CARVALHO,
Henrique A. D de – A Lunda, pp 197-202
Aos doze dias do mez de Junho do anno do
nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e oitenta e seis no
Acampamento do Muatiânvua eleito, Ianvo vulgo Xá Madiamba, situado dois
kilometros a leste da povoação do Chibango na margem esquerda do rio Chiumbue,
no logar das audiências gerais estando reunidos os Muatas de lucano: Bungulo Anzovo,
Chibango Cacuruba senhor da terra, Muzooli Mucanza sobrinho e herdeiro do
assassinado Mucanza governador de Mataba, Tambu de Cabongo chefe dos Turubas
entre os rios Chiumbue, Cassai e Luembe; e também os representantes de Muene
Dinhinga, de Xá Cambuji, dos Muatas Cumbana, Caungula, de Muitia, de Muene
Panda e outros e muito povo; o Muatiânvua eleito sentado na cadeira de espaldar
dourada debaixo do docel e devidamente fardado annunciou que chamara os
quilolos áquella reunião para se despachar a embaixada que ia seguir para
Loanda segundo as deliberações tomadas na ultima audiência por elles quilolos,
mas era preciso antes que todos ouvissem o que se escreveu na mucanda (auto) e firmassem
com o seu signal para se provar a Muene Puto que eram desejos de todos o que se
pedia na mucanda.
Mostraram todos a sua adhesão
ao que dissera Muatiânvua batendo pal-madas e proferindo as palavras do uso.
Estava sentado á esquerda do
Muatiânvua o Chefe da Expedição portugueza sr. Major Henrique Augusto Dias de
Carvalho e em bancos de pequena altura seguiam-se os interpretes eu António de
Bezerra e Augusto Jayme, mais pessoas presentes por parte da Expedição: os
empregados José Faustino Samuel e Adolpho Ferreira, o cabo da força militar n.º
18 do Batalhão de Caçadores n.º 3 de Ambaca Jorge José, e soldado do mesmo batalhão
n.º 54 Adriano Annanias, o Ambaguista João da Silva com honras de alferes, Mona
Congolo, com honras de capitão, e os carregadores António Angonga, Negrão,
Xavier, Gambôa, Manuel pequeno, Casimiro, Sarrote Ferreira, etc.
O Chefe da Expedição disse: que
tendo sido procurado pelo Muatiânvua e os principais quilolos para fazer
constar a SUA MAGESTADE FEDELISSIMA o desejo que todos teem que o Governo do
mesmo Augusto Senhor faça encorporar nos domínios da sua coroa as terras do
Estado do Muatiânvua; escreveu no sentido em que lhe fora feito o pedido e
ordenou que eu interprete António Bezerra de Lisboa lhe fizesse comprehender na
sua língua o que estava escrito.
Depois de algumas explicações e
demoradas considerações do Muitia e do Muata Bungulo, deliberou-se que fosse
representado o Muatiânvua por seu sobrinho Muteba porém por causa de força
maior o Cacuata Capenda é substituído pelo Cacuata Noeji e como particular de
Muteba irá o Caxalapoli de confiança do Muatiânvua Tanda Ianvo e determina-se a
Caungula que dê um representante seu e peça a Muata Cumbana para apresentar um
delle os quaes se encorporarão aos que daqui partem.
O Muatiânvua e todos os grandes
do Estado da Lunda representados pelos que firmam este auto reconhecem a
Soberania de Portugal e pedem ao seu Governo que torne effectiva a ocupação da
Lunda como terras portuguezas conservando entre os indiginas o que tem sido de
seu uso e não importe embaraços á administração portugueza, e mantenha a integridade
dos territórios como propriedade do antigo ESTADO DO MUATIÂNVUA.
É abolida a pena da morte logo
que a autoridade portugueza junto do Muatiânvua resgate a vida dos sentenciados
e faça seguir estes debaixo de prisão para as terras de Angola.
Fica proibida para fora das
terras a venda ou troca de gente por artigos de commercio e nas terras não se
pode tal transação fazer sem ser ouvida a auctoridade portugueza que tem
preferência porque lhes dá a carta de alfor-ria, e como seus tutellados os
educa no trabalho.
Todas as pendências entre
Lundas do Muatiânvua são resolvidas pelas auctoridades e as esses com Quiocos ou quasquer povos de outra
tribu ou com europeus serão resolvidas pela auctoridade portugueza ouvindo as allegações dos
Chefes dos indivíduos em demanda.
Comprometteu-se o MUATIÂNVUA e
todos os senhores de terras a auxiliar as autoridades portuguezas na segurança
dos caminhos para os indivíduos extranhos ás povoações; facilitar aos
portuguezes ou indivíduos que viajam com guias firmadas por auctoridades
portuguezes, a passagem ou permanência nas povoações protegendo os
estabelecimentos que venham a crear.
Em quanto as autoridades
portuguezas não possam dispor de recursos indispensáveis para serem devidamente
educados os menores com direito á SUCESSÂO ao poder no Estado do Muatiânvua e
nos estados em que elle se subdivide, as mesmas autoridades proporcionam os
meios de os fazer educar nas terras portuguezas em que não faltam recursos para
esse fim.
O Muatiânvua depois de tomar
posse da governação do Estado, comprometteu-se a validar todos os Tratados e
nomeações feitas pelo Chefe da Expedição portugueza o Sr. Henrique Dias de
Carvalho em terras da Lunda sem distinção de tribus; e desde já os quilolos que
formam o seu séquito se obrigam a sujeitar-se á arbitragem do mesmo Chefe nas
pendências a resolver com MONA QUISSENGUE chefe principal dos Quiocos entre os
rios de Chicapa e Luembe de modo que nesta região fique bem firmada a paz entre
as tribus sob o domínio do Muatiânvua e as sob o domínio d’aquelle.
Pedem o Muatiânvua e os
representantes da corte ao Governo de SUA MAGESTADE FIDELISSÍMA, auctoridades
portuguezas, força de soldados brancos para distribuir pelos paizes do Estado
(LUNDA), mestres de officios, padres, médicos, lavradores, industriaes e
negociantes.
Encarrega-se o seu embaixador
além desta pedição, ainda a de pedir ao Sr Governador o que vae exposto na nota
junta.
E como todos os potentados e
mais indivíduos presentes nada mais tinham a acrescentar ao que fica exposto,
passou-se ás cerimónias da nomeação do embaixador que consistiram no seguinte:
Chamado MUTEBA veio agachado collocar-se
á frente do estrado sobre que estava collocada a cadeira e ahi ficou agachado.
O Muatiânvua estendendo o braço direito sobre a cabeça delle disse umas
palavras do rito que se resumem: em annunciar que o vae representar na longa jornada
e tomará o seu nome e honras e nessa qualidade falará com o representante do
grande Muene Puto em Loanda e por ter confiança nelle o escolhera e tudo que
lhe disser é dito pelo próprio MUATIÂNVUA e tome muita conta no que ouvir para
de tudo dar conhecimento ao Estado, lembrando se que vai preparar um melhor
futuro para este. Depois recebendo de um prato que lhe apresentou muene Casse,
mestre de cerimônias, um envolucro com pó vermelho dum lado, e branco do outro;
ora tomando pitadas dum ora do outro fez-lhe cruzes na testa, hombros, peito,
costa e braços pela parte interior, falando sempre: - que esperava não
encontrasse, difficuldades no caminho, marchasse muito bem, que os maus
espíritos andassem sempre longe delle etc.
Em seguida cuspiu-lhe na palma da
mão esquerda, o que o agraciado sorveu dum trago e depois passando os dedos da
mão direita pela palma da mão direita do Muatiânvua dava um estalido com os
dedos e repedindo isto três vezes terminou por bater três palmadas com as suas mãos,
o que repetiram todos os circumstantes gritando Chi Noeji, Muatiânvua, na lá ni eza,
echu aosso imanei, Zambi umutalei . ( Pelo grande dos grandes, estas feito
Muatiânvua, vae e volta, nós todos te esperamos. Deus te vigie).
E como nada mais houvesse a tratar
com respeito ao assumpto, determinou o Chefe da Expedição que se encerrasse
este auto que vae ser assignado pelos principais, fazendo uma cruz ao lado dos
seus nomes, os que não sabem escrever e a todos eu secretario que escrevi
reconheço pelas cathegorias que representam. – Acampamento do Muatiânvua na
margem esquerda do Chiumbue, 12 de Junho de 1886.- (ass.) Henrique Augusto Dias
de Carvalho, major do Exercito, Chefe de Expedição Portugueza ao Muatiânvua.