quarta-feira, 3 de outubro de 2012

PARTE II - A ORIGEM DA CHAMADA «QUESTÃO DA LUNDA 1885 – 1894»



PARTE II - A ORIGEM DA CHAMADA «QUESTÃO DA LUNDA 1885 – 1894»





2.- A CRIAÇÃO DO DISTRITO DO CUANGO ORIENTAL


2.1.- A DELIMITAÇÃO DE FRONTEIRAS NO CONGO E AS ESFERAS DE INFLUENCIAS



Andavam os comissários dos dois Governos na tarefa da demarcação, sem bem se entenderem, quando, em 10 de Junho de 1890, HENRIQUE DE MACEDO PEREIRA COUTINHO, ministro de Portugal em Bruxelas, chamou a atenção de HINTZE RIBEIRO, ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, para o «importantíssimo facto político» que acaba de dar-se na Bélgica, qual era o de o presidente do Conselho de Ministros e ministro da Fazenda, BERNAERT, ter apresentado na Câmara dos Representantes, na sessão do dia anterior, um projecto de lei que punha à disposição do seu soberano rei uma quantiosa soma, que, por certo, iria utilizar para, «a título de exploração cientificas e antiescravistas, empreender uma activa e enérgica campanha de ocupação e posse nos territórios da África Central que demoram a leste da parte da nossa província de Angola, (TRATA-SE DA LUNDA, MUATIÂNVUA, REGIÃO DO ALTO KASSAI, etc.)»(11).


O conde de Macedo tinha razão. O rei dos Belgas deitou-se à obra de ocupar a LUNDA DO MUATIÂNVUA.


No dia 12 de Agosto de 1890, por telegrama enviado de Londres pelo ministro de Portugal naquela capital, BORJA DE FREITAS, soube-se em Lisboa que INDÉPENDANCE BELGE, jornal nitidamente ao serviço do Estado Independente do Congo, dizia que «O TRATADO DE 14 DE FEVEREIRO DE 1885 DESIGNOU O CURSO DO CUANGO COMO FRONTEIRA RESPECTIVA ENTRE PORTUGAL E ESTADO INDEPENDE DO CONGO, que Muatiânvua formava o duodécimo distrito administrativo do Estado Independente do Congo, compreendendo os distritos administrativos do Cassai e Lualaba» (12).



AFFAIRES DU CONGO


                «Le siécle a publié hier un entrefilet disant: qu’il serait question d’attribuer à L’Etat du Congo toule la region du Haut Kassai connue sous les noms Lunda ou Muta-Yamvo, qui figure sur les cartes portugaises comme appartenant à la colonie portugaise de Lianda.
                Suivant nos renseignemants, la constatation du siécle ne révélé, a proprement dire, rien de nouveau  et il est inexact de présenter comme un «agranddissement de L’Etat du Congo», L’etat de choses comprenant le territoire de Lunda, autrement dit le royaume de Mouata Yamvo, dans le teritoire de L’Etat Libre.
             La traité du 14 février 1885, entre le Portugal et L’Association Internacionale africaine, ayant désigné le cours du Kouango comme frontiere respective du Portugal et de L’etat Libre du Congo, L’Etat Libre a toujours considéré la région indiquée par le Siécle commo comprise dans sa spéhré d’activité.
                Et en fait, déjá organisée administrativement, cette region est devenue, sous le nom de «Kouango oriental», le douziéme district de L’Etat Libre. Le district en question s’étend entre le Kouango et les distrits du Kassai et de Loualaba. Le lieutenant Dhanis, qui avait déjà rempli plusieurs mission au Congo, en est nommé commissaire.»


A notícia causou em Portugal justificada perplexidade, mas não inteira sensação. Com efeito, em Fevereiro deste mesmo ano, VAN EETVELDE, numa conferencia que teve com o conde de Macedo, aproposito das negociações para a delimitação dos territórios onde o domínio efectivo dos dois Estados era reconhecido, lembrou a este a vantagem de aproveitar «a presença dos comissários de limites em África e a proficiência especial destes funcionários e o ensejo da realização da futura convenção de limites que naturalmente resultaria dos trabalhos destes (…)» (13), para discutirem «por esta ocasião submetendo-a à mesma ARBITRAGEM a definição das respectivas esferas de influências nos territórios adjacentes aos dois Estados, nos quais até então nenhuma POTÊNCIA EUROPEIA exercia soberania, cumprindo-se ou, para melhor dizer, aclarando-se assim o preceituado no n.º 8 do artigo 3.º da Convenção de 14 de Fevereiro de 1885 (14).




Em apoio desta sugestão, trouxe VAN EETVELDE à lembrança a abertura feita em Lisboa em Setembro ou Outubros de 1888 por AGOSTINHO DE ORNELAS a de GRELLE, ministro da Bélgica em Lisboa, sobre as «vantagens que para os dois países adviriam da mútua fixação dos seus domínios presentes e da área da sua futura expansão» (15), «afirmando que apesar de essa abertura ter encontrado então favorável acolhimento por parte do Rei Soberano, o governo de Portugal não dera mais andamento» (16).
FONTES:
(11) (12).- Livro Branco sobre a Questão da Lunda, docs n.º 2 e 3, p.7
(13).- AMNE – Caixa «Limites no Congo e na Lunda» maço n.º2, oficio reservado n.º 4-A, de 11 de Fevereiro de 1890, do conde de Macedo para o ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.
(14).- Ibdem
(15).- Livro Branco sobre a Questão da Lunda, doc, n.º14, p.18.(No doc n.º 6, p.8, Hintze Ribeiro atribuiu a iniciativa dessa abertura ao administrador-geral dos Negócios Estrangeiros do Estado Independente do Congo). É manifesto engano, como declarou (doc, n.º14) Barbosa du Bocage e como afirmou na segunda sessão da conferência de Lisboa, de 25 de Fevereiro de 1891 (Doc, n.º 27, protocolo n.º2, p. 46) o delegado técnico do Estado Independente do Congo, Cuvelier.
(16).- AMNE – Caixa «Limites no Congo e na Lunda, maço n.º2, oficio reservado n.º 4-A, de 11 de Fevereiro de 1890, do conde de Macedo para o ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.



O administrador-geral dos Negócios Estrangeiros do Estado Independente do Congo, insistindo em que ignorava as disposições do rei Leopoldo acercava do assunto, pediu ao conde de Macedo que sondasse particularmente a opinião do ministro dos Negócios Estrangeiros para assim apresentar a questão ao rei dos Belgas.


O conde de MACEDO prometeu fazer o pedido, e disse-lhe que, no seu modo de ver, e segundo a letra e claro espirito dos artigos 3.º e 4.º, a Convenção de 14 de Fevereiro de 1885 era única e exclusivamente uma convenção de limites ou fronteiras de territórios em que cada uma das partes exercia efectiva soberania e não um instrumento destinado a delimitar áreas ou esferas de influências; que o rio Cuango, indicado no n.º8.º do artigo 3.º dessa convenção como limite comum das possessões portuguesas e do Estado Independente do Congo, só podia atribuir-se, portanto, essa qualidade e título na pequeníssima parte do seu curso, em que de um lado dele demorava territórios sobre que o soberano do Estado Independente do Congo exercia soberania, nos termos precisos da demarcação e definição dos territórios do EIC feitas pela CONFERÊNCIA DE BERLIM DE 1884-1885.



Acrescentou o conde de Macedo que tanto do que ele, VAN EETVELDE, lhe dizia, como de palavras proferidas na Conferência antiescravista (17) por PRIMEZ 2.º plenipotenciário do EIC era fácil concluir que, na opinião de ambos, o Cuango era, segundo o n.º 8º do artigo 3.º da Convenção de 14 de Fevereiro de 1885, e em toda a extensão dele, não uma simples fronteira territorial mas um limite de esfera de influência entre Portugal e o EICongo.



Para o Estado Independente do Congo, por isso, qualquer ocupação portuguesa nos territórios da LUNDA constituía uma violação dessa Convenção.



E apressou-se a afirmar-lhe categoricamente que o Governo de Portugal dera mais de uma vez prova de que não aderia e nunca poderia aderir a tal interpretação. Por consequência, «qualquer convénio acerca de esferas de respectivas influências não poderia ser considerado pelo Governo Português como significando execução, aclaração ou modificação da Convenção de 14 de Fevereiro de 1885 e muito menos como uma cessão de direitos da parte do Governo do Estado Independente do Congo, senão como um acordo inteiramente novo que por nenhuma forma derivava de compromissos ou obrigações anteriores (18).



Então, VAN EETVELDE porfiou na vantagem de acordar-se neste objecto, que poderia em breve dar lugar a divergência entre os comissários de limites. O conde de Macedo acudiu, dizendo que os comissários não tinham cargo nem poderes para interpretar o alcance da Convenção discutida, senão a mera incumbência de marcar, sobre o terreno, os limites por ela fixados, sem inquirir se eles eram SIMPLES FRONTEIRAS TERRITORIAIS OU LINHAS DEFINITÓRIOS DE ESFERAS DE INFLUÊNCIAS, e lembrou que, sendo a fronteira de que se tratava um rio de curso estudado e conhecido, os comissários nem dele tinham de se ocupar (19).



De facto, os pontos a delimitar pelos comissários de limites eram precisos:


«1.º Os territórios de Cabinda e Molembo, isto é, Ponta Vermelha, confluência do Cula-Cala com o Lucula, Cabo Lombo e anexas linhas geográficas (Vide Tratado de 14 de Fevereiro de 1885 em Berlim).

2.º O rio de Uango-Uango e o paralelo de Nóqui.

3.º O talvegue do rio Zaire.» (20)


No dia 25 de Fevereiro do mesmo ano HINTZE RIBEIRO, em despacho para o conde de Macedo disse:


«1.º Que o Cuango só é limite dos territórios entre o paralelo de Nóqui e o de 6.º
2.º Que não é também, para o sul, limite das esferas de influência.
3.º Que queria primeiro ultimar a demarcação ajustada no terreno pelos territórios nomeados.»


E concluía assim:


«a) Desejamos a definição das esferas de influências de Portugal.
b) Só nos parece oportuno tratar esse assunto depois da demarcação.
c) Não julgamos que nas esferas de influência tenha cabimento a arbitragem internacional.» (21)

Até agosto o assunto ficou em poisio.


Fontes:
(17).- Protocolo n.º 6, p.92, linha 20 a 30
(18).- AMNE – Caixa «Limites no Congo e na Lunda», maço n.º2, oficio reservado n.º 4-A, de 11 de Fevereiro de 1890, do conde de Macedo para o ministro e Secretario de Estado dos Negócios Estrangeiros.
(19).- Ibidem
(20).- Livros Branco sobre a Questão da Lunda, doc.n.º 14, pp.19-20. Vid, também doc n.º 6, p.8
(21).- Ibidem



2.2.- O DECRETO DE 10 DE JUNHO DE 1890, A REAÇÃO PORTUGUESA E A IDEIA DE LEOPOLDO II DE UM ULTIMATUM A PORTUGAL



Neste mês (Agosto), porém, o BOLETIM OFICIAL do Estado Independente do Congo publicou no dia 9 o decreto assinado por Leopoldo II em 10 de Junho do mesmo ano de 1890 que criou «UNE DOUZIÈME DISTRICT, QUI PORTERA LE NOM DE DISTRICT DU KUANGO ORIENTAL. CE DISTRICT S’ÉTEND ENTRE LE KUANGO ET LES DISTRICTS DU KASSAI ET DU LUALABA» (22).



Logo que este decreto foi conhecido em Portugal, o Ministério dos Negócios Estrangeiros movimentou os seus diplomatas, e, em 23 do mesmo mês, o conde de Macedo fez entrega na administração do Estado Independente do Congo de uma nota de protesto «em termos brandos» mas «bastantemente firme, em que sobre a forma de fundada esperança, formulava, aliás claramente, a exigência de Portugal no regresso ao STATUS QUO ANTE e na manutenção indefinida deste» (23).




«A moderação da fórmula e da linguagem em que entendeu dever traduzir o protesto de Portugal e reclamação teve principalmente em vista não prejudicar, criando ou aumentando irritações estranhas ao fundo da questão, alguma solução amigável e pacifica dela entre Portugal e o Estado Independente do Congo do Leopoldo II (…)» (24).



O protesto português exasperou LEOPOLDO II, que concebeu logo a ideia de um ULTIMATUM a Portugal, ao jeito de como fizera a Inglaterra.



E enviou LIEBRECHTS às docas de Londres para adquirir, por conta do Estado Independente do Congo, um Navio de Guerra abatido ao efectivo mas suficientemente armado para trazer a Lisboa o ultimatum sob a ameaça dos seus morteiros… (25).



Liebrechts vagueou pelas docas de Londrinas cautelosamente sem mostrar abertamente o fim da sua missão.


Ao cabo de oito dias encontrou nas docas de Poplar (26) um navio mais ou menos à feição, capaz de dar 14 nós, com armamento e munições, com uma equipagem completa, podendo aguentar-se no mar durante uma quinzena sem ser reabastecido.



Liebrechts, apesar de tudo, julgou-o insuficiente para a aventura, e comunicou para Bruxelas essa sua opinião. Não obstante, recebeu ordens de comprar o navio. Protestou e foi à capital belga para se justificar. Teve mau acolhimento, mas o bizarro projecto foi abandonado (27).

Fonte:
(22).- Livro Branco sobre a Questão da Lunda, docs n.º 7 e 8, p.9
(23).- Ibidem, doc n.º 11, p.10
(24).- Ibidem, idem, pp.10-11
(25).- CORNET, René J. – Katanga, pp. 292 e 298
(26).- Liebrechts fala de Popelear, mas deve querer dizer Poplar
(27).- DAYE, Pierre – Léopold II, pp.229-230



2.3.- A CAMINHO DA RECONCILIAÇÃO PORTUGAL E LEOPOLDO II


As iras do rei dos Belgas acalmaram-se, e à reclamação portuguesa que deu lugar o contencioso de Lisboa sobre a questão LUNDA de 1891 com termino em 1894, respondeu Van Eetvelde em nota n.º 1117, de 2 de Setembro, teimando na interpretação do Estado Independente do Congo e lembrando, em abono da sua opinião, a CARTA DE AFRICA MERIDIONAL, de 1886, da Comissão de Cartografia Portuguesa, a carta anexa aos protocolos da Conferência de Berlim 1884-1885, as cartas de KIÉPERT (Berlim 1885, 3.ª ed.), de JUSTUS PERTHES (Agosto de 1890), EDWARD STANFORD (Africa South of the Equator, Novembro de 1890), ROUVIER (1887), a última das quais atribuía ao Estado Independente do Congo a fronteira do Cuango, e as restantes davam este rio como limite de Angola. (28).




Na mesma nota, Van Eetvelde alvitrava se submetesse a pendência relativa aos territórios, mencionados no decreto de 10 de Junho, à arbitragem do Conselho Federal Suíço.


Com este alvitre não pode o Governo de Portugal concordar, porque «sempre estiveram esses sujeito ao IMPÉRIO DO MUATIÂNVUA, potentado Africano que desde longos anos manteve constantemente com Portugal AMIGÁVEIS RELAÇÕES, relações estas que haviam sido transformados em TRATADOS DE PROTECTORADO, cujo carácter melhor se definiu, e cuja intensidade subiu ao extremo por efeito da viagem essencialmente politica realizada pelo major do Exército Português Henrique Augusto Dias de Carvalho, nos anos de 1884 a 1888 – «Expedição Cientifica Portuguesa a Mussumba do Muatiânvua» - dizia em 29 de Novembro Barbosa du Bocage, então ministro dos Negócios Estrangeiros para o conde de Macedo (29).




Porque Portugal nunca teve por incluídos no Estado Independente do Congo os territórios agora em litígio, não poderia «considerar extensivo a eles o acordo celebrado em 7 de Fevereiro de 1885 em Berlim (…), para submeter à arbitragem do Conselho Federal Suíço as divergências que se suscitassem por ocasião de se executarem sobre o terreno os trabalhos de delimitação das possessões respectivas de Portugal na LUNDA e do Estado Independente do Congo» (30).



A posição de Portugal era, portanto, a de que a questão não cabia nos termos do acordo de 7 de Fevereiro, pois, para tal, «era preciso que ela nascesse e se deduzisse directamente dos termos da Convenção de 14 de Fevereiro de 1885 entre Portugal e Bélgica e ou o Estado Independente do Congo, até porque a Conferência de Berlim não havia tratado a situação dos territórios da Lunda, porque era ainda desconhecido o resultado do trabalho dos exploradores. E, com efeito, a declaração de neutralidade do Estado Independente do Congo, comunicada às Potências signatárias do ACTO GERAL DE BERLIM em 1 de Agosto de 1885, excluía das suas possessões RIOS E TODA A REGIÃO DA LUNDA (32).
Fonte
(28).- Livro Branco sobre a Questão da Lunda, doc n.º13, p.16
(29).- Ibidem, p.17
(30).- Ibidem, idem, p.17
(31).- Ibidem, idem, p.17
(32).- Vid.Cap.VI,pp.197 e segs



OBS:

PARTE III e final será dedicada a fixação das fronteiras do Zaire e na Lunda. O rotativismo dos partidos e a sociedade de geografia de Lisboa, para vermos depois o desenvolvimento da questão da Lunda 1890-1891