PARTE I - A EVOLUÇÃO POLÍTICA DE AFRICA E A LUNDA 1884 – 1891
1.- O Estado Independente do
Congo
1.1.- A Conferência Geográfica
de 1876 e a Associação Internacional Africana
A partir
de 1875 a LUNDA começou a despertar as ambições e a curiosidade das potências
Europeias, interessada na exploração do interior de África, Portugal, Alemanha,
Bélgica e outros, assistiu-se a uma inesperada «corrida
para África», a procura de ocupações de
vastas terras para facilitar o comércio, justificado com a pretensão de
civilizar os indígenas do continente negro.
A Leopoldo II da Bélgica estava
reservado o papel de primeira plana na mobilização das inteligências e dos
capitais para o continente negro. Enfadava-se ele com os papéis passivos a que
o trono da Bélgica o sujeitara: ser
rei constitucional e ser neutral.
Sentia, por isso, ânsia de sair dessa apatia. Profundamente
impressionado com as narrativas das explorações feitas no continente Africano
por David Livingstone, Cameron e Stanley,
LEOPOLDO reuniu em 12 de Setembro de 1876, no seu
palácio em Bruxelas, uma conferência geográfica, a cuja sessão inaugural ele
próprio presidiu.
No
discurso de abertura, definiu ele os fins
humanitários e científicos que urgia levar acabo em
toda África, particularmente na região da África Austral e Central.
Este
era o único interesse dos Europeus em África?..
No dia 14, dois dias depois,
decidia a conferência Geográfica constituir «uma comissão internacional de
exploração e de civilização da África central e comissões nacionais que se
manteriam em contacto com a comissão, com o fim de centralizar, tanto quanto
possível, os esforços feitos pelos nacionais e facilitar, pelo seu concurso, a
execução das resoluções da comissão», e entregava ao rei dos
Belgas a presidência da Comissão
Internacional, que formava um Comité
Executivo destinado também a assistir o presidente.
Dele
fizeram parte, desde logo, o Sr Quatrefages por parte da França, o Sr Bartle
Frere pela Grã-Bretanha e o Sr Nachtigal pela Alemanha. Vários
foram os países onde se constituíram Comissões Nacionais. Em PORTUGAL criou-se na Sociedade de
Geografia de Lisboa uma comissão presidida pelo Visconde
de S. Januário. Contudo, foi o Comité Nacional Belge, criado
em 6 de Novembro desse ano, o que se mostrou mais activo. Assim
nascia a Associação Internacional
Africana com o fim de «ouvrir à la civilisation la seule partie de
notre globe où elle n’eût pas encore pénétré», explorando cientificamente a
áfrica, estabelecendo vias de comunicação e abolindo a ESCRAVATURA.
Ainda a
Associação não tinha assentado definitivamente no seu programa de acção, e já,
em 21 de Junho de 1877, a comissão internacional se ocupava da escolha de uma
bandeira. Acordou-se logo que não podia a obra adoptar pavilhão que pertencesse
a algum país ou outra associação. Sugeriu-se, para insígnia, o leão belga,
depois a esfinge, como alusão ao enigma da África, mas, finalmente, aceitou-se
o fundo azul com uma estrela de ouro.
1.2.-
O «Comité d’Etudes du Haut-Congo»
“Como compreender a questão da LUNDA se não voltarmos as origens das intenções Europeias em
África, e, agora, as ambições do neocolonialismo africano, justificados com a
nova era do desenvolvimento e saque sistemático das riquezas, a expropriação
das terras, as violações, torturas bem como a nova fórmula da escravatura em
pleno século XXI”.
Nesta
mesma reunião decidiu a comissão internacional organizar uma série de
expedições tendentes a penetrar no coração do continente por Zanzibar
e pelo Congo.
O Comité Nacional Belge tomou a seu cargo a fundação de posto no baixo Congo. De regresso à Europa da sua
viagem através da África equatorial, encontrava Henry Staley, em 1878, dois delegados do rei dos Belgas
em Marselha com a proposta de ele entrar ao Serviço da Associação
Internacional. Henry
Stanley, que
tinha em mente criar uma grande sociedade anónima de exploração na bacia do
Congo, não quis dizer a sua última palavra sem primeiro sondar a opinião
pública da Inglaterra e despediu os delegados de Leopoldo II com evasivas.
Mas nem na Inglaterra, nem
na América, nem na França, conseguiu congregar as vontades e os capitais para a
sua empresa. Voltou-se então, e agora decididamente, para a Bélgica. É
entusiasticamente recebido em Bruxelas. Em contacto directo com o rei dos
Belgas, ouviu dele o pedido para voltar a África, completar a exploração do
Congo com fins «CIENTÍFICOS,
FILANTRÓPICOS E COMERCIAIS» e fazer alianças com os
chefes indígenas.
Destas diligências e
intenções surgiu em 25 de Novembro de 1878, sob a presidência de STRAUCH (era também secretário da associação
internacional africana), com o
capital de um milhão de francos, o Comité d’Études du Haut-Congo, modesto título que
encobria a verdadeira identidade do que em 1882 se chamou a Associação
Internacional do Congo. Para
Henry Stanley, era seu intento declarado cooperar com a
Associação Internacional Africana na obra de civilização e exploração da
África. Logo em 23 de Janeiro de
1879, no maior segredo, deixava Henry
Stanley a Europa à cabeça de nova
expedição. No dia 10 de Maio estava ele em Zanzibar e aqui anunciou que em
breve iria dar início à sua exploração. Tal declaração tinha por fim apenas
insinuar as boas intenções de colaborar com a Associação Internacional.
Mas em 24 de Julho deste
mesmo ano chegava à Serra Leoa, sob
o nome de SWINBORNE, para recrutar
pessoal. É tomado ali por mais um traficante de escravos e obrigado então a
revelar a sua identidade. No dia 14 de Agosto, tocava a embocadura do ZAIRE, onde já o esperava uma flotilha
mandada pelo Comité d’Études, e, uma semana depois, o ilustre explorador subia
o rio. Por sugestão de Henry Stanley, o rei Leopoldo decidira
tomar por bases Banana e Boma, em vez de Bagamoio e Zanzibar. O Comité d’Études depressa
deixou transpirar o fim comercial e politico por que se constituíra, em
oposição ao fim científico e filantrópico da associação internacional africana.
Sob a bandeira simpática
desta, começou ele por estudar a ligação marginal do curso superior do rio
Zaire com o seu estuário marítimo, que tinham entre si a separá-lo 83
quilómetros de cataratas. Para isso e para assegurar uma comunicação contínua
às explorações a que ia procedendo, foi semeando ao longo do Congo postos ou
estações.
Dado que não era apenas o Comité d’Études a pretender atrair para
si os comércios sertanejos, atentas também as dificuldades de simples drenagem
marginal dos produtos, e devido, sobretudo, aos interesses alheios que se
estavam empenhando ao mesmo tempo nos tratos do zaire, Leopoldo II lançou-se
abertamente na aquisição de pretensos direitos soberanos sobre os territórios e
seus chefes indígenas, e no desejo de alcançar a zona marítima do rio.
Em cinco anos foram
celebrados mais de quinhentos (500) Tratados com os chefes indígenas, foram
estabelecidas quarenta (40) estações e cinco navios a vapor navegavam no Congo.
Estava terminada, pois, a missão ostensiva do Comité d’Études. Era agora a vez
de a Associação Internacional do Congo entrar em cena. A Associação Internacional
Africana não pôde receber dos comités nacionais o auxílio que esperava. Não
conseguiram estes interessar a opinião pública dos seus países e tiveram de
colocar-se aos poucos sob patrocínio dos respectivos Governos. Deste modo
começou a desenhar-se uma cisão táctica entre si e o Comité internacional. O
certo é que só o rei dos Belgas se achava inteiramente empenhado na existência
da Associação. Por isso, teve ele de garantir-lhe um milhão de francos anuais.
Até 1882,a Associação
Internacional Africana, que perdera o caracter de geral, que era a sua
essência, não se reunira uma só vez. Neste ano, porém, na sua primeira reunião,
fundiu o Comité d’Études du Haut-Congo com a Associação Internacional do Congo.
1.3.- O Estado
Independente do Congo
A penetração que a Associação
Internacional do Congo estava realizando em Africa suscitava dois problemas:
um, relativo à aquisição de territórios segundo o direito Internacional da
época; outro, concernente à cessão feita pelos chefes indígenas. Tratando-se de
territórios frequentemente habitados por povos, não podia proceder-se a uma
ocupação pura e simples. Era necessário que a tomada de posse se fizesse com
expresso consentimento da AUTORIDADE NATIVA,
consentimento esse que devia ser dado sem pressões, com inteira liberdade,
consciência e segundo os usos do país.
Henry Stanley e seus agentes
tivessem concluído tantas convenções com os chefes Tribais ou com simples
Régulos ou sobas menores. Quando Morgan, em 26 de Março de
1884, apresentou ao Senado dos Estados Unidos de América (EUA), um relatório
sobre a questão das relações que deviam estabelecer-se entre a República e os «os
habitantes
da bacia do Congo em África», foram feitas consultas a TRAVERS TWISS e a ÉGIDE ARNTZ sobre se tais cessões investiriam a Associação
Internacional do Congo na soberania de Estado. A resposta de ambos foi
afirmativa.
Já treze dias antes, FRELINGHUYSEN, secretário do
Departamento de Estado, declarava que nenhum princípio de direito internacional
era contrário a que uma associação filantrópica criasse um Estado. Conferiram à Associação Internacional do Congo
pode obter o reconhecimento de outras nações, precisamente porque esta
associação prova a sua existência como um governo de direito… Se subsiste
alguma dúvida sobre a soberania, ou o território, ou os sujeitos, a
interpretação entre as tribos indígenas que concluem tratados com a Associação
oferece uma garantia bastante aos outros povos para que reconheçam a Associação
como um Governo de facto.
MORGAN, relator do parecer do
Comité dos Negócios Estrangeiros do Senado norte-americano, concluía, portanto,
pelo reconhecimento da Associação. E, em 22 de Abril de 1884, uma declaração
assinada por Frelinghuysen, autorizado pelo presidente e pelo Senado, aprovava
«o
fim humanitário e generoso da associação internacional do Congo, gerindo os
interesses dos Estados Livres estabelecidos (sic) naquela região», e
dava ordem aos funcionários dos Estados Unidos, no mar e em terra, de
reconhecerem a bandeira da Associação como de um Governo amigo.
Em 23 de Abril deste mesmo ano, a
Associação prometia à França o direito de preferência, se, por circunstâncias
imprevistas, tivesse de alienar as suas possessões. No dia seguinte o Governo
Francês aceitava esse compromisso e obrigava-se, por seu lado, a respeitar as
estações e territórios livres da Associação e a não levantar obstáculos ao
exercício dos seus direitos.
Não parou a Associação de angariar
de outras potências o reconhecimento do seu pavilhão como de um Estado amigo.
Assim, celebrou convenções com;
ü Alemanha
no dia 8 de Novembro de 1884
ü Grã-Bretanha
no dia 16 de Dezembro de 1884
ü Itália no
dia 19 de Dezembro de 1884
ü Áustria-Hungria
no dia 24 de Dezembro de 1884
ü Países
Baixos no dia 27 de Dezembro de 1884
ü Espanha no
dia 7 de Janeiro de 1885
ü França e
Rússia no dia 5 de Fevereiro de 1885
ü Suécia e
Noruega no dia 10 de Fevereiro de 1885
ü Portugal no dia 14
de Fevereiro de 1885
ü Dinamarca
no dia 23 de Fevereiro de 1885.
Em 23 de Fevereiro de 1885 eram
trocadas declarações entre o Governo da Bélgica e a Associação. Até este dia
todas as potências representadas na Conferência de Berlim, com excepção da TURQUIA, tinham reconhecido a
Associação Internacional do Congo (6).
Do final da Conferência de Berlim
resultara o reconhecimento por todas as Potências participantes de que a
Associação formava um Estado soberano e independente, cujo chefe era o rei LEOPOLDO II. Em 1 de Julho de 1885 a
fundação era proclamada em BANANA, e, no dia primeiro do mês imediato, isto é,
Agosto, o rei dos Belgas, autorizado pelas câmaras, era investido na chefia do
novo Estado e declarava-se neutral.
Assim surgia a «mais
contraditória das criações da história contemporânea» (7), o Estado Livre do Congo, por obra e graça
da fantasia diplomática da Conferência de Berlim. «O Estado Independente do Congo –
dizia H.L. Samuel na Câmara dos Comuns em Lisboa em 20 de Maio de 1903 – nasceu
do consentimento das grandes potências, e foi atribuído não a um país, mas a
uma personalidade, ao rei dos Belgas» (8). O Estado era LEOPOLDO
II; as suas receitas eram os milhões desse rei Liberal, que no início, ao
menos aparentemente e com gáudio de toda a Europa, mormente das fábricas de
Manchester, queria organizar um Estado sem cobrar impostos. Em 1889 LEOPOLDO
II
fazia testamento em que legava o Congo à Bélgica; em 20 de Agosto de 1908, não
sem muitas e acaloradas discussões, a Câmara votava a sua aceitação, e a
anexação fazia-se solenemente. Dir-se-ia que a Bélgica aceitou o Congo com
tanta má vontade quanta foi a sua boa vontade de o entregar, passado pouco mais
de meio século. «Água o deu, água o levou» - diz um
rifão do povo.
Assim nasceu o Estado Independente
do Congo. Criado para servir em proveito das várias potências EUROPEIAS
na
grande bacia do Zaire, em breve se foi moldando a servir, quase em exclusivo,
os seus próprios interesses.
Fontes:
…(6),(7) e (8) – Mas as fronteiras
definitivas do Estado Independente do Congo só foram determinados mais tarde: a
sul, de acordo com Portugal, em 1891 no conflito entre a Bélgica sobre a
Questão da Lunda 1885-1894; a sudeste, com a Inglaterra, em 1894; a norte, com
a França em 1894; a nordeste, com a Inglaterra em 1906; a este, com Alemanha,
em 1910.
…() In Jornal do Commercio, n.º 11.223, de
30 de Abril de 1891:« A partilha de África», in nouvelle Revue.
…() In.NYS, Ernest –Ibidem, p. 21 este autor
insurgiu-se contra o facto de se pretender (segundo ele) que o Estado
independente do Congo é fruto da diplomacia da Conferencia de Berlim, e defendeu que ele é anterior, como Estado, a
esta conferencia.