A Revista Figuras
& Negócios – Nº 193
– Junho de 2018, entrevistou Zecamutchima Presidente do Movimento do
Protectorado Lunda Tchokwe, em pagina aberta da Revista e pela importância e
actualidades dos assuntos tratados da referida entrevista, eis a continuação a
mesma a vossa disposição:
Entrevista
conduzida pelo Jornalista Carlos Miranda.
“Nós somos o povo
Lunda. A Lunda é uma coisa e Angola é outra coisa. Nós somos o Movimento que
luta para libertar a Lunda e ter um Estado com o seu governo. Os angolanos
estão a mais na Lunda. A administração e a constituição de Angola na Lunda não
valem”- Foi assim que, em
várias ocasiões, José Mateus Zecamutchima, Presidente do Movimento do
Protectorado Lunda Tchokwe, fez questão de sublinhar à nossa revista, quando
chamado a pronunciar-se sobre os objectivos pelos quais foi criada, há 12 anos,
a organização politica enraizada nas Lundas.
O
nosso interlocutor realça na entrevista que, tarde ou cedo, a região Leste “Constituir-se-á num Estado Autónomo, tal
como a Escócia”.
Para
Zecamutchima, nas Lundas sempre existiram populações autóctones que tem
consciência de que “esta região não faz
parte da Republica de Angola”...
É
com o Líder do denominado Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe, com quem
conversamos e ficamos a saber tudo sobre as suas origens, influencias e impacto
da sua luta junto das populações de um território mais vasto que o Reino de
Espanha:
FIGURAS & NEGÓCIOS (F&N) – Há muita gente a apoiar a
causa do Movimento do Protectorado da Lunda Tchokwe? Qual é a influencia que a
vossa organização actualmente tem junto das populações da região?
JOSÈ MATEUS
ZECAMUTCHIMA (JMZ) – O problema
é que o país não abriu, o MPLA fechou todas as verdades durante estes quarenta
anos, pois não teve capacidade intelectual para encarar os problemas do país e
resolvê-los. Escondeu a verdade e sempre esteve a lutar para encontrar a
própria angolanidade de um país-Angola, que não existe.
Nós
não temos no território Lunda um país chamado Angola. Angola é nome do Reino do
Ndongo, dado pelo Rei Ngola Kiluanje. Ora, os portugueses tinham reconhecido
que existiam os reinos de Matamba, Ndongo, dos Nganguelas, dos Kwanhamas, do
Congo, do Bailundo e o da Lunda.etc.
F&N – Passemos para a nossa realidade politica
contemporâneo. Quando é que efectivamente surge o Movimento do Protectorado
Lunda Tchokwe?
JMZ – O Movimento do Protectorado Lunda
Tchokwe começa a formar-se em 1885 com a presença dos portugueses porque eles
foram sempre contestados pelo nosso povo. É a partir de 1885 que o nosso povo
começa a reivindicar contra a presença estrangeira, sobretudo a portuguesa.
Essa luta recrudesce-se em 1905, numa altura em que os Mbundas, os Luchazes, os
Nganguelas e os Tchokwes fizeram guerras contra os portugueses. Por exemplo,
temos uma guerra conhecida por “Matxachi”,
na localidade de Lunguena e houve muito mais acções de rebeldia contra a
presença dos portugueses que nunca se sentaram com o povo Lunda para
explicar-lhe o que significava a sua administração.
Para
isso também contribuía o obscurantismo em que estava mergulhado o nosso povo.
Interessa neste contexto referir que, até 1964, altura em que os movimentos de
libertação apareceram na região, não tínhamos um cidadão tchokwe com sétimo ano
liceal. As escolas que surgiram na Lunda não foram criadas para dar formação
aos povos das Lundas; eram para os comerciantes idos de Malanje.
F&N – É preciso resumir a Historia, mas não coartando a própria
Historia. Por isso é que vou perguntar, de novo, quando é que o Movimento
efectivamente foi reconhecido como “Legitimo representante dos povos da Lunda
Norte” (Falha do Jornalista, não falamos da LN
mas de todo o Reino Lunda – Kuando Kubango, Moxico e Distrito da Lunda) como dizem? Quando? Em que ano, como é que
surgiu?
JMZ – Vou mostrar um documento que o
Presidente João Lourenço acabou de produzir para dizer que ZECAMUTCHIMA é o
presidente do Reino Lunda Tchokwe...Só esse ofício está a legitimar que nós,
como Movimento do Protectorado da Lunda Tchokwe temos história.
F&N – Quando é que começa oficialmente esta história?
JMZ – Nos anos 80, na Lunda surgiram
vários grupos reivindicativos, como o Culikunga, que chamavam os filhos das
Lundas para que se unissem e reivindicassem os seus direitos naturais. Então,
algumas pessoas filhas das lundas foram alertar o MPLA de que estavam a nascer
grupos que queriam reivindicar os territórios. Das principais cabeças do
Culikunga, umas foram chamadas para integrar o Comité Central do MPLA e aquilo
murchou. Mais tarde, aparece o ADLA Leste (Associação dos Naturais do Leste de
Angola), mais aquilo era mais uma forma indirecta de reivindicar o direito das
Lundas. Na altura, o MPLA, na sua astúcia, pegou muitos destes dirigentes e
hoje muitos foram transformados em ministros, governadores e o projecto
morreu...
F&N – Mas este projecto inicialmente para que era?
Reivindicar a Autonomia ou Independência?
JMZ – Exigia-se a independência. Nós
falamos em Autonomia; os outros lutaram pela independência mas de forma
receosa, uma vez que havia guerra em Cabinda e a guerra feita pela UNITA. A
partir de 2003, começamos a reproduzir documentos do Movimento, nomeadamente os
tratados, a fim de distribui-los por toda a Lunda, no sentido de explicar o seu
significado e quem os assinou às populações.
Na
sequência da produção do nosso Manifesto, acontece a nossa fundação em 2006. No
dia 7 de Agosto deste ano, fomos entregá-lo ao Presidente José Eduardo dos
Santos.
F&N – Não tinham posto por cima da mesa a questão da
independência...
JMZ – Desde o primeiro momento nós
metemos na mesa o seguinte: Nós somos um povo independente, mas com Angola nós
queremos autonomia. É essa tese que estamos a defender há doze anos.
Continuamos a defender uma autonomia igual à da Escócia em relação a
Inglaterra. Portando, esta ideia da independência fica de lado...
F&N – Qual foi a reacção do Presidente José Eduardo dos
Santos na altura?
JMZ – Os militantes do MPLA chamam-no de
“Arquitecto da Paz”, mas estão errados. José Eduardo dos Santos não teve
capacidade Africana para resolver os problemas. Eu não vim falar de Cabinda,
venho falar sobre a Lunda, mas porque que temos de ter problemas em Cabinda,
enquanto os outros estão a dizer-te que o problema está aqui (nas Lundas)? Estou a dizer ao governo
de Angola que a Lunda é parte do Reino de Muatianvua. O território deste reino
que ficou no Congo Democrático foi colonizado, mas a parte que ficou com Angola
está protegida por tratados.
F&N – De 2012 a 2017, que tipo de pressão vocês fizeram?
Tiveram medo?
JMZ – Fizemos muita coisa durante este
período. Em 2016/2017 nós tivemos mais de 270 membros do movimento nas cadeias,
por causa da nossa reivindicação. Só isto já explica qual é a nossa acção, para
não citar as cartas que endereçamos ao governo, à comunidade internacional e
outras instituições como as Nações Unidas.
Continuamos
a dizer que o problema da Lunda ainda não pode sair das fronteiras; tem de ser
resolvido entre nós, os Africanos. Nós, Movimento, mantivemo-nos à distância
das organizações internacionais para que não dissessem que existiam grupos
internacionais a fazer-nos pressão e o governo afirmasse que não, não vamos
conversar com eles porque estão a ser financiados por algumas instituições
internacionais.
F&N – Em que circunstancia é que aquela gente toda foi
presa?
JMZ – Por causa das manifestações que
continuamos a fazer dentro das Lundas. Muitos deles eram procurados, pois por
tirar uma simples fotocópia do Movimento do Protectorado, a pessoa era presa.
F&N – O vosso Movimento pode ser considerado ilegal e
clandestino?
JMZ – Não! Nós somos legais. Não há
nenhum governo do mundo que enderece a um movimento ilegal um documento como
este; um oficio dirigido ao Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe e que sai
do Gabinete do Presidente da Republica. É um documento de 16 de Fevereiro de
2018. (...) Quando eu trago isto, significa que estou legal!...
F&N – Em termos de legalização, o normal seria o Tribunal
Supremo ou constitucional dar um aval (...) Esse vosso Movimento esta
legalizado aonde e como?
JMZ – Nós somos o povo Lunda. A Lunda é
uma coisa e Angola é outra coisa. Nós somos o Movimento que luta para libertar
a Lunda e ter um Estado com o seu Governo. Os angolanos estão a mais na Lunda.
A Administração e a Constituição de Angola na Lunda não valem. Logo, eu,
enquanto estiver a defender a Lunda não vou ao meu próprio colono pedir a minha
legalização. Por isso é que o MPLA não a pediu ao governo de Portugal. Nem a
UNITA, nem a FNLA o fizeram. Se tens o teu direito natural, não tens que pedir
ao prevaricador que te dê legalização. As estruturas de Angola não têm o
direito de estar na Lunda. Devem retirar-se. Nós somos independentes. A
presença delas é colonização.
F&N – Como é que avalia a condição social dos povo Lunda?
JMZ – É a pior de Àfrica. Nós temos uma
situação de calamidade a 100%. (...) O hospital português dos anos 60, que se
chamava Hospital regional, que era o único, hoje já não existe. Esta
completamente destruído. Nós temos ainda populações que vivem nas cabanas, em
casas de pau-a-pique e neste momento temos aldeias que nem sequer conhecem o
sal.
F&N – Neste momento, qual é a relação que existe entre o
vosso Movimento e os partidos políticos existentes nas Lundas?
JMZ – Que eu saiba, não existe nenhum
partido político na Lunda. Existe é um grupo de pessoas da Lunda que formaram
um partido angolano que chamaram PRS. E esse PRS não pode ser conotado como um
partido da Lunda. Não, não é. É, sim, um partido que foi legalizado à luz da
constituição angolana. Ele colocou um projecto na mesa que era o Federalismo.
Se esse Federalismo tem a ver com o Reino da Lunda, graças a Deus, mas...
F&N – De qualquer forma, qual é então a relação que existe?
JMZ – Nós não temos nenhuma relação com
o PRS. O que deve existir é que alguns membros da sua liderança tenham alguns
familiares dentro do Movimento. Portanto, não temos, nenhuma relação
institucional. Nem com o PRS, nem com a CASA-CE, nem com a UNITA, nem com o
MPLA.
Pessoalmente
tenho amizades com as pessoas de qualquer um destes partidos políticos, mas
isto é uma coisa totalmente diferente.
F&N – O surgimento de um Estado Lunda Independente não torna
mais difícil a convivência entre os angolanos? As famílias ficarão cada um no
seu Estado...
JMZ – Não, estarão todas ali porque já
vimos que houve filhos ingleses que ficaram na Coroa Holandesa e Escoceses na
Inglesa. Mas cada um no seu lugar. Então, sempre pensamos que aqui há sempre
uma possível convivência. O MPLA é que continua a não ter visão e eu explico
porquê: se o MPLA perder essa oportunidade de conversar com a liderança do
Movimento neste momento, outra liderança poderá ser mais radical do que a
nossa. Ela já não vai pedir autonomia como a Escócia.
F&N – Já fizeram alguma declaração pública oficial, quer
seja por escrito ou verbal, reclamando os vossos direitos junto das
organizações Internacionais?
JMZ – Sim, já fizemos declarações e de
forma oficial aos governos dos Estados Unidos, da Inglaterra, da França,
Alemanha, Bélgica, Itália, da Espanha e do Vaticano (...). Em 2015, a União
Europeia, através da Aliança de Partidos Livres – EFA, escreveu ao Presidente
José Eduardo dos Santos para o aconselhar a sentar-se com os seus irmãos
africanos da Lunda para poderem entender-se, e que seria bom que a Lunda
obtivesse autonomia. Para aquela Aliança de Partidos, este exemplo vindo de
África, poderia também ajudar a própria Europa. Escrevemos de forma oficial ao
Secretario das Nações Unidas, BAN KIN
MOON (...). Devo dizer que também o Papa João Paulo II, em resposta a uma
carta enviada por nós em 2010 (com copia a José Eduardo dos Santos), mostrou-se
satisfeito em ver os Lundas a manifestarem-se de forma pacífica. Ele dizia-nos
que continuava a fazer as suas orações para que o processo fosse mesmo resolvido
de forma pacífica (...) A Assembleia Nacional, através da Xª Comissão com todos
os representantes dos partidos políticos, também reuniu-se connosco em três
ocasiões, e disse que iriam encaminhar a informação do Movimento ao Presidente
da Republica. Estas reuniões aconteceram entre 2014 e 2015.(...)
F&N – Já que as vossas reivindicações não são atendidas,
alguma vez vos passou pela cabeça recorrerem a meios violentos para atingir os
vossos objectivos?
JMZ – Não. O povo da Lunda sustenta-se
nos Dez Mandamentos da Bíblia. Se o governo continuar a ignorar a Lunda, o seu
desenvolvimento colectivo, Angola vai continuar sempre a passar mal. É u m povo
que esta a reclamar e a dizer que vai sair. O Faraó fez também a mesma coisa
com os israelitas, embora os tempos sejam completamente diferentes. Se o
governo de Angola não aceitar a autonomia da Lunda, pode ter a certeza absoluta
que os diamantes como a segunda riqueza e os investimentos não vão aparecer. Os
próprios estrangeiros já começaram a ter medo de irem para a Lunda, enquanto
nós estamos a agir de forma pacífica...
F&N – Já pensaram em abrir espaço para um encontro com o
Presidente da Republica João Lourenço ou com a Liderança do MPLA?
JMZ – (...) Eu fiz uma entrevista onde
declarei que estávamos de braços abertos, à espera que o MPLA diga que “Se no
passado não tivemos capacidade de falar com vocês, agora venham nossos irmãos
lundas, vamos sentar-nos”. Isto tem de acontecer porque quando começamos o
Movimento, não sonhávamos ter o número de aderentes identificados com cartões.
Não chegávamos a dez pessoas. Hoje estamos a falar em duzentos mil, às quais
distribuímos cartões e pagam quotas. Nós temos gente da polícia, das Forças
Armadas, dos ministérios... Quer dizer que cada dia que passa, o movimento
cresce e está bem organizado. Tem um Comité, um presidente, um vice-presidente,
um secretario geral e um secretariado executivo, tem a organização da Juventude
Patriótica Lunda Tchokwe, tem a Organização da Mulher Lunda Tchokwe e estamos
sedeados nos trinta e três municípios, desde o Cuando Cubango, Moxico e às
Lundas...
F&N – Vocês têm liberdade de circular normalmente? Não
existe nenhum constrangimento?
JMZ – Não. As forças policiais só nos
atacam quando sabem que vamos fazer manifestações...
F&N – Houve um vosso comunicado que aludia à necessidade de
realizarem recentemente uma manifestação pública...Quais foram as consequências
deste acto?
JMZ – Tivemos três activistas presos.
Realizamos a manifestação nas localidades do Cuango, Cafunfo, Muxinda e
Saurimo...
F&N – Em que pé esta o processo de libertação?
JMZ – Nós nunca fizemos manifestações
sem comunicar às autoridades. Escrevemos ao Presidente da Republica, aos
governadores do Cuando Cubango, do Moxico e da Lunda Norte...
F&N – Com que meios é que vocês funcionam?
JMZ – Com os parcos meios que o nosso
povo vai nos dando. Com as quotas pagas. Nós recebemos apenas Cem Kwanzas por
cada um dos nossos membros e com este dinheiro podemos realizar as nossas
actividades, embora seja insuficiente.
F&N – Vocês temem represálias por parte das autoridades?
JMZ
– Nós estamos desde 2006 a ser violentados pelas autoridades, mas andamos. Quem
tem razão do seu lado, vence. Por isso é que citei os dez mandamentos bíblicos(...)
F&N – Com que apoio é que vocês contam por parte das
autoridades tradicionais, nomeadamente aquelas pertencentes à linhagem do Rei?
JMZ – Vou partir de mim próprio. Eu faço
parte da linhagem do Rei Muatxissengue Ua Tembo, que vem desde a criação do
Reino Lunda por Yala Ya Muaka. Esta forma, este reino a partir de Kilimandjaro,
no Quénia. A linhagem continua até aos dias de hoje... Por outro lado, devo
revelar que no momento em que estamos a fazer esta entrevista, o velho
Muanananga Capenda Camulemba – Regedor – esta preso. Trata-se de uma entidade
que controla mais de trezentos sobas nesta região do Cuango, Cafunfo, Camaxilo
e Kuilo. A polícia prendeu-o, (...) porque estava a mobilizar as pessoas para
fazer manifestações de rua.
F&N – Há algum paralelismo que se possa estabelecer entre o
vosso caso e o problema de Cabinda?
JMZ – Cabinda reivindica Autonomia ou
independência do território, com base no Tratado de Simulambuco e Tchikamba.
Nós não temos apenas um tratado, temos oito (Vide Caixa)...