segunda-feira, 8 de abril de 2013

PARTE II - A EVOLUÇÃO POLÍTICA DE AFRICA E A LUNDA 1884 – 1891


PARTE II - A EVOLUÇÃO POLÍTICA DE AFRICA E A LUNDA 1884 – 1891



2.- O TRATADO DO ZAIRE
2.1.- SEU CONTEÚDO



Em 26 de Fevereiro de 1884 era assinado em Londres, depois de morosas negociações, o chamado Tratado do Zaire. Por ele reconhecia a Inglaterra a soberania Portuguesa «(…) sobre a parte da Costa Ocidental da África situada entre o 8º e 5º 12’ de latitude S., e no interior (…)», a fronteira iria até aos limites das possessões das tribos costeiras e marginais. No rio Zaire, o limite seria o meridiano de Noqui. Na posse de Portugal ficariam também CABINDA e MOLEMBO (artigo 1.º).



Neste tratado, que nunca chegou a ser ractificado nem a entrar em vigor, Portugal fazia á Inglaterra, em contrapartida, importantes concessões: os navios Britânicos, nesses territórios, não seriam «(…) de futuro obrigados ao pagamento de mais elevados ou diversos direitos e impostos, nem (…) sujeitos a quaisquer outras restrições, além do que fosse exigido aos navios portugueses; e as mercadorias, quer fossem propriedade de súbditos britânicos, ou de origem ou manufactura britânica, nunca seriam de futuro sujeitas a tratamento algum diferencial, e seriam colocadas no mesmo pé, a todos os respeitos, que as mercadorias pertencentes a súbditos portugueses, ou importadas em navios portugueses, ou de produção ou manufactura de portuguesa» (artigo 9.º); os súbditos britânicos e o seu comércio, «(…) em todas as possessões africanas de Portugal, além de quaisquer outros direitos que eles pudessem já ter nas colónias portugueses, receberiam o tratamento da terceira nação mais favorecida (…)» no tocante a residência, ao exercício de qualquer oficio ou profissão, ao pagamento de contribuições ou outros impostos, ao gozo de todos os direitos legais e privilégios, no respeitante ao comércio e à navegação (artigo 10.º).




As partes contratuais reconheciam a inteira liberdade do «(…) comércio e navegação dos rios Congo e Zambeze e seus afluentes para os súbditos e bandeiras de todas as nações» (artigo 3.º).




O comércio e navegação de todos os rios e vias fluviais compreendidos nos territórios que a Inglaterra reconhecia a Portugal no artigo 1.º eram de igual maneira abertos a todas as nações Europeias em Africa sem qualquer monopólio, concessão exclusiva ou qualquer outro estorvo, sem mais impostos do que os expressamente designados no TRATADO, ou de futuro estabelecidos por comum acordamos entre as duas partes (artigo 4.º).



2.2.- A REACÇÃO EUROPEIA



Não obstante isto, o Tratado do Zaire foi mal recebido em algumas capitais europeias, no Quai d’Orsay e na Chancelaria alemã sobretudo. Mesmo em Inglaterra, as câmaras de comércio e as sociedades missionárias e filantrópicas, que já antes se opunham a quaisquer negociações donde pudesse resultar uma maior soberania portuguesa em Africa, mostrara-se de tal modo contrárias ao Tratado que nunca foi possível ractificá-lo (9).




2.2.1.- AS CÂMARAS DE COMÉRCIO E AS SOCIEDADES FILANTRÓPICAS E MISSIONÁRIAS INGLESAS



No dia 8 de Março JACOB BIGHT, representante de Manchester, apresentava na Câmara dos Comuns uma moção contra o Tratado (10). Também o Instituto de Direito Internacional, reunido em Munique, votava a favor da neutralidade do Congo (11). Todavia, foram as circunstâncias de favor especial concedido à Inglaterra que serviram de motivo confessado ao incidente diplomático que levou à Conferencia de Berlim de 1884-1885.



As nações da europa, que bem souberam aproveitar-se, em proveito do seu comércio com a África usurpada, dos longos quarenta anos de oposição e guerra que os Ingleses moveram a Portugal até o Tratado, não concordaram em que fosse a Inglaterra o único árbitro dos seus interesses africanos. Isto mesmo fora pressentido durante as negociações. Em 15 de Março de 1883, o Governo Inglês era de opinião que deveriam associar-se ao tratado em estudo outras potências colonizadoras interessadas em Africa. Granville, sempre receoso, tinha informações de Paris que o preocupavam sobre a atitude dos países perante o tratado em Projecto (12).



2.2.2.- A ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL AFRICANA



As nações europeias achavam-se antes empenhadas em reconhecer e transformar a empresa do rei dos BELGAS num Estado neutro, fruto das suas vontades e amoldado aos seus interesses de comércio de «porta aberta». A iminência de uma única jurisdição soberana na costa e embocadura do Zaire, que nas ideias dominantes da época eram base necessária para a exploração da África Central, apresentava-se carregada de receio com o domínio independente e expansivo ali de Portugal e da França.



Sem uma saída para o mar, todo o interior do Congo «não valia um penny» - dizia Henry Stanley (13). E LEOPOLDO II havia de escrever mais tarde a BISMARK da Alemanha que renunciaria à empresa africana se a Associação fosse cortada do mar (14).



Das partes costeiras que poderiam servir à Associação, uma tinha sido ocupado pela FRANÇA, que tomara LUANGO e PONTA NEGRA, isto é, desde o Gabão até ao paralelo 5.º 12’, e a outra, preparava-se Portugal para a ocupar desde este paralelo até ao AMBRIZ, ao abrigo do Tratado do Zaire com a Inglaterra. Sem uma parte da costa e a cumprirem-se as palavras de Leopoldo II a Bismark, lá cairiam no olvido os fins humanitários da Associação Internacional, tão altruístas, que ela desejava levar a cabo.



Ignorassem ou não as potências colonizadoras europeias os verdadeiros intentos do rei dos Belgas, que, aquando da constituição da sociedade comercial de ROTERDÃO, quis nela entrar (15), o que importava era levar avante a criação de um Estado no interior da África, Estado neutro, espécie de propriedade colectiva de todos os países, sem alfândegas. Quando estas mais tarde vieram a ser estabelecidas, só a Holanda teve a ingenuidade de se admirar…



No entanto, conseguiu a Associação levantar contra Portugal e a seu favor, primeiramente, o comércio inglês e, depois, o comércio alemão, alcunhando Portugal de monopolistas, de proteccionistas, apegados aos direitos diferenciais e aos privilégios de cabotagem, amadores de tarifas exorbitantes, de rigores fiscais. E arvorava-se então em paladina da liberdade de comércio. Desta propaganda contra Portugal surgiu, principalmente, a oposição de Manchester ao TRATADO e o veto da Alemanha, tão humilhante para Inglaterra.

A história aqui contada sem perturbação, SEM EMOÇÕES como o leitor pode ver, não se falava ainda da LUNDA ou IMPERIO do MUATIÂNVUA, neste pequeno período, entre 1884 à 1891 ou seja (7) anos. Não há nenhuma presença de potência Europeia no território, ou uma colonização declarada, ou influência alguma…



2.2.3.- A FRANÇA



A França, considerando lesados os seus interesses no Baixo Congo e no Golfo da Guiné, seduzida pelo provável reconhecimento da sua soberania sobre as descobertas de Brazza, prevendo, talvez, a cláusula ilusória de vir a ser herdeira presuntiva da Associação, foi, juntamente com Alemanha, o principal inimigo de Portugal na região do Congo. Em 18 de Março de 1884 entregava ela pela mão de De Laboulaye, ministro da França em Lisboa, uma nota acompanhada de uma memória que reclamavam contra o TRATADO (16).


2.2.4.- A ALEMANHA


A Alemanha, que até então se conservara à margem dos problemas africanos, os quais, no dizer de BISMARK, não valiam os ossos de um granadeiro da Pomerânia (17), mudou radicalmente de posição. Na preocupação de favorecer a politica expansionista (que ironia de Portugal) de JULES FERRY, como meio mais azado de lhe fazer esquecer a derrota de SÉDAN e desejoso de desforra, no intento de ter em Africa territórios e PROTECTORADOS para se antepor aos projectos de Inglaterra ou para se colocar ao lado dos seus rivais, na perspectiva imediata de encontrar ali fontes de matérias-primas e mercados para os seus produtos, o CHANCELER DE FERRO foi o mais hábil construtor do Estado Independente do Congo.



Esta mistura de pretensões e interesses deu à política colonial alemã um carácter de contingência e de incongruência que bem podiam ter arruinado a sua colonização em África.



Depois de uma guerra contra a França, a Alemanha saía vitoriosa, unida e forte. Mas os receios da França levavam-na a uma política de alianças, e a aliança com a Inglaterra na Europa valia para o príncipe de Bismark mais do que a posse de toda a África (18). Assim se compreende a política colonial que ambas as Potências vieram a adoptar para com Portugal e PORTUGAL para com os infelizes africanos.



O próprio Governo Inglês, a braços com viva oposição interna ao Tratado, não se importou nada em contrariar também os direitos de Portugal. Demais, nem sempre conseguia esconder as suas ambições de ligar pela GARANGANJA (Katanga) (19) a parte norte com a parte sul do seu império africano. De facto, mais tarde tudo se dispôs em LONDRES e em Bruxelas para o Estado Independente ceder aos Ingleses os seus direitos de propriedade sobre esses territórios (20).



BIBLIOGRAFIA OU FONTES

(9)…BANNING, Émile – Mémoires politiques et diplomatiques, comment fut fondé le Congo Belge, p. 7.
(10) …LAVRADIO, Marques do – Portugal em Africa depois de 1851, p. 81. Dizia a moção:«No interesse do crescente comércio da costa ocidental da África, a Câmara julga que o Governo não deve celebrar tratado algum que sancione a anexação, por qualquer potência estrangeira, do território adjacente ao Congo». (11)…LAVRADIO, Marques do – Ibidem, p.81
(12)… ALMADA, José de – Tratados aplicáveis ao Ultramar, vol. VI, p.29
(13)… OLIVEIRA, Fernando de - «Duas vitórias – O Princípio da Liberdade e igualdade do comércio na bacia convencional do Congo e as reservas portuguesas de 1885 e 1919, Garcia de Orta, vol. 10, n.º 1, p.14. (14)…OLIVEIRA, Fernando de – Ibidem, p.22. (17)… OLIVEIRA, Fernando de – Ibidem, p.16.
(15)… Jornal do Comércio, n.º 9.365, de 14 de Fevereiro de 1885.
(16)… Livro Branco sobre a Questão do Zaire (II), doc. n.º 1, pp. 5-7.
 (18)… «A partilha de África», Jornal do Commercio, n.º 11.223, de 30 de Abril de 1891. (20)… « A partilha de África», Jornal do Commercio, n.º 11.223 de 30 de Abril de 1891.
(19)… Do Catanga, o engenheiro-chefe da Forminiere, Baudine, hava de dizer mais tarde que era um escândalo geológico».