quarta-feira, 23 de outubro de 2019

ZECAMUTCHIMA, PRESIDENTE DO MPLT RETROSPECTIVA DA ENTREVISTA CONCEDIDA A REVISTA FIGURAS E NEGÓCIOS EM 2018




A Revista Figuras & Negócios – Nº 193 – Junho de 2018, entrevistou Zecamutchima Presidente do Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe, em pagina aberta da Revista e pela importância e actualidades dos assuntos tratados da referida entrevista, eis a continuação a mesma a vossa disposição:

Entrevista conduzida pelo Jornalista Carlos Miranda.


“Nós somos o povo Lunda. A Lunda é uma coisa e Angola é outra coisa. Nós somos o Movimento que luta para libertar a Lunda e ter um Estado com o seu governo. Os angolanos estão a mais na Lunda. A administração e a constituição de Angola na Lunda não valem”- Foi assim que, em várias ocasiões, José Mateus Zecamutchima, Presidente do Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe, fez questão de sublinhar à nossa revista, quando chamado a pronunciar-se sobre os objectivos pelos quais foi criada, há 12 anos, a organização politica enraizada nas Lundas.

O nosso interlocutor realça na entrevista que, tarde ou cedo, a região Leste “Constituir-se-á num Estado Autónomo, tal como a Escócia”.

Para Zecamutchima, nas Lundas sempre existiram populações autóctones que tem consciência de que “esta região não faz parte da Republica de Angola”...

É com o Líder do denominado Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe, com quem conversamos e ficamos a saber tudo sobre as suas origens, influencias e impacto da sua luta junto das populações de um território mais vasto que o Reino de Espanha:

FIGURAS & NEGÓCIOS (F&N) – Há muita gente a apoiar a causa do Movimento do Protectorado da Lunda Tchokwe? Qual é a influencia que a vossa organização actualmente tem junto das populações da região?

JOSÈ MATEUS ZECAMUTCHIMA (JMZ) – O problema é que o país não abriu, o MPLA fechou todas as verdades durante estes quarenta anos, pois não teve capacidade intelectual para encarar os problemas do país e resolvê-los. Escondeu a verdade e sempre esteve a lutar para encontrar a própria angolanidade de um país-Angola, que não existe.
Nós não temos no território Lunda um país chamado Angola. Angola é nome do Reino do Ndongo, dado pelo Rei Ngola Kiluanje. Ora, os portugueses tinham reconhecido que existiam os reinos de Matamba, Ndongo, dos Nganguelas, dos Kwanhamas, do Congo, do Bailundo e o da Lunda.etc.

F&N – Passemos para a nossa realidade politica contemporâneo. Quando é que efectivamente surge o Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe?
JMZ – O Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe começa a formar-se em 1885 com a presença dos portugueses porque eles foram sempre contestados pelo nosso povo. É a partir de 1885 que o nosso povo começa a reivindicar contra a presença estrangeira, sobretudo a portuguesa. Essa luta recrudesce-se em 1905, numa altura em que os Mbundas, os Luchazes, os Nganguelas e os Tchokwes fizeram guerras contra os portugueses. Por exemplo, temos uma guerra conhecida por “Matxachi”, na localidade de Lunguena e houve muito mais acções de rebeldia contra a presença dos portugueses que nunca se sentaram com o povo Lunda para explicar-lhe o que significava a sua administração.
Para isso também contribuía o obscurantismo em que estava mergulhado o nosso povo. Interessa neste contexto referir que, até 1964, altura em que os movimentos de libertação apareceram na região, não tínhamos um cidadão tchokwe com sétimo ano liceal. As escolas que surgiram na Lunda não foram criadas para dar formação aos povos das Lundas; eram para os comerciantes idos de Malanje.

F&N – É preciso resumir a Historia, mas não coartando a própria Historia. Por isso é que vou perguntar, de novo, quando é que o Movimento efectivamente foi reconhecido como “Legitimo representante dos povos da Lunda Norte” (Falha do Jornalista, não falamos da LN mas de todo o Reino Lunda – Kuando Kubango, Moxico e Distrito da Lunda) como dizem? Quando? Em que ano, como é que surgiu?
JMZ – Vou mostrar um documento que o Presidente João Lourenço acabou de produzir para dizer que ZECAMUTCHIMA é o presidente do Reino Lunda Tchokwe...Só esse ofício está a legitimar que nós, como Movimento do Protectorado da Lunda Tchokwe temos história.

F&N – Quando é que começa oficialmente esta história?
JMZ – Nos anos 80, na Lunda surgiram vários grupos reivindicativos, como o Culikunga, que chamavam os filhos das Lundas para que se unissem e reivindicassem os seus direitos naturais. Então, algumas pessoas filhas das lundas foram alertar o MPLA de que estavam a nascer grupos que queriam reivindicar os territórios. Das principais cabeças do Culikunga, umas foram chamadas para integrar o Comité Central do MPLA e aquilo murchou. Mais tarde, aparece o ADLA Leste (Associação dos Naturais do Leste de Angola), mais aquilo era mais uma forma indirecta de reivindicar o direito das Lundas. Na altura, o MPLA, na sua astúcia, pegou muitos destes dirigentes e hoje muitos foram transformados em ministros, governadores e o projecto morreu...

F&N – Mas este projecto inicialmente para que era? Reivindicar a Autonomia ou Independência?
JMZ – Exigia-se a independência. Nós falamos em Autonomia; os outros lutaram pela independência mas de forma receosa, uma vez que havia guerra em Cabinda e a guerra feita pela UNITA. A partir de 2003, começamos a reproduzir documentos do Movimento, nomeadamente os tratados, a fim de distribui-los por toda a Lunda, no sentido de explicar o seu significado e quem os assinou às populações.
Na sequência da produção do nosso Manifesto, acontece a nossa fundação em 2006. No dia 7 de Agosto deste ano, fomos entregá-lo ao Presidente José Eduardo dos Santos.

F&N – Não tinham posto por cima da mesa a questão da independência...
JMZ – Desde o primeiro momento nós metemos na mesa o seguinte: Nós somos um povo independente, mas com Angola nós queremos autonomia. É essa tese que estamos a defender há doze anos. Continuamos a defender uma autonomia igual à da Escócia em relação a Inglaterra. Portando, esta ideia da independência fica de lado...

F&N – Qual foi a reacção do Presidente José Eduardo dos Santos na altura?
JMZ – Os militantes do MPLA chamam-no de “Arquitecto da Paz”, mas estão errados. José Eduardo dos Santos não teve capacidade Africana para resolver os problemas. Eu não vim falar de Cabinda, venho falar sobre a Lunda, mas porque que temos de ter problemas em Cabinda, enquanto os outros estão a dizer-te que o problema está aqui (nas Lundas)? Estou a dizer ao governo de Angola que a Lunda é parte do Reino de Muatianvua. O território deste reino que ficou no Congo Democrático foi colonizado, mas a parte que ficou com Angola está protegida por tratados.

F&N – De 2012 a 2017, que tipo de pressão vocês fizeram? Tiveram medo?
JMZ – Fizemos muita coisa durante este período. Em 2016/2017 nós tivemos mais de 270 membros do movimento nas cadeias, por causa da nossa reivindicação. Só isto já explica qual é a nossa acção, para não citar as cartas que endereçamos ao governo, à comunidade internacional e outras instituições como as Nações Unidas.
Continuamos a dizer que o problema da Lunda ainda não pode sair das fronteiras; tem de ser resolvido entre nós, os Africanos. Nós, Movimento, mantivemo-nos à distância das organizações internacionais para que não dissessem que existiam grupos internacionais a fazer-nos pressão e o governo afirmasse que não, não vamos conversar com eles porque estão a ser financiados por algumas instituições internacionais.

F&N – Em que circunstancia é que aquela gente toda foi presa?
JMZ – Por causa das manifestações que continuamos a fazer dentro das Lundas. Muitos deles eram procurados, pois por tirar uma simples fotocópia do Movimento do Protectorado, a pessoa era presa.

F&N – O vosso Movimento pode ser considerado ilegal e clandestino?
JMZ – Não! Nós somos legais. Não há nenhum governo do mundo que enderece a um movimento ilegal um documento como este; um oficio dirigido ao Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe e que sai do Gabinete do Presidente da Republica. É um documento de 16 de Fevereiro de 2018. (...) Quando eu trago isto, significa que estou legal!...

F&N – Em termos de legalização, o normal seria o Tribunal Supremo ou constitucional dar um aval (...) Esse vosso Movimento esta legalizado aonde e como?
JMZ – Nós somos o povo Lunda. A Lunda é uma coisa e Angola é outra coisa. Nós somos o Movimento que luta para libertar a Lunda e ter um Estado com o seu Governo. Os angolanos estão a mais na Lunda. A Administração e a Constituição de Angola na Lunda não valem. Logo, eu, enquanto estiver a defender a Lunda não vou ao meu próprio colono pedir a minha legalização. Por isso é que o MPLA não a pediu ao governo de Portugal. Nem a UNITA, nem a FNLA o fizeram. Se tens o teu direito natural, não tens que pedir ao prevaricador que te dê legalização. As estruturas de Angola não têm o direito de estar na Lunda. Devem retirar-se. Nós somos independentes. A presença delas é colonização.
F&N – Como é que avalia a condição social dos povo Lunda?

JMZ – É a pior de Àfrica. Nós temos uma situação de calamidade a 100%. (...) O hospital português dos anos 60, que se chamava Hospital regional, que era o único, hoje já não existe. Esta completamente destruído. Nós temos ainda populações que vivem nas cabanas, em casas de pau-a-pique e neste momento temos aldeias que nem sequer conhecem o sal.

F&N – Neste momento, qual é a relação que existe entre o vosso Movimento e os partidos políticos existentes nas Lundas?
JMZ – Que eu saiba, não existe nenhum partido político na Lunda. Existe é um grupo de pessoas da Lunda que formaram um partido angolano que chamaram PRS. E esse PRS não pode ser conotado como um partido da Lunda. Não, não é. É, sim, um partido que foi legalizado à luz da constituição angolana. Ele colocou um projecto na mesa que era o Federalismo. Se esse Federalismo tem a ver com o Reino da Lunda, graças a Deus, mas...

F&N – De qualquer forma, qual é então a relação que existe?
JMZ – Nós não temos nenhuma relação com o PRS. O que deve existir é que alguns membros da sua liderança tenham alguns familiares dentro do Movimento. Portanto, não temos, nenhuma relação institucional. Nem com o PRS, nem com a CASA-CE, nem com a UNITA, nem com o MPLA.
Pessoalmente tenho amizades com as pessoas de qualquer um destes partidos políticos, mas isto é uma coisa totalmente diferente.

F&N – O surgimento de um Estado Lunda Independente não torna mais difícil a convivência entre os angolanos? As famílias ficarão cada um no seu Estado...
JMZ – Não, estarão todas ali porque já vimos que houve filhos ingleses que ficaram na Coroa Holandesa e Escoceses na Inglesa. Mas cada um no seu lugar. Então, sempre pensamos que aqui há sempre uma possível convivência. O MPLA é que continua a não ter visão e eu explico porquê: se o MPLA perder essa oportunidade de conversar com a liderança do Movimento neste momento, outra liderança poderá ser mais radical do que a nossa. Ela já não vai pedir autonomia como a Escócia.

F&N – Já fizeram alguma declaração pública oficial, quer seja por escrito ou verbal, reclamando os vossos direitos junto das organizações Internacionais?
JMZ – Sim, já fizemos declarações e de forma oficial aos governos dos Estados Unidos, da Inglaterra, da França, Alemanha, Bélgica, Itália, da Espanha e do Vaticano (...). Em 2015, a União Europeia, através da Aliança de Partidos Livres – EFA, escreveu ao Presidente José Eduardo dos Santos para o aconselhar a sentar-se com os seus irmãos africanos da Lunda para poderem entender-se, e que seria bom que a Lunda obtivesse autonomia. Para aquela Aliança de Partidos, este exemplo vindo de África, poderia também ajudar a própria Europa. Escrevemos de forma oficial ao Secretario das Nações Unidas, BAN KIN MOON (...). Devo dizer que também o Papa João Paulo II, em resposta a uma carta enviada por nós em 2010 (com copia a José Eduardo dos Santos), mostrou-se satisfeito em ver os Lundas a manifestarem-se de forma pacífica. Ele dizia-nos que continuava a fazer as suas orações para que o processo fosse mesmo resolvido de forma pacífica (...) A Assembleia Nacional, através da Xª Comissão com todos os representantes dos partidos políticos, também reuniu-se connosco em três ocasiões, e disse que iriam encaminhar a informação do Movimento ao Presidente da Republica. Estas reuniões aconteceram entre 2014 e 2015.(...)

F&N – Já que as vossas reivindicações não são atendidas, alguma vez vos passou pela cabeça recorrerem a meios violentos para atingir os vossos objectivos?
JMZ – Não. O povo da Lunda sustenta-se nos Dez Mandamentos da Bíblia. Se o governo continuar a ignorar a Lunda, o seu desenvolvimento colectivo, Angola vai continuar sempre a passar mal. É u m povo que esta a reclamar e a dizer que vai sair. O Faraó fez também a mesma coisa com os israelitas, embora os tempos sejam completamente diferentes. Se o governo de Angola não aceitar a autonomia da Lunda, pode ter a certeza absoluta que os diamantes como a segunda riqueza e os investimentos não vão aparecer. Os próprios estrangeiros já começaram a ter medo de irem para a Lunda, enquanto nós estamos a agir de forma pacífica...

F&N – Já pensaram em abrir espaço para um encontro com o Presidente da Republica João Lourenço ou com a Liderança do MPLA?
JMZ – (...) Eu fiz uma entrevista onde declarei que estávamos de braços abertos, à espera que o MPLA diga que “Se no passado não tivemos capacidade de falar com vocês, agora venham nossos irmãos lundas, vamos sentar-nos”. Isto tem de acontecer porque quando começamos o Movimento, não sonhávamos ter o número de aderentes identificados com cartões. Não chegávamos a dez pessoas. Hoje estamos a falar em duzentos mil, às quais distribuímos cartões e pagam quotas. Nós temos gente da polícia, das Forças Armadas, dos ministérios... Quer dizer que cada dia que passa, o movimento cresce e está bem organizado. Tem um Comité, um presidente, um vice-presidente, um secretario geral e um secretariado executivo, tem a organização da Juventude Patriótica Lunda Tchokwe, tem a Organização da Mulher Lunda Tchokwe e estamos sedeados nos trinta e três municípios, desde o Cuando Cubango, Moxico e às Lundas...

F&N – Vocês têm liberdade de circular normalmente? Não existe nenhum constrangimento?
JMZ – Não. As forças policiais só nos atacam quando sabem que vamos fazer manifestações...

F&N – Houve um vosso comunicado que aludia à necessidade de realizarem recentemente uma manifestação pública...Quais foram as consequências deste acto?
JMZ – Tivemos três activistas presos. Realizamos a manifestação nas localidades do Cuango, Cafunfo, Muxinda e Saurimo...

F&N – Em que pé esta o processo de libertação?

JMZ – Nós nunca fizemos manifestações sem comunicar às autoridades. Escrevemos ao Presidente da Republica, aos governadores do Cuando Cubango, do Moxico e da Lunda Norte...

F&N – Com que meios é que vocês funcionam?
JMZ – Com os parcos meios que o nosso povo vai nos dando. Com as quotas pagas. Nós recebemos apenas Cem Kwanzas por cada um dos nossos membros e com este dinheiro podemos realizar as nossas actividades, embora seja insuficiente.

F&N – Vocês temem represálias por parte das autoridades?
JMZ – Nós estamos desde 2006 a ser violentados pelas autoridades, mas andamos. Quem tem razão do seu lado, vence. Por isso é que citei os dez mandamentos bíblicos(...)

F&N – Com que apoio é que vocês contam por parte das autoridades tradicionais, nomeadamente aquelas pertencentes à linhagem do Rei?
JMZ – Vou partir de mim próprio. Eu faço parte da linhagem do Rei Muatxissengue Ua Tembo, que vem desde a criação do Reino Lunda por Yala Ya Muaka. Esta forma, este reino a partir de Kilimandjaro, no Quénia. A linhagem continua até aos dias de hoje... Por outro lado, devo revelar que no momento em que estamos a fazer esta entrevista, o velho Muanananga Capenda Camulemba – Regedor – esta preso. Trata-se de uma entidade que controla mais de trezentos sobas nesta região do Cuango, Cafunfo, Camaxilo e Kuilo. A polícia prendeu-o, (...) porque estava a mobilizar as pessoas para fazer manifestações de rua.

F&N – Há algum paralelismo que se possa estabelecer entre o vosso caso e o problema de Cabinda?

JMZ – Cabinda reivindica Autonomia ou independência do território, com base no Tratado de Simulambuco e Tchikamba. Nós não temos apenas um tratado, temos oito (Vide Caixa)...