sábado, 7 de setembro de 2013

PARTE III - A EVOLUÇÃO POLÍTICA DE AFRICA E A LUNDA 1884 – 1891

PARTE III - A EVOLUÇÃO POLÍTICA DE AFRICA E A LUNDA 1884 – 1891






3.- A CONFERÊNCIA DE BERLIM OU AFRICANA
3.1.- OS PRETEXTO DE GRANVILLE PARA NÃO RATIFICAR O TRATADO DO CONGO (ZAIRE)



Era esta a conjuntura internacional quando se reuniu a Conferência de Berlim, também conhecida de conferência Africana. Desde logo a questão sobre a LUNDA não foi tratada na conferência de Berlim, porque nem em Portugal, nem no resto da Europa havia conhecimento da existência de ocupações coloniais nas terras do Muatiânvua, que se manteve livre e independente.



No dia 9 de Maio de 1884, GRANVILLE comunicava ao ministro português em Londres que o embaixador alemão lhe confidenciara que as câmaras de comércio alemãs estavam a fazer representações contra o Tratado e que BISMARK anunciara que ia «fazer da questão do Congo (Zaire) o objecto de um acordo internacional» (21). Por isso, dizia o primeiro-ministro britânico que não poderia o TRATADO ser discutido nas Câmaras sem se arredarem antes as dificuldades que a França, a Alemanha e o rei Leopoldo estava levantando (22). Sugeriu, então, em 12 de Maio, o Governo de Portugal ao de Inglaterra que se convocasse uma conferência para resolver, por comum ACORDO DOS INTERESSADOS, a questão do Congo (Zaire) e os problemas decorrentes do tratado (23).




No dia seguinte o Ministro dos negócios estrangeiros português fazia expedir uma CIRCULAR para todas as legações a fim de elas proporem uma conferência internacional sobre assuntos AFRICANOS. Mas a este alvitre não chegou nunca a Inglaterra a responder.



Em abril já o príncipe BISMARK se entendera com FERRY a manifestar-lhe a sua oposição à efectivação das cláusulas do Tratado do Congo (Zaire).  Em 18 de Junho o Marquês de Penafiel, ministro de Portugal em Berlim, informava, por telegrama, o ministro dos negócios estrangeiros JOSÉ VICENTE BARBOSA DU BOCAGE (que foi plenipotenciário português no contencioso da questão da Lunda 1885-1894 com a Bélgica, assunto que será tratado depois de concluirmos esta matéria da evolução politica de Africa e a Lunda), de que o Governo Alemão lhe manifestara o seu desacordo às disposições do tratado e a opinião de se reunir uma conferência para se regular a questão do CONGO (24).




No dia 20, dois dias depois, o ministro português em Londres comunicava por via telegráfico que GRANVILLE lhe dera conhecimento da posição de Bismark perante o Tratado e que encarregaria o ministro da Inglaterra em Lisboa de dar a conhecer ao Governo Português o ponto de vista do CHANCELER (25).



Efectivamente, PETRE, ministro da Inglaterra em Lisboa, em 24 de Junho, pessoalmente, e quatro dias depois, por escrito, levava ao conhecimento de J.V. Barbosa du Bocage que, perante as objecções levantadas pelas Potências, seria inútil a ractificação do TRATADO de 26 de Fevereiro.



3.2.- OS DIÁLOGOS DE VARZIM



O programa da Conferência foi combinado entre a Alemanha e a França. BISMARK, em 11 de Agosto de 1884, propôs a FERRY a adopção de princípios comuns para a resolução dos problemas do Congo e para a fixação do regime político dos territórios das duas costas da África ainda não ocupados pelas Potências europeias. A França respondeu às aberturas da Alemanha, e as entrevistas vieram a ter lugar entre Bismark e o barão de COURCEL, embaixador francês em Berlim, em 26 e 27 do mesmo mês de Agosto, em Varzim, nos arredores da capital germânica. Desses encontros resultou uma unidade de entendimento quanto aos seguintes pontos:


«1.º Liberdade de comércio na bacia e nas embocaduras do Congo (Zaire);
2.º Aplicação ao Congo (Zaire) e ao Níger dos princípios adoptados pelo congresso de Viena, tendentes a consagrar a liberdade da navegação sobre vários cursos de águas internacionais (…);
3.º Definição das formalidades a observar para que as ocupações novas nas costas de África fossem consideradas como efectivas.» (26)



O terceiro ponto tinha por objecto contrariar as ocupações que a Inglaterra pretendia no golfo da Guiné, em prejuízo da França, e no Sudoeste Africano, contra os interesses da Alemanha, e ao mesmo tempo obstar aos interesses da expansão territorial da Associação e aos interesses de Portugal (que ele considerava históricos, desde quando?) (27).



Em VARZIM, Bismark apresentou a ideia da convocação de uma conferência internacional para a consagração dos pontos acordados. A França concordou. O Chanceler propôs, por deferência, que a conferência se reunisse em Paris. A França insistiu por BERLIM, mas foi a Alemanha, para não comprometer a França, que dirigiu os convites.



3.3.- A ABERTURA DA CONFERÊNCIA



A Inglaterra só aceitou participar na conferência em fins de Outubro, depois de ter sido esclarecida sobre o seu programa. Portugal recebeu, em 12 de Outubro, de SCHMIDTHAIS, ministro da Alemanha em Lisboa, o convite alemão, que foi aceite três dias depois, sem reservas. No dia 15 de Novembro de 1884, na capital alemã, iniciou a almejada CONFERÊNCIA INTERNACIONAL AFRICANA, os seus trabalhos sob a presidência de Bismark, que fez um discurso breve. Depois de agradecer às Potências terem acedido ao convite alemão, expôs a traços largos o programa da conferência.



3.3.1.- PAISES PRESENTES NA CONFERÊNCIA DE BERLIM



Estavam presentes os plenipotenciários da Alemanha, Áustria-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos da América, França, Grã-Bretanha, Itália, Países Baixos, Portugal, Rússia, Reino da Suécia e Noruega e Turquia.




Se e que a Conferência de Berlim foi convocada para consagrar todos os princípios defendidos nos diálogos de Varzim, a verdade é que ela foi quase inteiramente absorvida pela preocupação de tornar a Associação num Estado Independente em Africa, e não foi encerrada sem todas as Potências representadas, menos a TURQUIA, reconhecerem o pavilhão da obra do rei dos Belgas como o de um Governo Amigo.



A Conferência demorou até 26 de Fevereiro de 1885 e teve uma dezena de sessões plenárias.



Esta demora deveu-se apenas às longas negociações em que os agentes da Associação andaram empenhadas para obter das várias Potências o reconhecimento da sua bandeira. Foi nos bastidores que a diplomacia inigualável de LEOPOLDO conseguiu a criação do Estado do Congo. Ele mesmo levou BISMARK a presidir à conferência, embora o não tivesse demovido da convicção de que «SEM ESQUADRA E SEM CAPITAIS FICARIA DEPENDENTE O ULTRAMAR DA BOA VONTADE E DAS CONTINGÊNCIA DA POLITICA DA POTÊNCIA QUE DOMINASSE OS MARES; E ISSO NÃO LHE AGRADAVA» (28).




Talvez por isso e porque a autoridade do Chanceler nunca deixou de fazer-se sentir na Conferência, é que LORD GREY of Fallodon teria dito ao embaixador alemão que, «se Bismark tivesse querido, teriam passado para a Alemanha os territórios que foram atribuídos à Bélgica (G.P., vol. XXIX p.202)» (29).



A França prometera Leopoldo II a preferência sobre os territórios que revertessem em seu favor a 300 Km da costa; aos Estados Unidos de América a liberdade económica. 



3.4.- A REPRESENTAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL AFRICANA E A REPRESENTAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA



A Associação Internacional Africana não esteve representada oficialmente na conferência. Não podia estar evidentemente. Mas teve, porém, «agentes oficiosos e dedicadíssimos», para empregarmos os termos com que o Representante de Portugal Marques de Penafiel se havia referido (30), a SANFORD, segundo plenipotenciário do Governo dos ESTADOS UNIDOS DA AMERICA na conferência (31).




Os EUA haviam enviado à conferência três representantes: KASSON, SANFORD e, depois do regresso da sua terceira viagem à Africa, o sr HENRY STANLEY. Sanford tinha sido ministro em Bruxelas. Lá ficou a residir e soube obter as boas graças da família REAL BELGA. Era um homem dos seus 50 anos, «alto, robusto, de aspecto sadio, de fisionomia prazenteira e agradável, (…), não excessivamente instruído» (32). Desde logo se revelou muito activo no reconhecimento da Associação Internacional pelo seu país (EUA), e, em numerosos debates, interveio constantemente, embora sem estar para eles suficientemente preparado. Parecia mais ao serviço do rei Leopoldo II do que ao do seu país. De resto, o convite alemão feito aos Estados Unidos de América, a única das potências americanas convidadas para fazer representar na conferência, devia ter obedecido à circunstância do Henry Stanley, «o chefe visível da Associação Internacional», ter essa nacionalidade, «e por se saber que o Governo daquele país lhe era favorável» (33).





Porquanto, «um jornal americano, World, que pertencia ao Partido do novo presidente, censurando o governo anterior por ter mandado plenipotenciários à conferência de BERLIM, dizia que o interesse dos Estados Unidos nas questões do CONGO era completamente nulo, porque, na então última estatística oficial, o comércio de seu país com aquelas regiões figurava apenas com 26 dólares…» (35).




3.5.- A REPRESENTAÇÃO DA BÉLGICA




A Bélgica enviou à conferência dois plenipotenciários: o CONDE DE VAN DER STRATEN-PONTHOZ e o BARÃO LAMBERMONT. O primeiro, era um antigo diplomata, muito correcto e muito homem de bem. Tinha-se por verdadeiro representante da Bélgica e disso fazia ostentação. Ao falar na sessão de 18 de Dezembro de 1884 e a propósito da restrição das bebidas alcoólicas para certas populações muçulmanas do NIGER, ele, que tinha estado na América em contacto com populações índias e lhes tinha apreciado os estragos produzidos pelo álcool, teve oportunidade de proferir um discurso patético e humanitário, sem tocar nos interesses da Associação (37).





O barão Lambermont, muito ao contrario, era mais representante do rei dos belgas do que da Bélgica, e foi a BERLIM para acautelar os interesses da Associação Internacional, sem, contudo, os defender abertamente. «(…) Inteligente, ilustrado, prático de negócios, trabalhador sobretudo, (…), de 66 a 67 anos, (…), pequenito, já um pouco engelhado, com uns olhos espertos, debaixo de uma correcta e elegante cabeleira, o barão era um homem muito polito, muito afável, tinha uma conversa animada, e até às vezes ligeiramente picante. Porém, era mais um distinto burocrata do que um grande diplomata» (38).




Secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Bruxelas, em que ele era tudo, redigia com precisão e elegância notas e tratados.




Na conferência, teve a incumbência de dar a redacção a todos os relatórios, a todos os actos. Sem poder ser apodado de imparcial, parecia, contudo, mais dedicado ao seu soberano do que propriamente aos negócios da Associação, em que, parece, não tinha interesses seus comprometidos.




Por delegados, teve a Bélgica BANNING, diretor-geral do mesmo ministério. «Inteligente, instruído, pouco simpático, baixo, meio cambado e coxo, ele era a alma danada do barão Lambermont, e tomou, segundo parece, uma grande parte nos trabalhos deste. Quando o barão falava, na comissão, o seu delegado zumbia-lhe ao ouvido, e uma ou outra vez na fisionomia do plenipotenciário se desenhou um certo ar de impaciência» (39).




Deste modo, a Associação Internacional estava bem presente na conferência de BERLIM 1884-1885.



3.6.- A DELEGAÇÃO DE PORTUGAL



A delegação de Portugal era constituída pelo Marques de Penafiel, ministro português em Berlim, por António Serpa Pimentel, par do reino e antigo ministro, e por Luciano Cordeiro, secretario perpetuo da Sociedade de Geografia de Lisboa, Carlos Roma du Bocage, adido militar em Berlim, e os condes de Penafiel e S. Mamede, adidos também portugueses na capital germânica, prestaram a delegação de seu país notável ajuda.





Abandonado pela Inglaterra, que lhe recusara a ratificação do TRATADO DO CONGO (Zaire), abeirado da França, que tinha, como ele, interesses a defender no Médio e Baixo Congo, Portugal enviava a Berlim os seus representantes portadores de inauferíveis direitos – como lhe chamava Sá da Bandeira -, mas olhados pela Alemanha e pelos agentes da Associação Internacional com compreensível desconfiança.




«NOTA IMPORTANTE, em nenhum momento, PORTUGAL ou a BÉLGICA foram para esta conferência, para tratar da questão da LUNDA ou dos territórios sob domínio do imperador Muatiânvua, nem mesmo as outras potências presentes, as convenções celebradas a margem do evento, atestam isto mesmo. Se nós estamos a mentir, que Portugal proteste, Bélgica faça o mesmo, que a França, Alemanha, a Inglaterra e os ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA país que esteve presente nos trabalhos da conferência proteste. Se o texto que temos estado a produzir é falso, que Portugal, Angola, Bélgica, França, Alemanha, Inglaterra protestem».



3.7.- O ACTO GERAL DA CONFERÊNCIA DE BERLIM




A primeira questão discutida e resolvida na conferência foi a definição e a aplicação do princípio de liberdade de comércio. Na definição do princípio, questão de doutrina que era, varias foram as fórmulas esboçadas ou previstas. Mas quaisquer que fossem a compreensão e a extensão deste conceito, o primeiro aspecto a tratar era naturalmente a zona de aplicação do regime não só para servir, ainda que indirectamente, à sua definição, mas também para levar ao assentimento e respeito das potências territoriais que porventura aí exercessem as suas soberanias.



Foi então que se definiu, embora muito imprecisamente e com alguma oposição da delegação portuguesa, a chamada Bacia Convencional do Congo (Zaire): a norte, a linha divisória entre a bacia do rio Zaire e as bacias do Niári, Ogoué, Chári e Nilo; a leste, o lago Tanganica e seus afluentes orientais; a sul, as cristas das bacias do Zambeze (Liambegi tchokwe) e do Loge; a ocidente, o oceano desde o paralelo de 2º30’ de latitude sul até à embocadura do Loge.



Serpa Pimentel, servindo-se da dificuldade que ao tempo havia de definir com rigor a bacia do Congo, chegou a propor a liberdade de comércio para a bacia deste rio compreendida entre o mar e STANLEY-POOL apenas. Mas «depois aceitou igualmente a definição atrás indicada da bacia geográfica» … (40).
Convencionou-se nas seguintes bases gerais:




«I O livre acesso de todas as bandeiras (Europeias, menos as africanas, claro), sem distinção de nacionalidade, incluindo o exercício de cabotagem e da batelagem marítima e fluvial, em igualdade de condições com a bandeira nacional respectivas;


II A taxação igual, e restritiva à justa compensação das despesas úteis ao comércio, das mercadorias importadas de qualquer procedência ou sob qualquer bandeira, com interdição absoluta de tratamento diferencial;



III A isenção de direitos de entrada e de transito, por um período de vinte anos, pelo menos;


IV A interdição de qualquer monopólio ou privilégio em matéria de comércio;



V A igualdade de tratamento para os nacionais e estrangeiros no que importa a propriedade das pessoas e bens, à aquisição e transmissão de propriedade e ao exercício das respectivas profissões» (41).



Embora na redacção destas matérias, que constituíram a primeira parte do Acto Geral da Conferência, a Comissão não contasse abertamente com a Associação Internacional, era a ela que, neste particular, fazia os seus mais confiantes apelos. No consenso tático das potências participantes na conferência, a Associação estava bem nos seus pensamentos. Diz Banning que o barão de COURCEL lhe chamava «LA DAME DE NOS PENSÉES» (42).




Do acto geral constava também, além da «Déclaration relative à la liberte du commerce dans le bassin du Congo, ses embouchures et pays circonvoisins (…)»:



«2.º Une Déclaration concernant la traite des esclaves et les opérations qui sur terre ou sur mer fournissent des esclaves à la traite;


3.º Une Déclaration relative à la neutralité des territoires compris dans le bassin conventionnel du Congo;


4.º Une Acte de navigation du Congo, qui, en tenant compte des circonstances locales, étend à ce fleuve, à ses affluents et aux eaux qui leur ont assimilées, les príncipes généraux énoncés dans les articles 108 à 116 de l’Acte final du Conggrés de Vienne et destinée à régler, entre les Puissances signataires de cet Act, la libre navigation des cours d’eau navigables qui séparent ou traversent plusieurs États, príncipes conventionnellement appliqués depuis à des fleuves de l’Europe et de l’Amérique, et notamment ao Danube, avec les modifications, prévues para les traités de Paris de 1856, de Berlim de 1878, et de Londres de 1871 et de 1883;


5.º Un Acte de navigation du Niger, qui, en tenant également compte des circonstances locales, étend à ce fleuve et à ses affluents les mêmes príncipes inscrits dans les articles 108 à 116 de l’Acte final du Congrés de Vienne;


6.º Une Déclaration introduisant dans les rapports internationaux des régles uniformes relatives aux occupations qui pourront avoir lieu à l’avenir sur les côtes du Continent Africain» (44).



Embora seja verdade que foram várias as Potencias Europeias a ser ouvidas em Berlim, o certo é também que o conteúdo da Conferência e as suas conclusões tinham saído perfeitamente definidas dos diálogos de Varzim.



Os plenipotenciários tiveram apenas ocasião para arrumar questões de pormenor, sem fugirem aos traços que o discurso inaugural de BISMARK delineou.





Havia apenas que angariar o apoio público e solene do concerto europeu para a obra que a Associação Internacional estava prometendo. Por isso se compreende que, não estando esta oficialmente ali representada, o rol maior dos problemas se tivesse tratado e debatido nos bastidores.