terça-feira, 17 de janeiro de 2012

ANGOLA É UM PAÍS UNO MAS DIVERSO EM A 3.ª ALTERNATIVA POR MARCOLINO JOSÉ CARLOS MOCO

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ANGOLA É UM PAÍS UNO MAS DIVERSO

É a falta generalizada dessa consciência que tem retardado a prática efectiva do princípio de unidade nacional que reconheça, sem dramas, as nossas diferenças. Só daí é que pode nascer uma autêntica unidade nacional que vá para além de meros slogans políticos.

É dessa prática errada, consequência de paradigmas de exclusão da Guerra-Fria que resultou o afastamento da “componente branca” que nos levou a passar por muito maus bocados em termos de estrutura de Estado moderno africano. É dessa prática que resultaram as guerras que fingimos que não eram de carácter étnico-regional, quando estava tudo claro que eram. É dessa prática, mal disfarçada, que instituições e outras entidades morais (colectivas ou individuais) são paralisadas, perante práticas reprováveis do regime político actual, com conversas entre quatro paredes, mas não tão invisíveis, em que são invocadas solidariedades étnico-regionais, para justificar o injustificável.

É verdade que não estamos isolados em África neste aspecto, mas é por isso mesmo que a África tem as tragédias que tem porque, em grande parte, não conseguimos instituir mecanismos estaduais que possam absorver as diferenças e sobretudo impor práticas consentâneas.

É preciso que esta questão deixe de ser tabu, para encontramos soluções adequadas. Reconhecemos que não deve haver pressas que possam precipitar situações. Mas desde já, exige-se que as pessoas sejam avaliadas pela sua prestação e não pela sua origem seja de que natureza for: autóctone, crioula, do Norte do Sul do Leste ou do Litoral. Somos todos angolanos; antes disso, somos todos seres humanos. Acreditar no contrário, num ou outro sentido, em actos ostensivos ou subliminares nunca nos irá ajudar.

Haverá casos em que as possibilidades da chamada descriminação positiva devam ser ponderadas e assumidas sem qualquer complexo, não só nas questões de ordem política mas também nas questões de ordem técnica#. Porque é que em África com tanta diversidade étnica, cultural, regional, etc., etc., só pensamos em governos de unidade nacional depois de morticínios e ou graves crises pós-eleitorais?

A abordagem do problema da unidade na diversidade leva-nos àquestão Cabinda.

Nos termos das ordens jurídicas interna e internacional, não temos dúvidas nenhumas que, por ora, a concessão da independência de Cabinda é inviável, se nos baseamos no princípio “uti possidetis” que tem a sua ratio na inconveniência que adviria de uma lógica de retorno às sociedades pré-coloniais. Com efeito, a interpretação que fazemos de fronteiras coloniais que são herdadas pelos Estados modernos africanos, são as consideradas por altura da independência e não antes.

Se formos a ver bem, muitas outras comunidades da Angola actual, em determinadas fases da história, anterior à independência, tiveram com os colonizadores acordos similares aos invocados pelos independentistas de Cabinda. Por outro lado, partindo até dos resultados hoje das independências africanas a completar já meio século, sabemos que não são elas a panaceia para o bem-estar económico, social e espiritual das populações de determinado território, registando-se pelo contrário, muitos casos de deterioração da vida das populações.

Porém, não podemos fechar os nossos olhos ao facto de que o “independentismo” de Cabinda já vai bastante extremado, num plano psicológico e material que tem de ter necessariamente um tratamento consequente. E aqui cabe-nos afirmar de forma autocrítica, que o extremar dessa posição, que vem desde os alvores da formação do Estado-nação angolano, para além do factor psicológico descontinuidade territorial, recebeu grandes subsídios com as políticas centralistas-estalinistas#, que dentro dos modelos de 1ª alternativa, foram sendo implementadas no pós-independência de Angola.

Desde a altura da independência que se devia encontrar um solução de terceira alternativa (nem independência de Cabinda nem a sua integração a uma Angola centralizadamente unitária) à semelhança da relação entre Portugal e seus arquipélagos ou (solução mais africana) entre o antigo Tanganica e o Zanzibar que geraram a Tanzânia do (Mualimo) Julius Nierere. Mas, não. Soluções de primeira alternativa não admitem conversas e atrasos e tudo se resolveu à pancadaria. Mas não podemos esquecer que isso se enquadrava no ambiente de Guerra-Fria de então.

Hoje, mesmo depois da mais que demonstrada inutilidade deste tipo de atitudes, em relação à Cabinda; à pancada, a prisões reconhecidamente de natureza política e de mera consciência, sucedem-se soluções enviesadas: não se discute com quem realmente tem condições para representar os amplos sectores independentistas de Cabinda, vivendo no estrangeiro ou em Angola, mas com quem, como referimos acima, tem um mandado de captura internacional a pender-lhe como uma espada de Dâmocles.

Não temos uma solução acabada para um problema que se apresenta tão complexo. O que acreditamos é que em sede terceiras alternativas podemos encontrar um leque de soluções a contento.
E como corolário das referidas políticas, surge-nos agora a Questão Lunda-Tchokwe. Repetiríamos aqui tudo ou quase tudo que dissemos sobre Cabinda.

E outras questões de índole regional poderão surgir (já há indícios), se se insiste em políticas de primeira alternativa, neste domínio. Ainda aí um Manifesto do Reino do Congo.

A questão da alternância

Pela sua relevância, a questão da alternância política só por uma questão metodológica, é que não foi abordada no âmbito da diversidade do nosso país e da maioria dos estados africanos continentais. Pois, a sua observância é vital. Se é ela que sem dúvidas, tem dado vitalidade aos países mais progressivos nos casos de homogeneidade étnico-regional, nos nossos casos, por maioria de razão esta questão devia estar no centro das nossas preocupações.

A importância da inserção do princípio da alternância pessoal no poder de Estado nas agendas nacionais foi entendida (mais cedo ou mais tarde) por grandes líderes mundiais e africanos que ao invés de perderem, só obtiveram ganhos para si e seus países. George Washington, Mahatma Ghandi (líder político e espiritual que nem chegou a ocupar cargos de Estado), Lula da Silva, Senghor, Julius Nierere, Pinto da Costa, Aristides Pereira, Pedro Pires, Jerry Rawlings, Mandela, Sam Nujoma, Chissano, entre muitos, são exemplos de sucesso nesta matéria.

Escusamos aqui de aprofundar o quanto a teimosia inerente a soluções de primeira e segundas alternativas têm sido tão prejudiciais aos nossos países e a outros países do chamado mundo em desenvolvimento, no que diz respeito à alternância. Os exemplos estão a mão de semear e já tantas vezes aqui e noutros textos os referimos.

Os angolanos não devem permitir, de nenhum modo e a qualquer pretexto, que se instale o hábito da inobservância, ao mais alto nível das instituições do Estado do princípio da alternância pessoal.

Não podemos permitir que gerações e gerações sejam amarradas ao destino de um só homem, sua família e seus herdeiros, num pais de tanta diversidade.

Enterrar “cadáveres psicológicos”e deixar de criar fantasmas

Esta é uma exigência premente, na elaboração de uma agenda nacional de terceira alternativa.

Enquanto escrevo este texto, leio uma entrevista de Lopo do Nascimento, o mais antigo Primeiro Ministro e também, como nós, antigo Secretário Geral do MPLA, em que revela ter proposto ao Presidente do MPLA, a ideia de reconciliação com as dissidências do passado, tendo a proposta sido aceite.

Pode ser um bom começo, se tivermos em conta a importância particular de ordem fáctica que o MPLA assume no país, actualmente. Mas este é apenas um dos cadáveres psicológicos que temos de enterrar, se queremos efectivamente mudar para uma plataforma de terceira alternativa ao nível do nosso Estado-nação, começando pelo interior da organização político-partidária que durante todos estes anos esteve no eixo da estruturação do Estado-nação.

É com estes fantasmas que fomos desencorajando subtilmente sucessivas gerações de jovens a assumir a responsabilidade pela organização do seu próprio futuro, ao mesmo tempo que nos amedrontávamos a nós próprios, como mais velhos, para que ninguém assumisse posições ditas demasiado ousadas.

Apesar de um certo esbatimento, decorrente do passar do tempo, da conotação pejorativa com que taxávamos outros confrades como “ocas”, “hendas”, “revoltas (activa)”, chipendas, “fracs”, “lúcios lara”, etc., etc., estes cadáveres continuam a exalar os seus cheiros, com repercussões muito negativas para o funcionamento do todo nacional. Mas saindo destas questões aparentemente internas do MPLA, é preciso pôr um ponto final – porque o quadro actual já não o justifica de nenhum modo – em certa persistência em nos taxarmos entre angolanos de “fantoches” ou “comunistas” (no sentido mais negativo possível). E que expressões como “bailundos”, “camundongos”, “munanos”, “mukuakisas”, “sãotomenses”, “crioulos” e outras tantas, não passem de meros elementos para nossas brincadeiras e anedotas para bandeiras de mobilização de ódios despropositados. É que, diga-se, muitos dos nossos filhos e netos nem entendem bem algumas dessas expressões mas quase que nascem já a balbuciá-las.

Mas, mais preocupante que simples etiquetas com que nos mimoseamos é o facto de penderem sobre nós situações como algumas mortes mais ou menos recentes (entre algumas aparentemente estranhas e outras nem tanto) que por não esclarecidas por quem de direito, são muitas vezes utilizadas para desencorajar acções lícitas de intervenção cívico-política, para óbvio gáudio de quem quer manter o iníquo statu quo em que vivemos. Referimos especialmente aos casos de mortes como a do deputado Nfulumpinga Landu Victor (defunto Presidente do PDP-ANA), de vários jornalistas sendo a mais badalada a de Ricardo Melo e ultimamente a do radialista Alberto Chakussanga da Rádio Despertar.

São esses alguns dos vários “cadáveres psicológicos” que temos de enterrar, se estivermos verdadeiramente interessados em viver uma agenda nacional de terceira alternativa, para todos ganharmos muito, com quase nenhuma perda para ninguém.

Um acto formal (depois de alguns esclarecimentos e eventual reparação de algumas situações mais flagrantes como as do 27 de Maio ou de mortes em 1992) em que nos comprometêssemos seriamente a abandonar estes fantasmas seria, algo muito importante para arrancarmos, desta vez sim, para uma verdadeira “Vida Nova”, fora de segundas alternativas.

O desvio descarado dos recursos públicos e a corrupção

O maior problema a resolver para o retorno a uma agenda nacional autêntica, talvez seja mesmo esta questão.

Não se sabe muito bem, mas talvez seja esta a causa da prevalência de atitudes tão estranhas quanto anquilosadas, e que estamos a referir em outros tópicos, como a esquiva do princípio da alternância#, a partidarização e até pessoalização da comunicação social pública e privada, entre outros aspectos. Seria caso para se dizer que estamos perante um “abismo” a chamar outros “abismos”.

Em muitos países em que se fala em corrupção (o que quer dizer em praticamente todos os países do Mundo) ela é quase sempre ligada a questão da recepção sorrateira de comissões mais ou menos chorudas, em torno de alguns negócios do Estado. É uma situação normalmente ligada aos jogos de influência, habituais no binómio negócios-poder. Em Angola, esta modalidade praticamente já não está em questão, perante o descaramento de como se constitui o património de familiares e próximos do Presidente da República em funções.

Não temos muitas dúvidas de que essa é uma prova de como a longevidade individual no poder leva as pessoas a pensar que o que é da Nação que governam é seu. É ver como, frustradas as tentativas de processar e aprisionar jornalistas e investigadores que falam da verdade sobre estas situações, se passou para um descarado comportamento do “os cães ladram e a caravana passa”, com a complacência de todo sistema (moral, partidário, civil, comunicação social, judicial, etc., etc.)

Para tornar as coisas mais melodramáticas ou trágico-cómicas, mesmo antes da proclamação da fantasmagórica era da “tolerância zero”, já vimos Governadores Provinciais e outros dignitários menores, a serem incomodados por instâncias judiciais por supostos desvios de 20 000 dólares ou menos, que perante milhões de milhões que se anunciam desviados dos cofres do Estado, não passam de meia dúzia de “patacos” para comprar uns rebuçados, sob o silêncio tumular de tudo quanto seja instituição de controlo e tutela do bem público.

Na verdade não se pode falar em agenda nacional nenhuma, enquanto este problema tão grave não sair das conversas que já ninguém esconde, em lugares mais ou menos reservados e que grassam nas canções e slogans de jovens em protestos reprimidos, para um a solução de terceira alternativa que se impõe urgente.

Todos vão ganhar e ninguém vai perder grande coisa. Mas aqui é preciso coragem (e alguma humildade) sobretudo do Senhor Presidente que fala agora de diálogo. No fundo, está aqui o cerne da questão que faz com que a fome seja mais esfomeada, que o desemprego e a precariedade sanitária sejam mais indigentes e que nos centros urbanos a escuridão seja mais escura e a falta de água mais sequiosa e insuportável.

E, sobretudo, é o que está na base de revoluções que grassam por nortes e médios orientes. Não abandonar decididamente estas práticas quanto antes e andar a tergiversar, é estar verdadeiramente a brincar com o fogo. Como o dissemos, o Direito e a História apontar-nos-ão soluções de terceira alternativa.

Descentralização, desconcentração e poder local autárquico

O modelo de primeira alternativa em que Angola insiste em laborar, por decisão dos actuais dignitários do poder, não se compagina com essas ideias, senão no plano de meras declarações.

Em solução de terceira alternativa os titulares de ministérios e secretarias de Estado têm, no geral, apenas uma dependência de natureza política com os chamados superiores hierárquicos. De resto, orientam-se pelos seus estatutos e regulamentos baseados na Constituição e nas leis. Aqui, no que for essencial, os sectores do Estado e do governo (Executivo) continuam sujeitos a determinações quase pontuais, dos superiores hierárquicos (quando não recebem, para mera representação, projectos que nem elaboraram nem vão executar) muitas vezes ao arrepio da ordem jurídica nacional. Isto acontece tanto horizontal quanto verticalmente, onde temos um país amarrado, a não conseguir resolver problemas mínimos, há cerca de dez anos de paz.

Estou a escrever este texto, quando oiço o Presidente da República a falar, sobre a possibilidade de eleições autárquicas em 2013 ou 2014. Este é uma questão importante e a forma como for tratada poderá ser um dos testes para sabermos da vontade de viragem que volta a ser frisada nos discursos que – esperamos − não sejam apenas para aliviar pressões deste ano que foi de tantas manifestações amordaçadas da juventude.

Que nenhuma entidade venha a ser congelada aos esboçar os primeiros passos neste sentido. E independentemente do que o regime venha a fazer, a sociedade tem de estar atenta para a materialização desta meta em que andamos atrasados.

A independência e interdependência dos poderes de soberania e o carácter estratégico do poder judicial

Como dissemos, os princípios de estruturação do poder nas sociedades politicamente organizadas necessitam de revisão, porque de forma geral, já estão ultrapassados pelo passar dos anos, desde que foram instituídos. Mas enquanto não forem devidamente teorizadas novas formas de organização do poder é ridículo aprovar o que se fez em Angola, com a pulverização constitucional dos chamados “checks and balances” o que claramente é uma forma de proteger toda uma série de irregularidades que temos vivido e de que estamos aqui a falar, no domínio político-institucional.

Para justificação do injustificável, fizeram-se comparações descabidas, como por exemplo, a ideia da falta de separação material de poderes nos Estados ocidentais, onde o chefe de governo é normalmente chefe do partido maioritário no parlamento. Toda a gente sabe que nesses Estados há oposições fortes e sobretudo há uma cultura de respeito aos demais princípios democráticos.

Uma agenda nacional de terceira alternativa não deve permitir a eternização de uma tal monstruosidade, bem como a ridícula fusão eleitoral de um Presidente da República poderosíssimo com os desapossados membros do Parlamento, exigindo-se o retorno às clausulas pétreas da Lei Constitucional de 1992.

Neste regresso, o Poder Judicial tem que ganhar uma clara independência, como o maior garante de um Estado justo e respeitável.

A comunicação social tem que ser aberta e servir a sociedade no controlo do exercício do poder e na promoção da cultura democrática e de tolerância

Nenhuma das propostas pode funcionar sem uma comunicação social aberta e contraditória, que se constitua num autêntico visor e retrovisor da sociedade politicamente organizada. Resolvida de forma pacífica e dialogada a questão da extorsão descarada dos bens públicos pela minoria conhecida, não haverá com certeza mais razões para o também descarado e a todos os títulos inadmissível monopólio da comunicação pública e privada que temos estado a presenciar.

Pode haver, quiçá, assuntos que se decida poderem merecer algum tratamento especial, pela sua delicadeza, nesta fase ainda de construção de um Estado-nação complexo. Porém, este consenso tem que ser encontrados em algum fórum nacional. Nunca em conclaves secretos.

Eleições

Como o afirmámos, as eleições do tipo ocidental, única forma aprovada nacional internacionalmente para se escolherem governantes em Estados modernos, não são, no entanto, a panaceia para resolver problemas de fundo, equacionando as questões aqui afloradas como sendo indispensáveis numa agenda nacional séria. Pelo contrário, a experiência mostra que a relevância exagerada que se confere ao valor formal das eleições tem sido a mãe de muitas tragédias, especialmente no continente africano.

Não somos ingénuos, para acreditarmos que esta observação sensibilize opiniões decisórias para que as próximas eleições possam realizar-se sob a égide dessa ideia realista. Porém, não deixamos de repetir este apelo, para que cada agente responsável nestas jornadas contribua para que estas e próximas eleições sejam cada vez mais um modo de formalizar a harmonia conseguida à custa da equação e resolução adequada dos problemas de uma agenda nacional elaborada e praticada em plataformas de terceira alternativa.

Num país, em que como em poucos, tudo pode chegar para todos, pouco cada um de nós irá perder.
Mas todos iremos ganhar e muito.

Luanda, aos 03 de Janeiro de 2012
Marcolino José Carlos Moco
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