PARTE
II - A EVOLUÇÃO POLÍTICA DE AFRICA E A LUNDA 1884 – 1891
2.- O TRATADO DO ZAIRE
2.1.- SEU CONTEÚDO
Em 26 de
Fevereiro de 1884 era assinado em Londres, depois de morosas negociações, o
chamado Tratado do Zaire. Por ele reconhecia a Inglaterra a soberania
Portuguesa «(…) sobre a parte da Costa Ocidental da África situada entre o 8º e
5º 12’ de latitude S., e no interior (…)», a fronteira iria até aos limites das
possessões das tribos costeiras e marginais. No rio Zaire, o limite seria o
meridiano de Noqui. Na posse de Portugal ficariam também CABINDA e MOLEMBO (artigo 1.º).
Neste tratado,
que nunca chegou a ser ractificado nem a entrar em vigor, Portugal fazia á
Inglaterra, em contrapartida, importantes concessões: os navios Britânicos,
nesses territórios, não seriam «(…) de futuro obrigados ao pagamento de mais
elevados ou diversos direitos e impostos, nem (…) sujeitos a quaisquer outras
restrições, além do que fosse exigido aos navios portugueses; e as mercadorias,
quer fossem propriedade de súbditos britânicos, ou de origem ou manufactura
britânica, nunca seriam de futuro sujeitas a tratamento algum diferencial, e
seriam colocadas no mesmo pé, a todos os respeitos, que as mercadorias
pertencentes a súbditos portugueses, ou importadas em navios portugueses, ou de
produção ou manufactura de portuguesa» (artigo
9.º); os súbditos britânicos e o seu comércio, «(…) em todas as possessões
africanas de Portugal, além de quaisquer outros direitos que eles pudessem já
ter nas colónias portugueses, receberiam o tratamento da terceira nação mais
favorecida (…)» no tocante a residência, ao exercício de qualquer oficio ou
profissão, ao pagamento de contribuições ou outros impostos, ao gozo de todos
os direitos legais e privilégios, no respeitante ao comércio e à navegação (artigo 10.º).
As partes
contratuais reconheciam a inteira liberdade do «(…) comércio e navegação dos
rios Congo e Zambeze e seus afluentes para os súbditos e bandeiras de todas as
nações» (artigo 3.º).
O comércio e
navegação de todos os rios e vias fluviais compreendidos nos territórios que a
Inglaterra reconhecia a Portugal no artigo 1.º eram de igual maneira abertos a
todas as nações Europeias em Africa sem qualquer monopólio, concessão exclusiva
ou qualquer outro estorvo, sem mais impostos do que os expressamente designados
no TRATADO, ou de futuro
estabelecidos por comum acordamos entre as duas partes (artigo 4.º).
2.2.- A REACÇÃO EUROPEIA
Não obstante
isto, o Tratado do Zaire foi mal recebido em algumas capitais europeias, no Quai d’Orsay e na Chancelaria alemã
sobretudo. Mesmo em Inglaterra, as câmaras de comércio e as sociedades
missionárias e filantrópicas, que já antes se opunham a quaisquer negociações
donde pudesse resultar uma maior soberania portuguesa em Africa, mostrara-se de
tal modo contrárias ao Tratado que nunca foi possível ractificá-lo (9).
2.2.1.- AS CÂMARAS DE COMÉRCIO E AS SOCIEDADES
FILANTRÓPICAS E MISSIONÁRIAS INGLESAS
No dia 8 de
Março JACOB BIGHT, representante de
Manchester, apresentava na Câmara dos Comuns uma moção contra o Tratado (10). Também o Instituto de Direito
Internacional, reunido em Munique, votava a favor da neutralidade do Congo (11). Todavia, foram as circunstâncias de
favor especial concedido à Inglaterra que serviram de motivo confessado ao
incidente diplomático que levou à Conferencia de Berlim de 1884-1885.
As nações da
europa, que bem souberam aproveitar-se, em proveito do seu comércio com a
África usurpada, dos longos quarenta anos de oposição e guerra que os Ingleses
moveram a Portugal até o Tratado, não concordaram em que fosse a Inglaterra o
único árbitro dos seus interesses africanos. Isto mesmo fora pressentido durante
as negociações. Em 15 de Março de 1883, o Governo Inglês era de opinião que
deveriam associar-se ao tratado em estudo outras potências colonizadoras
interessadas em Africa. Granville,
sempre receoso, tinha informações de Paris que o preocupavam sobre a atitude
dos países perante o tratado em Projecto (12).
2.2.2.- A ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL AFRICANA
As nações
europeias achavam-se antes empenhadas em reconhecer e transformar a empresa do
rei dos BELGAS num Estado neutro,
fruto das suas vontades e amoldado aos seus interesses de comércio de «porta
aberta». A iminência de uma única jurisdição soberana na costa e
embocadura do Zaire, que nas ideias dominantes da época eram base necessária
para a exploração da África Central, apresentava-se carregada de receio com o
domínio independente e expansivo ali de Portugal e da França.
Sem uma saída
para o mar, todo o interior do Congo «não valia um penny» - dizia Henry
Stanley (13). E LEOPOLDO II havia de escrever mais
tarde a BISMARK da Alemanha que
renunciaria à empresa africana se a Associação fosse cortada do mar (14).
Das partes
costeiras que poderiam servir à Associação, uma tinha sido ocupado pela FRANÇA, que tomara LUANGO e PONTA NEGRA, isto
é, desde o Gabão até ao paralelo 5.º
12’, e a outra, preparava-se Portugal para a ocupar desde este paralelo até ao AMBRIZ, ao abrigo do Tratado do Zaire
com a Inglaterra. Sem uma parte da costa e a cumprirem-se as palavras de Leopoldo II a Bismark, lá cairiam no
olvido os fins humanitários da Associação Internacional, tão altruístas, que
ela desejava levar a cabo.
Ignorassem ou
não as potências colonizadoras europeias os verdadeiros intentos do rei dos
Belgas, que, aquando da constituição da sociedade comercial de ROTERDÃO, quis nela entrar (15), o que importava era levar avante a
criação de um Estado no interior da África, Estado neutro, espécie de
propriedade colectiva de todos os países, sem alfândegas. Quando estas mais
tarde vieram a ser estabelecidas, só a Holanda teve a ingenuidade de se
admirar…
No entanto,
conseguiu a Associação levantar contra Portugal e a seu favor, primeiramente, o
comércio inglês e, depois, o comércio alemão, alcunhando Portugal de
monopolistas, de proteccionistas, apegados aos direitos diferenciais e aos
privilégios de cabotagem, amadores de tarifas exorbitantes, de rigores fiscais.
E arvorava-se então em paladina da liberdade de comércio. Desta propaganda
contra Portugal surgiu, principalmente, a oposição de Manchester ao TRATADO
e o veto da Alemanha, tão humilhante para Inglaterra.
A história aqui contada sem
perturbação, SEM EMOÇÕES como o leitor pode ver, não se falava ainda da LUNDA ou IMPERIO do MUATIÂNVUA, neste
pequeno período, entre 1884 à 1891 ou seja (7) anos. Não há nenhuma presença de
potência Europeia no território, ou uma colonização declarada, ou influência
alguma…
2.2.3.- A FRANÇA
A França,
considerando lesados os seus interesses no Baixo Congo e no Golfo da Guiné,
seduzida pelo provável reconhecimento da sua soberania sobre as descobertas de
Brazza, prevendo, talvez, a cláusula ilusória de vir a ser herdeira presuntiva
da Associação, foi, juntamente com Alemanha, o principal inimigo de Portugal na
região do Congo. Em 18 de Março de 1884 entregava ela pela mão de De Laboulaye,
ministro da França em Lisboa, uma nota acompanhada de uma memória que
reclamavam contra o TRATADO (16).
2.2.4.- A ALEMANHA
A Alemanha, que
até então se conservara à margem dos problemas africanos, os quais, no dizer de
BISMARK, não valiam os ossos de um
granadeiro da Pomerânia (17), mudou
radicalmente de posição. Na preocupação de favorecer a politica expansionista (que ironia de Portugal) de JULES FERRY, como meio mais azado de lhe fazer esquecer a derrota
de SÉDAN e desejoso de desforra, no intento de ter em Africa territórios e PROTECTORADOS para se antepor aos
projectos de Inglaterra ou para se colocar ao lado dos seus rivais, na
perspectiva imediata de encontrar ali fontes de matérias-primas e mercados para
os seus produtos, o CHANCELER DE FERRO foi o mais hábil construtor do Estado
Independente do Congo.
Esta mistura de
pretensões e interesses deu à política colonial alemã um carácter de
contingência e de incongruência que bem podiam ter arruinado a sua colonização
em África.
Depois de uma
guerra contra a França, a Alemanha saía vitoriosa, unida e forte. Mas os
receios da França levavam-na a uma política de alianças, e a aliança com a
Inglaterra na Europa valia para o príncipe de Bismark mais do que a posse de
toda a África (18). Assim se
compreende a política colonial que ambas as Potências vieram a adoptar para com
Portugal e PORTUGAL para com os infelizes africanos.
O próprio
Governo Inglês, a braços com viva oposição interna ao Tratado, não se importou
nada em contrariar também os direitos de Portugal. Demais, nem sempre conseguia
esconder as suas ambições de ligar pela GARANGANJA
(Katanga) (19) a parte norte
com a parte sul do seu império africano. De facto, mais tarde tudo se dispôs em
LONDRES e em Bruxelas para o Estado Independente ceder aos Ingleses os seus
direitos de propriedade sobre esses territórios (20).
BIBLIOGRAFIA OU FONTES
(9)…BANNING, Émile –
Mémoires politiques et diplomatiques, comment fut fondé le Congo Belge, p. 7.
(10) …LAVRADIO, Marques do – Portugal em
Africa depois de 1851, p. 81. Dizia a moção:«No interesse do crescente comércio
da costa ocidental da África, a Câmara julga que o Governo não deve celebrar
tratado algum que sancione a anexação, por qualquer potência estrangeira, do
território adjacente ao Congo». (11)…LAVRADIO,
Marques do – Ibidem, p.81
(12)…
ALMADA, José de – Tratados aplicáveis ao Ultramar, vol. VI, p.29
(13)… OLIVEIRA, Fernando de - «Duas
vitórias – O Princípio da Liberdade e igualdade do comércio na bacia
convencional do Congo e as reservas portuguesas de 1885 e 1919, Garcia de Orta,
vol. 10, n.º 1, p.14. (14)…OLIVEIRA,
Fernando de – Ibidem, p.22. (17)…
OLIVEIRA, Fernando de – Ibidem, p.16.
(15)…
Jornal do Comércio, n.º 9.365, de 14 de Fevereiro de 1885.
(16)…
Livro Branco sobre a Questão do Zaire (II), doc. n.º 1, pp. 5-7.
(18)…
«A partilha de África», Jornal do Commercio, n.º 11.223, de 30 de Abril de
1891. (20)… « A partilha de África»,
Jornal do Commercio, n.º 11.223 de 30 de Abril de 1891.
(19)…
Do Catanga, o engenheiro-chefe da Forminiere, Baudine, hava de dizer mais tarde
que era um escândalo geológico».