as consequências?


Enquanto presidente da República, a saída é fácil e a transição, suave. Há uma renúncia ao mandato nos termos do artigo 116.º da Constituição (CRA), a qual se processa por mensagem dirigida à Assembleia Nacional, com conhecimento do Tribunal Constitucional. Esta renúncia tem como efeito a vacância do cargo, que tem de ser verificada e declarada pelo Tribunal Constitucional (artigo 130.º da CRA). Depois desta declaração, as funções de presidente da República são assumidas pelo vice-presidente, que cumpre o mandato até ao final do previsto para o presidente cessante, dispondo da plenitude dos poderes (artigo 132.º da CRA). Ora, em termos jurídicos, estamos perante uma substituição simples e clara.


Note-se que o presidente da República cessante passa a gozar de estatuto e imunidade semelhantes às previstas para os membros do Conselho da República, de acordo com o artigo 135.º da CRA. Assim, entre as prerrogativas de um antigo presidente, conta-se a imunidade criminal nos termos do artigo 150.º da CRA, respeitante à imunidade dos deputados.


Não se aplica nesta situação a chamada autodemissão, prevista no artigo 128.º da CRA. Esta autodemissão é uma daquelas atipicidades da Constituição angolana que não se enquadram na matriz presidencial com separação de poderes da mesma, mas sim numa visão macrocéfala da presidência. O que este artigo diz é que o presidente da República, em caso de perturbação grave ou crise insanável na relação institucional com a Assembleia Nacional, pode autodemitir-se. Essa autodemissão desencadeia a dissolução automática da Assembleia Nacional e a convocação de eleições gerais (para deputados e presidente). Neste caso, o presidente não é substituído pelo vice-presidente, permanecendo em funções até à tomada de posse do novo presidente eleito por sufrágio. E aqui não estamos perante uma renúncia, mas perante uma dissolução simultânea dos órgãos políticos decorrente de uma crise ou de um conflito.


Já no que diz respeito à presidência do MPLA, a situação é diferente e está prevista nos Estatutos do Partido. O presidente do partido é eleito pelo Congresso (artigo 64.º d) do Regulamento Interno). Nos termos do artigo 73.º do RI do MPLA, o presidente é o órgão individual que dirige, coordena e assegura a orientação política do partido, garantindo o funcionamento harmonioso dos seus órgãos e organismos, e representando-o perante os órgãos públicos e restantes. O presidente do partido é eleito em congresso, pelo sistema maioritário. O artigo 75.º regulamenta o assunto aqui em apreço, dispondo que no caso de renúncia do presidente do Partido, o vice-presidente do partido assume interinamente a presidência, até à eleição do novo presidente, em congresso extraordinário, a realizar-se em prazo não superior a 90 dias.


Logo, se no caso da presidência da República se pode pensar numa transição automática, este mecanismo não será nunca aplicável ao MPLA. No caso do MPLA, em caso de demissão do presidente é obrigatória a eleição de um novo presidente pelo Congresso do partido em 90 dias.


Sejamos claros: não há possibilidade de uma sucessão estável. Haverá sempre agitação, nem que seja no MPLA.


Evidentemente, a única saída possível é preparar hoje, antes de um novo processo eleitoral, toda a transição de poder.



* Doutor em Direito