O ASSASSINATO DE GANGA DA CASA-CE E A IMPUNIDADE
DA UGP
O
funeral do activista político Manuel de Carvalho Hilberto Ganga, morto a tiro
por um membro da Unidade de Segurança Presidencial (USP), a 23 de Novembro,
será realizado na Quarta-feira, às 10h00, no Cemitério de Santana.
Para hoje, Terça-feira, a partir das 21h00 está marcado o velório na unidade dos Bombeiros, junto ao Largo da Independência.
“A família do malogrado e nós, a CASA-CE, estamos a trabalhar unidos na realização das exéquias fúnebres para honrarmos a vida e as convicções políticas do nosso irmão e companheiro Ganga”, disse o membro da direcção da CASA-CE, Américo Chivukuvuku.
O dirigente da coligação política referiu ainda que agentes dos serviços de inteligência têm estado a intimidar familiares do malogrado.
Manuel Ganga, de 28 anos, era o chefe do Departamento Nacional de Mobilização e membro do Conselho de Direcção da CASA-CE, a terceira maior força política no país, com oito assentos parlamentares. O malogrado tinha terminado a sua formação em engenharia de construção civil e encontrava-se a preparar a sua defesa de tese. Deixou órfão um filho.
Nas primeiras horas da madrugada do dia 23, o jovem encontrava-se a colar panfletos políticos no Estádio dos Coqueiros, que se situa numa zona residencial, na zona baixa da cidade, com vários edifícios altos. Do outro lado da estrada, a partir do portão principal do Estádio, há uma saída alternativa do Palácio Presidencial, situado no topo da colina, na Cidade Alta.
Ironicamente, os panfletos pediam justiça para os assassinatos de Alves Kamulingue e Isaías Cassule, desaparecidos há mais de um ano, pelo seu envolvimento numa tentativa de manifestação de centenas de ex-membros da Unidade de Guarda Presidencial (UGP).
Uma das testemunhas, António Baião, referiu que cinco membros da Unidade de Segurança Presidencial (USP), entre os quais um tenente, devidamente uniformizados, interpelaram o grupo de activistas perto da meia-noite e meia. A USP é uma sub-unidade da UGP, responsável pela protecção imediata do presidente da República, da sua família e do Palácio Presidencial.
António Baião, secretário para a Informação da CASA-CE, supervisionava o grupo de oito membros do seu partido, entre os quais Ganga, que estavam encarregues da colagem de cartazes políticos, na cidade baixa, dos Coqueiros até ao Porto de Luanda.
Segundo António Baião, os efectivos da USP questionaram-nos sobre a sua actividade, tendo estes mostrados os cartazes e explicado a sua iniciativa política. O grupo ficou retido durante pouco mais de meia hora, enquanto o oficial da USP comunicava com os seus superiores.
António Baião referiu que os elementos da segurança presidencial proferiram várias ameaças contra o seu grupo, enquanto aguardavam instruções. Segundo Baião, um dos elementos da USP ameaçou os militantes: “Essa hora, a fazerem esse trabalho, vocês vão ver, vocês vão ver o que vos vai acontecer daqui a pouco”. Segundo o quadro da CASA-CE, “os rapazes pensaram logo que estávamos a ser levados para sermos fuzilados. Não aguentaram a pressão…”
Outra patrulha da USP chegou ao local e procedeu ao transporte, numa carrinha GMC, dos oito militantes da CASA-CE para a sua unidade, junto ao Palácio Presidencial. Alguns oficiais da USP, incluindo um tenente-coronel e um major, também se deslocaram ao local para supervisionar a acção dos seus homens.
No portão, à entrada da unidade da USP, Baião ouviu dois disparos e um dos seus captores a dizer “Já está”. Indicou ainda que antes dos disparos não houve qualquer aviso, ordem ou discussão.
De acordo com as suas explicações, os oito militantes tinham sido obrigados a deitar-se, de barriga para baixo, na carroçaria da GMC, que tem um banco duplo corrido no meio. Baião estava de um lado e Ganga do outro.
A testemunha não viu qual dos soldados disparou, apenas notou que, eventualmente, o seu companheiro ter-se-à levantado e descido da carrinha, uma vez que esta se encontrava parada no portão. “Deve ter pensado que era para descermos ali. Quando demos conta ele já estava no chão, de barriga para baixo”.
No quintal da unidade, vários efectivos da USP interrogaram os detidos, confiscaram os seus telefones. Um oficial fotografou-os, individualmente, com o seu telemóvel. Baião notou a presença de vários oficiais da Polícia Nacional, superintendentes-chefes.
Por volta das 3h30 da madrugada, os efectivos da USP transferiram os detidos para a 2ª Esquadra da Polícia Nacional, no Bairro do Cruzeiro.
“Quando chegámos à esquadra sentimos um grande alívio. Sabíamos que já não seríamos fuzilados”, explicou o jovem.
A Justificação Oficial
No único comunicado oficial sobre a tragédia, a Polícia Nacional acusou o grupo de colagem de panfletos da CASA-CE de ter violado o perímetro de segurança do Palácio Presidencial.
Segundo a Polícia Nacional, o grupo de oito elementos da CASA-CE “foi detido quando procedia à afixação indevida de cartazes de propaganda subversiva de carácter ofensivo e injurioso ao Estado e aos seus Dirigentes, tendo os mesmos sido prontamente neutralizados por uma patrulha da Guarnição do Palácio Presidencial, resultado na sua detenção”.
A Polícia Nacional afirmou, no seu comunicado, que Manuel Ganga “incitado pelos seus companheiros, intentou a fuga, saltando da viatura. Em reacção, um efectivo da Guarnição fez um disparo, atingindo o infeliz, que posteriormente veio a falecer no Hospital Maria Pia/Josina Machel, não obstante a pronta assistência médica que lhe foi prestada”.
De forma detalhada, a Polícia Nacional descreveu também os resultados da sua operação destinada a impedir a realização da manifestação em memória de Alves Kamulingue e Isaías Cassule, mortos no ano passado, alegadamente por oficiais da segurança de Estado e da Polícia Nacional, que depois os atiraram aos jacarés para eliminar as provas do crime. A manifestação havia sido convocada pela UNITA, para o dia 23 de Novembro, enquanto a CASA-CE decidiu realizar uma acção paralela e complementar, no dia anterior, de afixação de panfletos sobre o caso.
Na acção, que considera ter sido contra a “subversão”, a Polícia Nacional apresentou os resultados da sua operação, indicando que foram detidos “292 cidadãos em todo o território nacional, que após identificação e devido tratamento, foram postos em liberdade. De igual forma, foram apreendidas 13 viaturas, 11 baldes de cola branca, 49 camisolas, 951 panfletos de propaganda ofensiva, duas escadas e duas máquinas fotográficas”.
Polícia Mente, Acusa Baião
Por sua vez, António Baião desmentiu o comunicado da Polícia Nacional.
“É um pura mentira. Nós estávamos a afixar os panfletos exactamente frente às oficinas da Nissan, nas paredes do Estádio dos Coqueiros, numa zona residencial, pública, onde havia também outros cartazes”, explicou.
O Estádio, como acima se referiu, fica na zona baixa da cidade, enquando o Palácio Presidencial está situado na Cidade Alta. Tem sim, uma via de acesso exclusiva na rua que dá para a entrada principal do estádio. Os militantes da CASA-CE estavam do lado oposto, nas traseiras do Estádio. Não há acesso directo do Estádio para a Rua do Povo, mencionada pela Polícia Nacional. Tem de se passar pela Rua 10 de Dezembro, da Assembleia Nacional e subir em direcção ao Palácio ou dar uma volta maior pela Praia do Bispo.
“Ficámos ali, junto ao Estádio, mais de meia hora. Até sermos transportados para a unidade. O nosso companheiro desceu do carro, no portão, porque pensou que tínhamos chegado. Iria fugir para onde? A zona do Palácio, para onde fomos levados, está rodeada de militares por todo o lado”.
Segundo António Baião, durante o encontro com os militares, foi o único do grupo que falou. “Eu reclamava apenas o exercício dos nossos direitos políticos”.
“Daqueles meninos, quem tinha capacidade para contrariar os guardas presidenciais? Eles estavam convencidos que seríamos todos fuzilados. Tremiam no percurso e uns até urinaram nas calças, de medo. Quem iria, nessas condições incitar quem? Eu tenho 47 anos, falei como o chefe do grupo. Dos jovens, o Ganga era o mais velho, o que estava mais à vontade”, revelou Baião ao Maka Angola.
“A polícia mentiu”, reiterou António Baião.
Quando a UGP Matou Cherokee
A guarda pretoriana do presidente José Eduardo dos Santos é notória pela impunidade e a frieza com que mata cidadãos inocentes e indefesos.
Poucos se lembrarão hoje do lavador de carros Arsénio Sebastião “Cherokee”, 27 anos, morto a 26 de Novembro de 2003, por efectivos da UGP, no embarcadouro do Mussulo.
O jovem cantarolava “A Téknica, as Kausas e as Konsekuências” do conhecido rapper MCK, também conhecida como “Sei Lá o Quê, Uáué”, uma música crítica ao regime, enquanto lavava um carro. Os guardas ouviram-no a cantarolar, ataram-lhe as mãos atrás das costas e conduziram-no até à água onde o submergiram. Mantiveram com a cabeça na água, até Cheroke morrer afogado.
Na altura, não houve qualquer pronunciamento oficial sobre o “acto subversivo” de Cherokee.