OS
ASPECTOS LEGAIS DA SAÍDA DE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
DE ANGOLA
Rui Verde* - Maka Angola
Imaginemos por instantes que o
presidente vitalício vai mesmo abandonar o cargo em 2018, ou porque quer, ou
porque o anúncio que fez criou uma dinâmica própria inultrapassável. Quais são
as possibilidades e consequências jurídicas?
José Eduardo dos Santos (JES) ocupa dois cargos fundamentais: o de presidente da República e o de presidente do MPLA.
Imaginemos que em 2018 JES
continua a ocupar os dois cargos. Como sai deles e quais as consequências?
Enquanto presidente da República,
a saída é fácil e a transição, suave. Há uma renúncia ao mandato nos termos do
artigo 116.º da Constituição (CRA), a qual se processa por mensagem dirigida à
Assembleia Nacional, com conhecimento do Tribunal Constitucional. Esta renúncia
tem como efeito a vacância do cargo, que tem de ser verificada e declarada pelo
Tribunal Constitucional (artigo 130.º da CRA). Depois desta declaração, as
funções de presidente da República são assumidas pelo vice-presidente, que
cumpre o mandato até ao final do previsto para o presidente cessante, dispondo
da plenitude dos poderes (artigo 132.º da CRA). Ora, em termos jurídicos,
estamos perante uma substituição simples e clara.
Note-se que o presidente da
República cessante passa a gozar de estatuto e imunidade semelhantes às
previstas para os membros do Conselho da República, de acordo com o artigo
135.º da CRA. Assim, entre as prerrogativas de um antigo presidente, conta-se a
imunidade criminal nos termos do artigo 150.º da CRA, respeitante à imunidade
dos deputados.
Não se aplica nesta situação a
chamada autodemissão, prevista no artigo 128.º da CRA. Esta autodemissão é uma
daquelas atipicidades da Constituição angolana que não se enquadram na matriz
presidencial com separação de poderes da mesma, mas sim numa visão macrocéfala
da presidência. O que este artigo diz é que o presidente da República, em caso
de perturbação grave ou crise insanável na relação institucional com a
Assembleia Nacional, pode autodemitir-se. Essa autodemissão desencadeia a
dissolução automática da Assembleia Nacional e a convocação de eleições gerais
(para deputados e presidente). Neste caso, o presidente não é substituído pelo
vice-presidente, permanecendo em funções até à tomada de posse do novo
presidente eleito por sufrágio. E aqui não estamos perante uma renúncia, mas
perante uma dissolução simultânea dos órgãos políticos decorrente de uma crise
ou de um conflito.
Já no que diz respeito à
presidência do MPLA, a situação é diferente e está prevista nos Estatutos do
Partido. O presidente do partido é eleito pelo Congresso (artigo 64.º d) do
Regulamento Interno). Nos termos do artigo 73.º do RI do MPLA, o presidente é o
órgão individual que dirige, coordena e assegura a orientação política do
partido, garantindo o funcionamento harmonioso dos seus órgãos e organismos, e
representando-o perante os órgãos públicos e restantes. O presidente do partido
é eleito em congresso, pelo sistema maioritário. O artigo 75.º regulamenta o
assunto aqui em apreço, dispondo que no caso de renúncia do presidente do
Partido, o vice-presidente do partido assume interinamente a presidência, até à
eleição do novo presidente, em congresso extraordinário, a realizar-se em prazo
não superior a 90 dias.
Logo, se no caso da presidência
da República se pode pensar numa transição automática, este mecanismo não será
nunca aplicável ao MPLA. No caso do MPLA, em caso de demissão do presidente é
obrigatória a eleição de um novo presidente pelo Congresso do partido em 90
dias.
Sejamos claros: não há
possibilidade de uma sucessão estável. Haverá sempre agitação, nem que seja no
MPLA.
Evidentemente, a única saída
possível é preparar hoje, antes de um novo processo eleitoral, toda a transição
de poder.
* Doutor em Direito