UM FANTASIOSO DISCURSO DE
TOMADA DE POSSE DE JOÃO MANUEL GONÇALVES LOURENÇO NOVO PRESIDENTE DE ANGOLA DO
MPLA
Os discursos de tomada de posse dos presidentes da República
são sempre muito interessantes, porque nunca se sabe o que realmente
significam. Nuns casos, representam aquilo que o presidente pretende fazer;
noutros casos, representam exactamente o oposto daquilo que o presidente
pretende fazer; noutros casos ainda, são um mero enunciado de ideias vagas e
sem substância, destinado a agradar a todos.
A 7 de Dezembro de 2009, o então presidente José Eduardo dos
Santos, por ocasião da Abertura do VI Congresso Ordinário do MPLA, discursava
assim: “Não
devemos pactuar com a corrupção ou com a apropriação indevida de meios do
erário público ou do partido.”
A história que se seguiu é sobejamente conhecida. O discurso
de 2009 foi o tiro de partida para o aumento desenfreado da corrupção.
A pergunta que se tem de colocar depois de ouvido o discurso
de João Lourenço é a seguinte: as promessas do novo presidente – combate à
corrupção, instauração efectiva do Estado de direito, pluralidade da
informação, abertura à sociedade civil e o famoso “milagre económico” – são o
que ele pretende fazer ou o que ele não pretende fazer?
Porque, como diziam os velhos romanos, “facta, non verba”.
São os factos – e não as palavras – que verdadeiramente interessam. O primeiro
facto preocupante está no próprio discurso. Lourenço resolveu fazer uma “birra”
com Portugal por causa da acusação a Manuel Vicente, não mencionando o país como
um daqueles a que “Angola dará primazia”, e sub-repticiamente insinuando que
Portugal não respeita a soberania angolana. Portugal tem cometido muitos erros
com Angola e tem muitas culpas, desde logo pelo horrível crime genocida de
escravatura que cometeu ao longo de séculos. Contudo, no caso de Manuel
Vicente, se Lourenço pretende de facto combater a corrupção, então deveria ser
o primeiro a defender o julgamento de Vicente, para dar um exemplo real de luta
contra a corrupção. Afinal, segundo Isabel dos Santos, foram os desmandos de
Manuel Vicente que levaram a Sonangol à falência. Ao penalizar um país com o
qual deveria cooperar para levar os corruptos à justiça, João Lourenço
demonstra que o seu discurso não passa disso mesmo: um discurso. Caso contrário,
o novo presidente exigiria um julgamento justo para Vicente, e submetê-lo-ia ao
tribunal.
De resto, quanto às outras boas intenções que fazem as
delícias dos aduladores do regime do MPLA, há que estar atento à futura
(in)correspondência com a realidade.
Lourenço diz que quer reforçar o Estado de direito. Nesse
caso, pode começar por substituir os juízes dos tribunais superiores que já
ultrapassaram os seus tempos de mandato, fazendo essa renovação com o consenso
das forças da oposição e depois de ouvida a sociedade civil na área do direito.
Lourenço diz que quer combater a corrupção. Nesse caso, pode
criar um departamento independente e com poderes próprios para combater a
corrupção, assegurando-lhe também protecção internacional, de forma semelhante
ao que foi feito com sucesso na Guatemala. E, obviamente, afastar o mais
depressa possível o actual procurador-geral da República.
Outro sinal muito claro de combate à corrupção e instituição
efectiva do Estado de Direito seria rever as concessões estapafúrdias
recentemente atribuídas pelo anterior presidente da República aos filhos e
amigos dos filhos nas áreas dos portos, águas, electricidade, etc.
O novo presidente também anunciou o seu empenho em garantir a
transparência no exercício do poder público. Pois bem, tem aqui o início da
tarefa bastante facilitado: basta-lhe revogar imediatamente o despacho do
inspector-geral do Estado segundo o qual são arquivados todos os processos que
simbolizam a maior obscuridade nos negócios públicos. Com uma mera assinatura,
João Lourenço pode revogar esse despacho asinino.
O discurso de Lourenço foi inconsistente e, pior ainda,
inconsequente. Não anunciou uma única medida específica, uma única política
concreta. Na verdade, não passa de uma fantasia para entreter. Dizer coisas
é fácil, fazê-las é difícil. E o que o presidente Lourenço fez foi cantar umas
amabilidades para todos ficarem contentes, sem assumir quaisquer compromissos
claros, firmes e com data marcada.
Lembremo-nos (agora que os Estados Unidos se tornaram o principal
parceiro de Angola, segundo o discurso do novo presidente de Angola) do
discurso de tomada de posse do presidente norte-americano Franklin Delano
Roosevelt, quando, no auge da Grande Depressão americana, anunciou um programa
específico de medidas para relançar o país em cem dias. Quando não estão
associados a medidas concretas, os discursos de nada valem.
Factos, senhor presidente: é disso que precisamos.
Fonte: Makangola