quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O MINISTRO DA JUSTIÇA DE ANGOLA E OS PATRIOTAS POSTIÇO

O MINISTRO DA JUSTIÇA DE ANGOLA E OS PATRIOTAS POSTIÇO
Moiani Matondo, 15 de Dezembro de 2015



O ministro Rui Mangueira, um dos arautos governamentais da dupla fala.


Por estes dias, não há ministro ou dirigente angolano que não se queixe da ingerência estrangeira em Angola, ou da discussão dos assuntos angolanos no estrangeiro, quando neste país certamente tudo vai no melhor dos mundos.


Não se percebe bem quem é que estes dignitários pensam que está a ingerir em Angola. O governo português não é de certeza. É difícil encontrar mais prestimoso e deferente aliado do regime angolano.


Talvez os americanos sejam os interferentes, mas estes há muito que parecem fazer vénias ao regime, na busca de uma parceria estratégica político-militar na África subsaariana. Prova disso é o recente encontro, em Washington, entre o secretário de Estado John Kerry e o ministro das Relações Exteriores Georges Chikoti. Os EUA privilegiam o diálogo com o governo angolano. Todavia, andam tão ocupados entre o Médio Oriente e a Europa, com a China à perna, que não é crível imaginar os americanos a traçar planos maquiavélicos para Angola.


São os mesmos americanos que, numa série televisiva de sucesso (Scandal), inventaram um país em África chamado Angola Ocidental… Isto mostra bem como andam desatentos…


Na realidade, esta é uma das linhas de defesa do regime face ao clamor condenatório que se levantou espontaneamente contra os abusos políticos e judiciais em curso. Angola defende que esses assuntos só devem ser tratados em Angola, por angolanos. Os não angolanos que falem ou escrevam sobre o assunto são apodados de analfabetos e ignorantes; os angolanos que critiquem os abusos no estrangeiro são apelidados de traidores à pátria.


Ainda recentemente sua excelência o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos Rui Mangueira lamentou que os angolanos recorressem às instituições internacionais para dar conta dos problemas do país sem esgotar todos os mecanismos internos.


E, no entanto, quem é que vai falar no dia 16 de Dezembro, na Chatham House, em Londres, sobre as prioridades e o processo de reforma da justiça angolana? O próprio ministro Rui Mangueira. Em Angola, para além dos "pensólogos" do regime, ninguém sabe que reforma judicial é essa, nem se assiste a qualquer discussão alargada acerca do tema. Contudo, em Londres vai-se ter em primeira mão acesso às ideias abrilhantadas de sua excelência.


Ora, Londres é em Inglaterra, não é em Angola, e na plateia da Chatham House estarão distintas senhoras e cavalheiros do mundo dos negócios e uma mão cheia de curiosos. A Chatham House tem um programa dedicado ao país, o Angola Forum, que é na realidade um mecanismo para que homens de negócios britânicos e multinacionais que a financiam interajam com membros do regime angolano, que são ao mesmo tempo os grandes empresários nacionais. Essa instituição tornou-se também no fórum privilegiado, não-estatal, para a promoção da diplomacia e da imagem do regime angolano no Ocidente.


Portanto, quem é que em primeira mão leva os assuntos para o estrangeiro? Nisto, como em muita coisa, o regime recorre a uma dupla fala.


Por sua vez, o embaixador itinerante António Luvualu de Carvalho foi à cidade do Porto, em Portugal, a 30 de Novembro, entregar um dossier de mais de mil páginas ao Observatório Português dos Direitos Humanos. Em Angola, o governo que Luvualu de Carvalho representa não falou com a sociedade civil nem lhe dirigiu qualquer palavra sobre o assunto. Ou será que em Angola não há uma sociedade civil ligada aos direitos humanos com quem o regime possa conversar?


O embaixador foi até ao Porto falar do Censo Populacional realizado em Maio de 2014 e cujos resultados até hoje não foram divulgados em Angola; houve somente um resumo feito pelo presidente José Eduardo dos Santos num dos seus discursos. Luvualu de Carvalho, em nome do seu governo, quis assim que “as organizações da sociedade civil [portuguesa] tivessem contacto directo com todos os documentos que permitem ter acesso a dados muito importantes sobre Angola”. Então, apenas a sociedade civil portuguesa deve ser informada sobre Angola pelo regime, para fazer manifestações a seu favor, no Rossio, em Lisboa.


Também nos últimos tempos outro embaixador, desta feita um antigo ministro dos negócios estrangeiros português ao serviço do regime angolano, António Martins da Cruz, afirmava do alto da sua pomposidade que o lugar para se discutir as questões dos direitos humanos em Angola seria as Nações Unidas e não o Rossio ou outro sítio qualquer. Parece, pois que as Nações Unidas mudaram a sua sede para a cidade invicta do Porto, por iniciativa de Luvualu. Eis, de novo, a dupla fala, a incoerência dos governantes e dos seus serventuários internacionais.


Acresce que a maior parte das reformas jurídicas ocorridas em Angola tem sido feita por empreitada externa encomendada a distintos juristas das universidades portuguesas. No entanto, a investigação jurídica portuguesa raramente passa da cidade espanhola de Badajoz. Contam-se pelos dedos das mãos os juristas portugueses com impacto internacional, além da Serra da Estrela. Existem alguns, mas não são aqueles que se afadigam a trazer soluções retorcidas para o direito angolano. De dois casos de juristas portugueses colaboradores em Angola, que bem conhecemos, um é famoso por fazer compilações de legislação publicada e outro por abusar do copy paste («corta e cola»)… E aqui pergunta-se: onde está a qualidade e capacidade dos juristas angolanos? Terão sempre um estatuto de menoridade; serão apenas vaidosos no uso dos seus diplomas? Uma coisa seria criar grupos de trabalho com portugueses, outra coisa é encomendar leis… 


E ainda por cima, aparentemente, pagar milionariamente por esses trabalhos, que estão a transformar o direito angolano numa confusa manta de retalhos. É essa a reforma patriótica, Rui Mangueira?


Ficamos todos a aguardar com interesse aquilo que o ministro Rui Mangueira tem a dizer aos ingleses sobre a justiça angolana. Pedimos desde já a sua alta permissão para também nós nos dirigirmos aos ingleses, em Inglaterra, de forma a explicarmos o nosso plano de reforma do presidente, há 36 anos no poder, do truculento procurador-geral da República, o general João Maria de Sousa, dos juízes que só sabem receber ordens superiores, assim como de outros factores impeditivos da realização da justiça e da democracia no nosso país.