Ntoni-a-nzinga:
“Falta (ao MPLA) a capacidade de ouvir os que não participaram no que se quer corrigir”
Luanda - Ntoni-a-nzinga defende que se ouçam
todos angolanos na resolução dos problemas do País, como é o caso do MPLA.
*Félix
Abias
Fonte: Vanguarda
Fonte: Vanguarda
O País tem
novo plano para combater os problemas sociais, o Plano Integrado de Intervenção
dos Municípios (PIIM). Já sabe como vai ser implementado?
Vou lhe ser franco, ainda não analisei muito bem o
plano. O único problema que tenho é que não sei como o Executivo chegou a esse
ponto. Falou com as comunidades das áreas onde quer implementar? Se foi só a
nível do partido, acho estranho. Porque já houve muitos planos que não deram
resultados, inclusive a nível do próprio MPLA. Em 1984, numa entrevista à BBC,
fui questionado o seguinte: “Se houver reencontro entre o MPLA e a UNITA,
haverá paz em Angola?”. Respondi que não.
A paz tem de ser fruto do trabalho de todos angolanos.
Se fizermos como nos anos anteriores em que a partir do que está a ser feito
noutros países entrámos nos gabinetes e fizemos planos, não se vai a lado
algum. Há pouco tempo o plano Água para Todos foi feito na mesma condição.
Todos têm água? Corrigir o que está mal envolve todos. Quantas conferências
internacionais tivemos em que foi se buscar pessoas do estrangeiro para serem
prelectores mas não fomos às comunidades angolanas buscar pessoas para
partilharmos as visões. Não vamos desenvolver Angola copiando o que os outros
estão a fazer sem ouvirmos as comunidades, porque é isso que o colonialista
quis e depois decidiu tudo. Estamos a seguir a mesma lógica.
O combate à
corrupção e à impunidade não vai ajudar a direccionar melhor os recursos
disponíveis?
Todos nós aplaudimos o combate à corrupção. Mas o
problema é: quem está a combater e quem está a ser combatido? Quem?
Esta é a pergunta que estou a fazer. Na tradição
Bantu, quando você está a falar e eu bato palma, estou de acordo consigo.
Estamos a falar contra os corruptos.
Quem é que não é corrupto no sistema?
Ainda não vi ninguém que se demitiu das funções porque
não está de acordo com o que o outro está a fazer.
Pode apresentar um, seja no Parlamento ou no
Executivo?
Não será
necessário que alguém faça alguma coisa para estancar a corrupção
independentemente do que fez no passado?
Mas estamos a falar de hoje. Por isso é que estou a
dizer que sentemos e coloquemos os assuntos, que os abrangidos nos erros
cometidos, reconheçam que fizeram mal. Porque para se corrigir o mal é preciso
aceitar que está mal.
O julgamento
do antigo ministro dos Transportes, Augusto Tomás, não lhe diz nada?
É bom sinal. Mas é o único?
A justiça não deve seleccionar, senão deixa de ser
legal e moral. O Executivo, na pessoa do Presidente da República, negou esta
teoria e alega que está a depender da justiça...
Mas como é
que não é selectiva?
Nas minhas pregações, tenho dito o seguinte: Se um
cristão trabalha, vê as coisas a acontecerem mas não diz que está mal, está a
perder a capacidade de dizer que isto está mal. Da mesma forma, se um militante
sabe que a ordem que recebeu valores numa operação que não é lícita, mas
aceita, deixa de ser militante.
É bom que aceitemos sentar , avaliemos seriamente e
encontremos um entendimento comum. Do contrário não vamos conseguir. Hoje está
um ex-ministro a ser julgado, mas há muitos que são ministros e fizeram a mesma
coisa. Falta capacidade de ouvir os outros que não estavam no sistema, que não
participaram nos erros que estão a querer corrigir, é aí onde o MPLA está a
falhar.
João Lourenço não pode resolver todos os problemas sem
ouvir aqueles que não estavam envolvidos.
Nem os
encontros entre João Lourenço e membros da sociedade civil lhe dizem alguma
coisa?
O
Presidente bem quando recebeu membros da sociedade civil, mas temos que sentar e conversarmos como
angolanos. São iniciativas boas, mas ainda há muito que fazer. E também não pode ser
para impressionar as populações através dos media, tem que haver acções
concretas. A relação com o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, por
exemplo, tem que ser séria. Não há ainda todas as provas, mas há elementos
positivos – por exemplo, muitas vezes o Ministério da Justiça e dos Direitos
Humanos tem reuniões com organizações antes da publicação dos relatórios sobre
Direitos Humanos.
Mas não pode
ser apenas com aquela organização com quem tem certa relação e as demais ficam
de fora. Há discriminação?
Há, sim. Certas organizações mais abertas nem sempre são
acomodadas pelas instituições do Executivo.
Quer citar
exemplo quando falou na necessidade de acções concretas?
Como disse, de Dezembro até agora, quantas
conferências internacionais realizadas sobre assuntos de Angola e que para os
quais trouxemos até antigos presidentes de outros países, quando nós no País
nem falamos?
Por exemplo, é um erro grave o MPLA confundir as
autarquias com administração. A implementação das autarquias é o primeiro passo
para que a independência chegue à casa de todos angolanos. Autarquia é
primeiramente um acto político, depois é que vêm aspectos
técnico-administrativos. É essa confusão que se cria, querem controlar a
situação, não porque querem servir o povo, desculpa mas esta é a conclusão a
que cheguei. Os portugueses não negociaram o Tratado da Lunda Tchokwe num dia.
Levou tempo. E aqueles senhores que negociaram com eles nunca passaram pela
escola.
Reitera ser
contra o gradualísmo na implementação das autarquias?
Já o disse publicamente. As autarquias devolvem a
dignidade aos cidadãos. É para mim o ponto de partida. Como acto político, não
há razões para que as autarquias sejam implementadas de forma gradual. Os 164
municípios que temos, na maioria, foram criados pelos portugueses. Eu já disse:
Angola foi criada pelos portugueses e para os portugueses, e não para os
angolanos.
Nunca esqueçam isso. Se já criamos províncias,
porque é que não podemos mudar os municípios?
O importante é que todos os cidadãos sejam envolvidos.
Hoje para concorrer a Presidente da República tem que se estar atrelado a um
partido político. Como membro da sociedade civil, já defendeu a revisão
constitucional.
Se quisermos corrigir o que está mal e melhorar o que
está bem, temos que rever isso. Sabemos que a Constituição actual não como era
desejado. E o MPLA tem que ter coragem de reconhecer isso, aliás, uma das
coisas de que lamento muito. O Partido deu entrada a uma proposta de
Constituição à Assembleia Nacional. Semanas ou meses depois, teve que retirar a
proposta para substituí-la pela proposta do presidente. A Constituição foi
preparada para atender casos que não são necessariamente da vida nacional, mas
da vida dos dirigentes. É esta Constituição que temos. Se realmente queremos
corrigir, este é um dos pontos. E eu já tenho dito que gostaria de ver os
deputados a falarem em nome das suas comunidades. Todo deputado tem que
representar um grupo. Isto é que é democracia. Mas temos deputados dos círculos
provinciais.
Dos 2020 deputados, do círculo provincial são apenas
90, os demais são do nacional. O Parlamento deve ser um espaço cujo debate deve
reflectir a vontade do povo, mas os deputados não falam com o povo. E os que
falam com o povo não têm a mesma influência. Lá o partido diz o que se
considera como regra. Este é outro problema. Os que estão no Parlamento
representam a direcção que os colocou lá, nem sequer foram escolhidos pelos
militantes.
Espero que o que está a acontecer agora no Partido no
poder venha realmente alargar-se a todos.
O que está
acontecer no MPLA?
Vejo que no congresso que tiveram, os candidatos foram
indicados pelos órgãos do partido a nível provincial.
Quer dizer
que está satisfeito com como o novo rumo do MPLA?
Satisfeito no sentido reservado, sim. Não sou
militante, mas de fora estou a ver que as ideias são boas. Quando o ex-Presidente
lançou o slogan “corrigir o
que está mal e melhorar o que está bem”, João Lourenço pegou nisso e fez
dele um compromisso, se continuar vai mudar muita coisa. Há uma certa aceitação
no início. Tenho apenas reservas.
Em que se consubstancia
a reserva?
Por estarem habituados a dizer uma coisa e a fazer
outra. Agora estamos a falar de marimbondos, e os marimbondos são do mesmo
grupo. A pergunta é: quem é que não bateu palma quando se dizia que tudo estava
a correr bem?
Tenho lutado contra isso na igreja. Quando prego,
todos batem palma, e pergunto: estão a bater palma porquê?
Porque o princípio de bater palma é para dizer “estou
contigo”. Agora bater palma quando estou lá e amanhã, quando já não estiver, eu
sou o mal?
Quem bate palma quer dizer que participou comigo no
que fiz. Precisamos de sentar e admitirmos as nossas culpas.
A propósito
do MPLA, João Lourenço introduziu Ilídio Machado e Mário Pinto de Andrade nas
contas dos presidentes.
Gostei bastante e felicitei-o dentro de mim (no
coração), embora sem manifestar publicamente. Especialmente num momento certo,
que é num congresso, a dizer que não sou o segundo presidente, nem o terceiro,
mas há outros. Por exemplo, o presidente José Eduardo dos Santos esteve na
China não sei quantas vezes, tal como João Lourenço, quem é que perguntou aos
chineses por Viriato da Cruz?
O corpo dele continua lá, porque é lá onde morreu. Do
pouco que conheço do MPLA, se os outros foram presidentes, é o Viriato que fez
o trabalho mais importante, que redigiu o manifesto, que teve a visão optada
pelo partido. Fez o pouco que podia ter feito naquelas condições, mas por
diferenças na visão, ficou abandonado a ponto de morrer lá e nunca o MPLA falou
dele.
São os tais
valores de que se refere?
Criamos um valor cultural que vai custando caro ao
País, de pensar que é só o líder que sabe. Não há nenhum líder que sabe tudo.
Aliás, o líder funciona melhor quando rodeado de pessoas com boa criatividade,
e Viriato foi criativo no início do movimento que hoje se transformou em
partido. Mas o MPLA não lhe dá o que merece. Quando ouvi da Rádio que o mais
velho Joaquim Pinto de Andrade morreu, lacrimejei.
Porque são pessoas que levantaram vozes em momentos
difíceis, arriscando a vida – e quando nos tornamos independentes consideramos
eles como se não existissem. Agora, depois de morrer é que vamos mostrar que
era importantes. Isso é mau. Estas são as tais coisas que devem ser realmente
corrigidas, se de facto queremos corrigir o que está mal.
Quer dizer
que há muito que fazer no MPLA?
O MPLA tem muita coisa por fazer internamente. Fui
chamado pela televisão para falar do 27 de Maio, que é estado ou Estado
partidarizado, hoje não. Que o MPLA faça o seu trabalho internamente, para
corrigir o que fez. O partido nunca tomou uma iniciativa de reconciliação com
esses militantes, por mais que muitos já não façam parte das suas fileiras.
Este para mim é um problema. Eu, por exemplo, no dia 27 de Maio de 1977, fui
eleito secretário-geral do Conselho das Igrejas Cristãs em Angola (CICA), numa reunião em Luanda. Fui eu
que a convoquei e a presidi. Dois pastores participantes que vieram do
Cuanza-Sul, no seu regresso, foram presos.
Qual é a
acusação?
Foram a Luanda participar da reunião dos apoiantes de
Nito Alves. Felizmente a mensagem chegou a mim e ao bispo Emílio de Carvalho,
na altura eleito presidente da assembleia. Tivemos que fazer muito esforço aqui
e ordenarem que os libertassem, porque não tinham nada a ver com os nitistas. E
há outra questão que o MPLA deve reconhecer.
Em Julho de 1979, no Sumbe, quando o presidente
Agostinho Neto começou aquela volta ao País, contou que uma mãe escrevera-lhe
uma carta a dizer que o filho tinha sido retirado da casa às 03 da manhã e
nunca mais voltou.
Neto revoltou-se
contra o seu partido. Seguramente que a TPA tem isso nos seus arquivos. Quem é
que fala disso?
É naquela linha de discurso que ele vem com o slogan
“o mais importante é resolver o problema do povo”. Eu já perguntei aos
camaradas que comigo militaram no MPLA quando é que vão explicar ao povo por
que razão o presidente Neto disse aquilo. Pegamos a frase para mobilizar as
pessoas mas não olhamos para a razão por que foi dito. Qual é a razão? Eles
estavam em conflito no próprio Comité Central. Entre muitos problemas estava o
27 de Maio.
Então foi no
calor da discussão que lançou a frase no sentido de apaziguar as coisas e
focar-se nos problemas das populações?
Ele estava a tentar introduzir isso num discurso. O
slogan “o mais importante é resolver o
problema do povo” foi lançado na cidade entre Lubango e Ondjiva – onde o
governo provincial funcionava. Até hoje o partido nunca esclarece o que
aconteceu para que ele desse essas voltas ao País, incluindo Malanje,
Ndalatando, Uíge, e quando regressa, doente, é levado à União Soviética para
tratamento e volta a Angola morto.
Acha que
está aí a causa da morte de Neto?
Não gosto de entrar nestas coisas. Mas o que sei é que
morreu num momento que parece ter tido ideias contrárias à maioria do seu
partido. Por que razão é que vai dizer que o mais importante é resolver os
problemas do povo, saindo de uma reunião suspensa por duas vezes, em Maio de
1979 e em Junho do mesmo ano? Foi daí que decidiu dar uma volta às províncias.
Parecia outra pessoa.
Mas pode-se dizer
que já se começa a chegar ao ideal quando o líder do partido “reabilita”
figuras como Mário Pinto de Andrade e Ilídio Machado?
Sim. É um exercício que pode resultar na verdadeira
reconciliação.