sábado, 22 de dezembro de 2012

“A independência de Cabinda é tão urgente quanto a paz”, asseverou Raul Tati, no Club-K –PARTE I






Luanda – Uma hora e 17 minutos foi o tempo que durou a nossa amena prosa. Falámos quase de tudo um pouco. Mas, acredite, caro leitor, não foi fácil. Pois, o nosso entrevistado (Padre Raul Tati) é um “excelente” conservador e defende firmemente as suas posições ideológicas. Curiosamente a presente entrevista foi gravada na última semana do mês de Julho do ano em curso, num dos hotéis da capital angolana. Agora, sei que vai interrogar: por que somente agora o Club-K a torna público? A resposta é simples. Acompanhe a prosa e encontrará a sua resposta.

 

*Lucas Pedro
Fonte: Club-k.net

Quem criou (e alimenta até agora) a guerra em Cabinda é o regime do MPLA





Muito obrigado, em primeiro lugar, por esta oportunidade e vamos directamente à primeira questão: Como está actualmente a situação política em Cabinda?




Bom, para dizer a verdade não é que mudou muito em relação àquilo que eu tenho dito. Porque quando se fala da situação política de Cabinda automaticamente temos de tocar no diferendo de Cabinda. Portanto, existe ainda um conflito em Cabinda e neste caso em todos as análises que se pode fazer do ponto de vista político em relação a Cabinda é preciso não descurar este aspecto.    


             
O que existe neste momento é que, por um lado, da parte do governo de Angola há uma propaganda de que Cabinda já esta pacificada. E que está-se a dar passos largos rumo à reconciliação nacional.


Por outro lado, constatamos no terreno que ainda existe um clima de perseguição sistemática dos principais actores cívicos de Cabinda. O banimento de qualquer organização da sociedade civil que responda, por exemplo, pelos direitos humanos; na falta de liberdade política; na falta de respeito e observância dos direitos até constitucionalmente consagrados. Portanto, do ponto de vista político podemos meter aqui toda uma panóplia de aspectos que me fazem dizer que paira ainda muita incerteza em relação ao clima político em Cabinda.




Falando de direitos humanos, como é que avalia este aspecto. Pois, recentemente o Secretário do Estado para os Direitos Humanos assegurou que em Cabinda vive-se num “mar de rosas”…?



As minhas análises sobre a questão dos direitos humanos não podem basear-se em discursos políticos feitos por um Secretário do Estado de Direitos Humanos (
António Bento Bembe). As minhas análises partem da constatação no terreno. Sobretudo, o trabalho que nós fazemos. Há quase seis ou oito anos que nós andamos a fazer trabalho de pesquisa e de promoção da questão dos direitos humanos em Cabinda, através de associação cívica Mpalabanda que foi banida. 



Foram publicados quatro relatórios sobre a situação dos direitos humanos em Cabinda. Estes relatórios serviram de base de trabalho para algumas organizações internacionais e até foram referenciados nos relatórios do Departamento do Estado norte-americano.



Ora, neste momento, quando se fala da questão dos direitos humanos podemos até dizer que durante a ofensiva de 2002, lançada pelas Forças Armadas Angolanas (FAA) contra os bastiões da FLEC, em Cabinda, nós observámos uma certa tipologia de abusos contra os direitos humanos já que as violações tinham como protagonistas os militares do exército governamental e guerrilheiros da FLEC.



Portanto, de ambas as partes houve casos de atrocidades, assassinatos, execuções sumárias, mas sobretudo da parte das tropas governamentais. Nós também reportámos estes aspectos todos que têm a ver sobretudo com a estratégia de tornar as populações reféns nas suas próprias aldeias e militarização das povoações.



Hoje o que se está a ver parece que o epicentro da questão da violação dos direitos humanos está mesmo dentro da cidade onde se concentram, digamos assim, aqueles que manifestam alguma ideia, um pensamento, relativamente à questão do futuro do território de Cabinda. E não há nenhum espaço para aqueles que ainda se dedicam ao trabalho da defesa dos direitos humanos. Essas pessoas são pura e simplesmente perseguidas. 



Portanto, nós podemos dizer aqui, em poucas palavras, que a questão dos direitos humanos hoje em Cabinda – até podemos vê-la já numa perspectivasda própria constituição angolana que consagra garantias e direitos fundamentais que nós infelizmente não estamos a usufruir – deixa muito a desejar. Porque se Cabinda fosse mesmo uma província angolana creio que a constituição devia ser também vigente em Cabinda. Mas a verdade é que nós não sentimos estas garantias todas. Nos sentimos desprotegidos.                     



Este tratamento “diferente” não será por causa do “Memorando de Entendimento” assinado na província do Namibe?


O memorando não deve influenciar nada disso. Porque este documento não tem qualquer respaldo na Constituição angolana. Não há nem sequer uma única letra que possa, digamos assim, dar respaldo ao "Memorando de Entendimento para a Paz e Reconciliação de Cabinda" assinado no Namibe. Não sei o que se passa. Por isso, para mim, vejo que este documento é uma letra morta e não passa disto.



Ainda sobre a questão dos direitos humanos. Nós temos informações que há aldeias que foram destruídas pelos militares das FAA. Confirma esta informação?



Durante a vigência do conflito armado em Cabinda, há várias aldeias que foram pura e simplesmente despovoadas. Houve uma ou outra aldeia que foi queimada e nós reportamos isto nos nossos relatórios.


Essas aldeias praticamente ficaram despovoadas e as populações se refugiaram para o Congo Brazaville e RDC (República Democrático do Congo), estou sobretudo a referir na parte norte do Maiombe, ou então vieram para a cidade.


Hoje estão a atentar a fazer um repovoamento dessas aldeias de maneira, mais ou menos, compulsiva, ou melhor, estão a devolver as pessoas (nas suas aldeias) à força. Mas já perderam muito daquilo que tinham essas aldeias. Pode-se encontrar por vezes cinco ou seis famílias e não era isso que tinha antes.



Antes como eram essas aldeias?


Tinham muita vitalidade. Tinham a sua gente e famílias bem constituídas. Hoje podemos encontrar nessas aldeias pouquíssimas famílias que não reflectem, exactamente, aquilo que foram essas aldeias no tempo de outra senhora.




O Jornal de Angola acusa os activistas cívicos de Cabinda como sustentadores das forças militares da FLEC…



Bom, eu não sei onde é que o Jornal de Angola (JA) foi buscar essa estória, mas, sinceramente, eu desconheço absolutamente este tipo de actividades por parte dos activistas cívicos de Cabinda. Porque esses activistas sempre se dedicaram à defesa e promoção dos direitos humanos e não para promoção da guerra. Os promotores da guerra são bem conhecidos. É o governo que promove a guerra e não somos nós.



Creio que é extremamente grave que se façam afirmações desta natureza, que operações militares levados a cabo pela FLEC tenham sidos preparadas, ou comandadas, por pessoas que são membros da sociedade civil. Sinceramente, nunca ouvi que são os civis que comandam os exércitos; este é o primeiro aspecto.


Segundo aspecto, Cabinda sempre foi até aqui uma praça-forte da Segurança do Estado angolano. Já passaram por Cabinda os melhores operacionais de Serviços de Segurança do Estado e da Segurança militar.



Agora pergunto: como é possível – durante estes anos todos de conflito em Cabinda – tenham sido sempre os civis a comandar as operações e eles nunca tenham dado conta disso? Isso põe em causa a competência desses órgãos de defesa e segurança em Cabinda. Não é verdade? Por isso eu digo que é uma afirmação muito grave.


Ainda sobre a questão dos direitos humanos, podemos considerar de “massacre” o que tem acontecido, em Cabinda, contra os activistas cívicos. Inclusive o senhor também já foi vítima deste “massacre”(…)?




Sim, nós notamos que há qualquer coisa que ainda não está muito clara. O regime está a forjar uma estratégia de perseguição um bocado sofisticada contra a sociedade civil.


Em primeiro lugar, a extinção da associação cívica Mpalabanda, para nós, já foi um duro golpe. Em reacçao a essa extinção judicial foi submetido um recurso ao Tribunal Supremo. Mas, passados que são quase seis anos, desde que foi entreposto o recurso, não há ainda o pronunciamento deste tribunal sobre o recurso. Isto é uma clara e flagrante denegação da justiça. Nós já fizemos um abaixo-assinado para instar ao Tribunal Supremo para que reveja a nossa situação. Porque dentro de uma organização deste tipo, nós podemos melhor trabalhar em prol da questão dos direitos humanos e das nossas actividades cívicas. Este é o primeiro aspecto.


E o segundo, é uma espécie de tensão continua e de pressão contra os activistas. Disto temos como exemplo muito típico o que está acontecer ultimamente.


A campanha caluniosa gizada pelo Jornal de Angola, que está a servir neste momento de instrumento do regime opressor, na perspectiva de impressionar a sociedade civil cabindense, procurando fazer uma pressão psicológica contra essas figuras todas que são representativas em Cabinda. 


Então tudo isso para nós, significa que há um ambiente de perseguição que redunda em “massacre” das liberdades cívicas e politicas.